“Queremos que pacientes com diabetes do SUS tenham acesso a medicamentos disponíveis na rede particular” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Queremos que pacientes com diabetes do SUS tenham acesso a medicamentos disponíveis na rede particular”

Revista algomais

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Rui Lyra, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, defende que diabéticos atendidos pelo serviço público de saúde tenham acesso a fármacos mais avançados no controle da doença que atinge mais de 14 milhões de brasileiros e que tende a aumentar a prevalência nos próximos anos.

Pessoas diabéticas que não recebem um tratamento adequado e condizente com o mais avançado arsenal terapêutico desenvolvido pela medicina, podem evoluir e sofrer problemas renais e cardiovasculares. No Brasil, pacientes assistidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) não têm acesso a esses medicamentos e insumos, o que levou a Sociedade Brasileira de Diabetes a atuar para tentar reduzir a diferença existente entre o tratamento na rede privada e pública.

Esse tem sido um dos principais objetivos do endocrinologista pernambucano Ruy Lyra, à frente da presidência da Sociedade Brasileira de Diabetes, que assumiu em 19 de janeiro. Nessa entrevista a Cláudia Santos, o médico conta como tem sido a receptividade do Ministério da Saúde a essa reivindicação e ressalta que a doença, que hoje atinge entre 14 milhões a 16 milhões de brasileiros, tem apresentado um crescimento no número de casos e a perspectiva é de aumentar ainda mais.

Uma das metas da sua gestão à frente da Sociedade Brasileira de Diabetes é diminuir a diferença entre o tratamento oferecido nas redes de saúde pública e privada. O senhor poderia explicar essa diferença e como pretende eliminá-la?

No serviço privado, muitas vezes, os pacientes têm plano de saúde e acesso a toda parte laboratorial que facilita o diagnóstico. Pela condição socioeconômica, esses pacientes, geralmente, podem comprar os melhores medicamentos para o diabetes, que não causem hipoglicemia, têm um efeito neutro no peso ou que levem ao emagrecimento que podem trazer benefícios cardiovasculares, renais, entre outros.

No serviço público, embora já haja melhora, infelizmente, existe uma escassez de medicamentos gratuitos. Então, nossa proposta, junto ao governo, ao Ministério da Saúde e organismos que militam na área de tratamento, é que os pacientes do SUS tenham acesso aos mesmos medicamentos e insumos que estão disponíveis na rede particular. É tentar colocar novos fármacos que não estejam na cesta que é disponibilizada para as pessoas com diabetes no serviço público.

Eu me sinto muito desconfortável ao fazer uma medicina no setor público e outra no privado, pois o médico é treinado para dar o melhor ao paciente, as ferramentas de tratamento adequadas para que se evitem complicações. É um grande desafio mas acho que somos movidos a desafios, sobretudo quando se tenta favorecer os mais pobres que, muitas vezes, sequer têm dinheiro para o transporte, quiçá para comprar um medicamento de melhor produção. Então, essa é uma proposta nossa.

Já começamos nossas viagens à Brasília e estamos sentindo, nos primeiros contatos com os parlamentares e com alguns organismos governamentais, uma sensibilidade, uma perspectiva de buscar alternativas interessantes para os nossos pacientes.

Que consequências são colocadas às pessoas que não têm acesso a esses medicamentos de última geração?

Geralmente, complicações renais e cardiovasculares relacionadas ao ganho de peso. Entre 85% a 90% das pessoas com diabetes tipo 2 têm sobrepeso e obesidade. Hoje há medicamentos que proporcionam aos diabéticos uma redução de glicose sem risco de hipoglicemia, levando a não ganho de peso e, eventualmente, à perda de peso. Esses são medicamentos que trazem benefícios cardiovasculares e renais.

Hoje, um grupo desses fármacos de última geração é disponibilizado a diabéticos com doença cardiovascular prévia com 65 anos ou mais. Recentemente já tivemos um posicionamento positivo do Ministério da Saúde para reduzir essa idade para 40 anos. E, para o paciente que recebe o Bolsa Família, esses medicamentos serão totalmente gratuitos. Os que não recebem Bolsa Família vão pagar uma parte do valor e o restante será subsidiado pelo governo, ou seja, uma coparticipação. Esse é um avanço, mas há muitos outros sendo trabalhados pela Sociedade Brasileira de Diabetes, em termos de monitorização de glicose, entre outros aspectos pertinentes ao benefício à população carente.

Além de trazer qualidade de vida e prevenir morte de pacientes em casos mais graves, essas iniciativas também podem diminuir os números de hospitalizações e trazer economia para o governo?

Sim. Um estudo publicado há alguns anos analisou o impacto socioeconômico das pessoas com diabetes e mostrou que se gasta menos tratando bem o diabético do que com o tratamento das complicações. Entretanto, tratar muito bem esse paciente não é só cuidar da glicose mas, também, da pressão arterial.

Em termos das drogas antidiabéticas, é preciso usar as anti-hipertensivas, as drogas de redução do colesterol. Assim, ao disponibilizar medicamentos para cada uma dessas situações, as complicações vão reduzir e, consequentemente, vai se gastar menos onde hoje se gasta mais. Mesmo em relação à farmacoeconomia, há um custo-benefício em tratar bem os pacientes.

