Sonho meu (por Joca Souza Leão) – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Sonho meu (por Joca Souza Leão)

Claudia Santos

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Manuel Bandeira disse que queria ir-se embora pra Pasárgada porque lá, entre outras coisas, tinha telefone automático.
Bandeira vivia (e viveu a vida quase toda) no Rio. Início dos anos 20, quando escreveu o poema, tinha-se que girar uma manivela, que ficava na lateral do telefone, para pedir à telefonista da central telefônica para conectar com quem se desejava falar.

Nos anos 50, na casa da minha vó Carmem, aqui, na Rua José de Alencar, tinha um telefone desses de manivela. Já aposentado. E como não era, ainda, considerado antiguidade, não tava lá como peça de decoração. Vai ver, instalaram o automático e esqueceram o velho na parede. Servia pra gente brincar de telefonar, girando a manivela.

Desde que me entendo por gente, telefone é automático no Recife. Só fiquei sabendo que era analógico quando virou digital. A gente discava. Agora, digita. Às vezes, demorava um segundinho para dar linha. Raramente, dava linha cruzada. E, mais raramente ainda, ficava mudo. Ligação errada, qu’eu lembre, só se a pessoa tivesse discado um dos quatro números errado. O da minha casa era 2448. Quem atendia dizia “alô”. Quem ligava, confirmava o número que havia ligado em tom de pergunta. Em seguida, dizia com quem desejava falar. Quem atendia, não perguntava “quem gostaria”. Pedia “um momentinho” para chamar a pessoa ou dizia que ela não estava e perguntava se queria deixar recado.

Se a gente ligasse para uma empresa grande, quem atendia não era uma gravação, mas uma telefonista. Um ser humano, quase sempre do sexo feminino. Se você estivesse querendo falar com um funcionário, ela passava a ligação no ato. Se fosse com um diretor, ela dizia “um momentinho” e passava para a secretária que perguntava “quem quer falar” (jamais “quem gostaria”) e transferia para o chefe ou anotava seu telefone para retornar a ligação. Ninguém levava um tempão para falar com ninguém. Nunca liguei pro papa, mas, se tivesse ligado, quem sabe, ele teria atendido.

Não sei na sua casa, leitora, leitor, mas, na minha, o telefone toca não sei quantas vezes por dia e quando eu atendo a ligação não conclui. Fica mudo. “Alô, alô…” e nada. Agora, tem uma novidade. “Se o senhor ou senhora conhece fulano de tal, digite um; se não conhece, digite dois.” Não digito por…caria nenhuma. Desligo. Mas, na terceira, quarta ligação, não resisto, xingo a mãe. Sei que computador é surdo. E não tem mãe. Mas xingo.

Bem, não vou aqui falar do inferno dos call centers, com suas musiquinhas infames, textos (da pior qualidade) gravados e ramais e mais ramais pra gente digitar até ser atendido por alguém que não resolve nada. Nem vou falar das ligações dos famigerados telemarketings. (Depois que vi uma reportagem sobre os pobres coitados que trabalham nessas empresas, ganhando uma ninharia e trabalhando até 12 horas por dia, não xingo mais ninguém. Ao contrário. Independente do calendário, desejo feliz Natal e próspero Ano Novo).

Everardo Maciel me disse outro dia que computador sonha. Acordado, deve ser. E tem sonhos digitais, por certo. Porque o cérebro humano continua, como sempre, analógico. E os meus sonhos, também.
“(…) Vai buscar quem mora longe / Sonho meu / Vai mostrar esta saudade / Sonho meu / Com a sua liberdade / Sonho meu.”

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