É fato que, na indústria do cinema, altos orçamentos não garantem bons filmes, nem sucessos de bilheteria. Às vezes, sujeitar-se às amarras dos grandes estúdios pode trazer marcas difíceis de apagar à carreira de um diretor. “Difíceis de apagar, não impossíveis”, pode dizer hoje M. Night Shyamalan, diretor indiano que, após lotar salas de exibição com os filmes Sexto Sentido (1999) e Corpo Fechado (2000), envolveu-se em projetos caros e ruins, como os criticados Fim dos Tempos (2008) e Depois da Terra (2013). O retorno a boa fase aconteceu em 2015, com o surpreendente A Visita. Detalhe: um filme de baixíssimo orçamento, considerando os padrões hollywoodianos. Custou US$ 5 milhões, faturando mais de US$ 90 milhões. E nesta quinta-feira estreia nos cinemas brasileiros o novo filme do diretor: Fragmentado, produção que se tornou febre nos EUA, liderando as bilheterias por três semanas consecutivas.
Fragmentado também teve baixo orçamento, na verdade custou pouco mais que A Visita: US$ 9 milhões. Para termos uma melhor noção da boa recepção, nas três primeiras semanas de exibição nos EUA, o filme somou cerca de US$ 98,4 milhões.
O longa conta a história de Kevin (James McAvoy), um homem que sofre de transtorno dissociativo de identidade, problema que leva o indivíduo a ter múltiplas personalidades. No caso de Kevin, 23, para ser mais exato. Ele sequestra três adolescentes, que farão de tudo para tentar escapar de um possível fim trágico.
James MacAvoy não decepciona, mesmo com um desafio de tamanha proporção. Interpretar um personagem tão complexo não deve ter sido tarefa simples. E pensar que, antes de MacAvoy, Joaquin Phoenix era o ator mais cotado para o papel. Outra personagem de grande importância para a trama é a Dra Fletcher, psicóloga de Kevin, interpretada com excelência por Betty Buckley. É através dela que nos aprofundamos nas múltiplas personalidades do antagonista. Para os papéis das adolescentes Claire, Marcia e Casey, foram escaladas, respectivamente, Haley Lu Richardson, Jessica Sula (bem fraquinhas, por sinal) e a boa atriz Anya Taylor-Joy, mais conhecida por sua atuação no filme A Bruxa.
M. Night Shyamalan entrega ao público personagens complexos, muito bem construídos. Além do próprio Kevin, outra que chama a atenção é Casey, que já no início do longa recebe das amigas o estigma de problemática. Descobriremos, no decorrer da história, que por trás de seu mau comportamento há um difícil segredo do passado que poderá, inclusive, selar seu destino na trama. A boa montagem interpõe à narrativa principal flashes de momentos vividos por Casey ainda criança, da traumática relação com o tio. A opção amarra bem o roteiro, evitando possíveis pontas soltas na história.
Com Fragmentado, M. Night Shyamalan mostra que definitivamente está de volta à boa forma, que ainda não perdeu o jeito de surpreender o espectador, nem o fôlego para trazer às telas grandes thrillers.
*Por Wanderley Andrade é jornalista e crítico de cinema (7wanderley@gmail.com)
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