Quantas pessoas diabéticas vivem no Brasil? Esse número tem aumentado nas últimas décadas?

Infelizmente, sim. Hoje há cerca de 14 milhões a 16 milhões de pessoas com diabetes no Brasil e, segundo dados da Federação Internacional de Diabetes, as projeções são alarmantes, não só para o Brasil, mas para o mundo todo. E a perspectiva é de um crescimento grande até o ano de 2045. Então, infelizmente, apesar do conhecimento efetivo do risco da pessoa com diabetes, em termos de morbidade e de mortalidade, nós não estamos conseguindo prevenir essa doença.

E não me refiro apenas aos médicos, mas à população que ainda não percebe a importância de evitar sobrepeso, de ter uma alimentação adequada, de praticar atividade física, ou seja, hábitos saudáveis recomendáveis a todos, sobretudo às pessoas com histórico familiar de diabetes. Então é fundamental que haja um envolvimento de todos, não só dos profissionais de saúde e do governo mas, também, das pessoas em geral para prevenir esse incremento da doença.

Então esse aumento se deve ao diabetes tipo 2?

Sim. Nove entre 10, ou seja, 85% a 90% dos diabéticos no mundo têm o tipo 2. É por isso que o impacto é grande. A presença de diabetes tipo 2 presume histórico familiar de diabetes, sobrepeso ou obesidade. Então essa é a principal via de aparecimento dessa doença.

E ela é irreversível? Diabetes tipo 2 tem cura?

Alguns autores defendem a remissão do diabetes. Há um estudo chamado Direct, publicado por um escocês, mostrando que, com uma dieta alimentar muito restritiva, houve uma redução significativa da glicose. Alguns outros falam na cirurgia bariátrica, cirurgias metabólicas que poderiam levar à remissão do diabetes de alguns pacientes. Mas eu acho que precisamos avançar mais, precisamos de novas ferramentas, talvez de medicamentos, como alguns já citados aqui, com a proposta maior de perda de peso e redução de glicose, que possam ajudar numa perspectiva de remissão do diabetes no futuro, mas é um grande desafio.

Uma pessoa diabética que recebe o tratamento adequado e mantém hábitos saudáveis, consegue ter uma boa qualidade de vida?

Sem dúvida. Uma pessoa que tem hábitos comportamentais adequados investindo em saúde tem benefícios no presente, no futuro próximo e a longo prazo. Então, o benefício com hábitos saudáveis é perene, não para. Fala-se muito da batata doce até do iogurte para controle do diabetes.

Há evidências científicas quanto à eficácia desses alimentos? E qual é a dieta ideal para prevenir a doença?

Até hoje, a literatura não faculta um medicamento taxado para prevenir o diabetes. Existem alguns pequenos estudos apenas observacionais que definitivamente não são utilizados como padrão ouro na nossa definição. Em relação aos alimentos, também não existe “a bala de prata”, o tipo de alimento que se pode dizer que é o certo. A melhor alimentação é a saudável, rica em frutas, vegetais e carnes magras. O caminho das pedras, sobretudo para quem tem tendência ao desenvolvimento diabético pelo histórico familiar, é alimentação saudável e atividade física.

Então, é uma questão comportamental?

Sem dúvidas. É mudança de paradigma, é conscientização e é um olhar no futuro. Muitas vezes, intuitivamente, as pessoas só pensam no presente e, como não estão sentindo nada, alavancam os prazeres sem pensar no que pode acontecer futuramente. Quem pensa um pouco no futuro, tende a ter mais cuidado.

O Brasil voltou ao mapa da fome mas, ao mesmo tempo, enfrenta um aumento da obesidade, inclusive entre pessoas de classes mais desfavorecidas que mantêm uma dieta baseada em produtos ultraprocessados e carboidrato. Como resolver esse problema?

Esse é um grande desafio. No mapa da fome, tivemos um avanço no sentido benéfico em reduzir a fome do Brasil. Entretanto existe uma dificuldade na equação, em conscientizar a população sobre alimentação saudável, inclusive a menos abastada financeiramente. Então é um pouco de utopia recomendar uma dieta riquíssima em proteína para as pessoas que têm alguma limitação socioeconômica, mas é importante inserir os alimentos saudáveis, as frutas, os vegetais, os tubérculos, o ovo, que é uma alimentação barata.

Enfim, que se consuma proteína no contexto adequado e evitem-se, definitivamente, os alimentos ultraprocessados, que são extremamente calóricos, usualmente com muito sal e muita gordura. E, obviamente, isso tudo vai levar o paciente ao ganho de peso e, de novo, induz um aumento de risco no desenvolvimento do diabetes. Por isso, é necessário que as pessoas tenham conscientização e informação pois, muitas vezes, alimentos mais baratos, como os tubérculos, por exemplo, são mais saudáveis.

A Sociedade Brasileira de Diabetes busca, há muitos anos, o melhor caminho para as pessoas com diabetes, passando pela prevenção, por meio de hábitos saudáveis e, eventualmente, utilizando medicação como auxiliar, com remédios adequados, não só para reduzir a glicose mas, também, para evitar complicações. Temos um enorme desafio que começa pelo desejo da população em ter hábitos mais saudáveis a fim de evitar o diabetes tipo 2 e outras doenças.

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