No Estado da capital brasileira que mais consome uísque, a cachaça tem garantido, pouco a pouco, seu lugar de protagonismo nas mesas de bares e eventos mais sofisticados. Pernambuco é o segundo maior produtor da bebida destilada genuinamente brasileira e, desde 2008, ostenta seu valor como Patrimônio Cultural e Imaterial. No País, a cachaça ocupa o segundo lugar no ranking de bebida alcoólica mais consumida, perdendo apenas para a cerveja. Os dados são do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça (PBDA).
Na obra Açúcar, publicada em 1939, o pernambucano Gilberto Freyre apresentou a cachaça como o maior “mata-fome” do Brasil, com o poder de fazer a população pobre esquecer a escassez de comida e voltar ao trabalho. Décadas depois, seu neto e também sociólogo Gilberto Freyre Neto, especialista na bebida, revela que mais de 800 milhões de litros de cachaça são gerados por ano no Brasil e o mercado tem se voltado cada vez mais à produção artesanal. “Nos últimos anos, a cachaça começou a concorrer fortemente com outros destilados, como vodca, uísque, conhaque. As empresas estão desenvolvendo produtos premium e extra premium, com um grande valor mercadológico”, informa.
Segundo Freyre Neto, além de investir na fabricação sofisticada, os produtores se especializaram no armazenamento (em barris de aço) e no envelhecimento (em barris de madeira) da bebida, etapas posteriores à destilação. “Ela pode ser guardada durante anos. É nessa fase que o produto adquire um diferencial, uma ‘personalidade'”, especifica.
No País, há mais de 40 opções de madeiras para envelhecimento, a exemplo de umburana, bálsamo e castanheira. “Cada espécie imprime um grau de cor e sabor próprio. A sua coloração, por exemplo, pode variar de transparente ou prateada até uma cor âmbar bem escura”, revela. “Essa diversidade tem surpreendido os que militam no campo da degustação da bebida”, completa o especialista. Cada tipo de cachaça pode ser harmonizada com diferentes pratos.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento restringe a cachaça à denominação exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48% em volume, obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar. “Há uma diferença entre aguardente, que é simplesmente a bebida destilada proveniente da cana, e a cachaça. Esta segunda deve estar nos moldes exatos de produção, considerando-se indicativos de volume e temperatura por exemplo”, explica Gilberto Freyre Neto.
As cachaças podem se dividir, de maneira genérica, em dois tipos: artesanal e industrial. A bebida fabricada em maior escala, de maneira mecanizada, é conhecida como cachaça de “coluna”, aludindo ao equipamento em que é destilada. Na elaboração do produto artesanal, a destilação acontece em alambiques de cobre, após o corte manual da cana, moendas simples e processos de fermentação natural.
RESERVA ESPECIAL. A cachaça Vitoriosa, idealizada em 2013 para celebrar os 75 anos da Pitú, é um exemplo do recente investimento das cachaçarias em rótulos gourmet. “A bebida teve origem numa reserva dos fundadores da Pitú e era oferecida apenas a amigos e familiares em momentos especiais”, revela o diretor comercial e de marketing da empresa, Alexandre Ferrer.
De acordo com Ferrer, a ideia é produzir um produto diferenciado a partir de uma seleção rigorosa da matéria-prima até o processo de envelhecimento de no mínimo cinco anos em barril de carvalho francês. “Após essa fase, a cachaça é transferida para barris de carvalho americano com a finalidade de aprimorar sua qualidade sensorial. Ao final, é engarrafada artesanalmente com embalagens de design exclusivo. As garrafas são de cristal francês e as tampas, de cortiça portuguesa”, detalha o diretor.
A história da Reserva 51 também é muito mais antiga do que a data de seu lançamento, em 2009. “A bebida se manteve por um longo tempo em segredo. Depois de sete anos de pesquisa intensa, a versão Premium da marca 51 passou por um processo de aprimoramento. Foi desenvolvida uma linha exclusiva com cachaças envelhecidas em barris de carvalho americano com finalização especial em três diferentes tipos de barris, de acordo com cada edição: a Rara (vinho), a Única (carvalho) e a Singular (umburana)”, explica o diretor comercial e de marketing da 51, Rodrigo Maia.
Outra marca que segue o processo artesanal é a Quilombo, produzida em Chã Grande, no Agreste Pernambucano. Sua produção chega a envelhecer de um até seis anos em barris de carvalho. Adilênio Sukar Junior, proprietário da cachaçaria revela que o consumidor pernambucano está começando a entender o diferencial de uma cachaça especial. “Por ser artesanal, nosso produto não contém nenhum conservante”, conta. Segundo ele, a empresa fabrica cerca de 5 mil litros por ano.
A história da cachaça se confunde com a história do Brasil, desde a sua colonização. A chegada do português forasteiro, que trouxe consigo a plantação da cana-de-açúcar; o consumo dos escravos africanos e dos indígenas e a tradição mantida até hoje fez com que a bebida se tornasse símbolo importante da nossa cultura. Hoje, vem ganhando espaço no mercado mundial, podendo ser apreciada de várias formas, seja pura ou resfriada, misturada nos mais diversos drinques ou acompanhada de frutas, cafés e chás.
(Por Maria Regina Jardim, Fotos: Diego Nóbrega)