A epidemia da ansiedade é um dos enormes sintomas deixados pela pandemia no Brasil e no mundo. Sobre as raízes dos transtornos de ansiedade que cresceram muito nos últimos anos e quais os caminhos para enfrentá-los, o repórter Rafael Dantas conversou com o psiquiatra André Aquino, preceptor de Psiquiatria da Universidade Tiradentes (FITS) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Nesta entrevista, ele aponta alguns aprendizados desse período difícil de enfrentamento à Covid-19 e fala também sobre o estresse que acomete a população nos períodos eleitorais.
A pandemia nos deixou diante de um cenário de risco mais elevado de morte, o que evidentemente deve ter aumentado a ansiedade de toda a população. Neste momento em que a Covid-19 assusta menos a população, que “legados” ficaram para a saúde mental?
O legado é de que devemos sempre contar com a imprevisibilidade da vida. Quem diria que enfrentaríamos tantas perdas, sejam econômicas e vidas há praticamente 2 anos e meio? Ninguém esperava. E com a pandemia, vimos que devemos estar bem hoje, e não depois. Que priorizar a saúde mental nos ajuda a termos maior capacidade de enfrentamento de desafios e passar por eles sem tantas dificuldades ou sofrimento. Que atitudes simples como meditar e praticar exercícios físicos regularmente são eficazes para elevarmos a sensação de bem-estar e previnir o adoecimento físico e mental. E que doença mental é realmente debilitante, pode acometer qualquer um de nós, mas tem tratamento eficaz tanto com sessões de psicoterapia como com uso de medicamentos.
As dúvidas sobre o futuro do trabalho/emprego, em especial após toda a crise econômica que se acentuou com a pandemia, estão entre os principais geradores da ansiedade mais exacerbada?
Certamente sim. Vimos vários postos de trabalho se extinguirem de uma hora para outra e serem ocupados por computadores, máquinas e demais tecnologias. Autoatendimento, serviços à distância e demais soluções tecnológicas tornaram possível a economia não paralisar completamente durante pandemia, mas mostrou que muitos empregos podem ser substituídos total ou parcialmente por computadores ou robôs. E essa situação de incerteza é causa de aumento da ansiedade a ponto de gerar sintomas mentais.
Que outros problemas geradores da ansiedade principais o Sr apontaria?
Podemos citar o consumo em excesso de substâncias neuroestimulantes como o café; acesso indiscriminado às redes sociais e demais mídias que nos expõe a um excesso de informações que alarmam e geram medo/ ansiedade e ambientes onde haja excesso de pressão e cobrança.
É possível lidar de uma maneira melhor com a ansiedade? O que fazer para sofrer menos com ela e quando é necessário procurar um suporte profissional?
A melhor maneira de lidar com a ansiedade é aprender a lidar com os pensamentos, no sentido de não se fusionar a eles e permitir que eles cheguem e vão embora; e voltar o foco para o presente, para aquilo que está sendo feito naquele exato momento. E isso pode ser aprendido através da meditação da atenção plena (do inglês, mindfulness).
Mas, muitas vezes o nível de ansiedade está tão elevado e causando tanto sofrimento psíquico e prejuízo na funcionalidade da pessoa, que é preciso o auxílio de profissionais como psiquiatras e psicólogos para manejar os sintomas ansiosos.
Estamos iniciando um processo eleitoral político que promete ser mais tenso, após anos de polarização que dividiu famílias e separou algumas amizades. A eleição deste ano é um fator a mais de ansiedade? Que orientação o Sr indica para lidar com isso?
Sim, porque a eleição, como um processo de escolha dos novos governantes, os detentores do poder de determinar os rumos da nossa vida social, política e econômica, tem grande influência para aumentar a ansiedade, que nada mais é do que uma sensação de expectativa em relação ao futuro.
E evitar discussões acaloradas na tentativa de convencer os outros a concordarem com nossa opinião política e respeitar a dos outros é a melhor forma de aumentarmos o nosso estresse e a nossa ansiedade neste ano eleitoral.