A história é quem nos diz. Dentre os renomados vultos da literatura universal, desde as mais remotas manifestações, são incontáveis os de formação nas áreas do Direito, da Filosofia, da Política e outras profissões cujo cotidiano os motiva ao hábito da escrita.
Mas e os médicos? Por uma vida a lidar com as mazelas alheias, das simples disfunções orgânicas aos estados nebulosos da consciência, o que os estimula o apego às letras? Como definir o surgimento do genial Tchekhov, de um João Guimarães Rosa, Conan Doyle e tantos mais que se tornaria cansativo citar?
Qual então o motivo desse fascínio pelo ato de escrever? Será a chamada vocação ou o estímulo vem do contato com o humano. E a especialidade médica, contribui para essa tendência? No âmbito local, há um expressivo número de médicos que se dedicam à literatura e chamamos alguns deles a opinar.
A cardiologista Ândrea Chaves, mostra a sua versão. “Talvez, a pergunta mais pertinente seria: por que os escritores viram médicos? Assim me vejo. Escrevo porque leio, porque sempre amei escrever, mais ainda, sempre precisei escrever. Ainda pequena não havia uma tristeza ou alegria que não virasse redação ou poeminha. Veio o vestibular… Letras foi a minha escolha, mas por insistência de meu pai, Medicina parecia o meu destino. A vida atribulada do médico, onde a leitura é mais presente que a escrita, me afasta um pouco das letras não científicas, se assim posso chamar. Mas, quando a vida se mostra crua e as alegrias e as tristezas pedem um pedaço de papel, lá estou eu de volta à menininha do passado que só se aquietava quando escrevia, escrevia e escrevia até cansar”.
Ândrea Chaves tem publicados os livros O conto de Sofia e Clarinha uma menina pra lá de especial.
Outra cardiologista, Maria Duarte faz uma interessante análise em sua opinião. “A disciplina de Semiologia nos ensina o método de entrevista de um paciente e a maneira de fazer o exame físico. A primeira parte consiste em saber o sintoma que o fez procurar o médico. Com esse dado passamos para a história da doença atual em que o paciente conta o início da sua doença, a relação ou não com outros sintomas, a sequência de eventos até que vem para a consulta ou foi internado no hospital e a consequência sobre a sua vida familiar, social e profissional. É importante observar a maneira da pessoa descrever o que sente, os gestos, a postura. Podemos então formular as nossas hipóteses sintomatológicas antes mesmo do exame físico. A partir daí precisamos escrever de maneira clara, objetiva, as informações recebidas. E faremos isso ao longo da vida profissional, sem cansar, pois nenhuma história é igual a outra. Quando não se encontra um diagnóstico clínico, temos que investigar o que aquele sintoma pode estar representando do ponto de vista emocional. A doença física também leva a um estado emocional alterado, muitas vezes não referido pela pessoa, mas que interfere com a evolução clínica. A doença pode estar sendo usada, de modo inconsciente, como sinal ou metáfora de outra coisa. Saber ouvir e observar uma pessoa que procura um médico é uma arte e às vezes nem nos damos conta disso. Extrapolando para a ficção, não é difícil perceber que temos personagem, cena, cenário, perfil físico e psicológico, desfecho feliz, triste, trágico, podendo levar para um conto, novela, romance”.
Maria Duarte lançou o livro Amor e Traições e participou das coletâneas de contos Viva Carrero e Todo amor vale a pena.
Outra Maria, a Batista Almeida, médica do trabalho, afeita a conversas com pacientes por força do ofício, define. “As aparentes desvantagens frente aos outros profissionais, os advogados e os jornalistas, por exemplo, para os quais a escrita faz parte do cotidiano, são referidas e nós médicos concordamos, no entanto, pensando melhor, nós também trabalhamos sempre escrevendo. Nos hospitais, nas emergências, nos consultórios, escrevemos as histórias dos pacientes, registramos as queixas, descrevemos os achados, as hipóteses diagnósticas, solicitamos exames complementares e concluímos prescrevendo a terapêutica. São esses escritos diários que motivam a criação de nossos textos”.
Maria Batista tem publicado os livros Canto à vida e Presenças. Participou das coletâneas Lendas do Nordeste, Contos de Oficina, Viva Carrero, Pimenta Rosa e Todo amor vale a pena, dentre outras.
*Paulo Caldas é escritor