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Francisco Cunha

A banalidade da ofensa pessoal

*Por Francisco Cunha

Apresentei em novembro passado no Teatro RioMar, como faço todo final de ano há 26 anos, desta vez junto com o sócio da TGI Consultoria, Fábio Menezes, o Painel Anual 2025 da Agenda TGI. Tradicionalmente falo sobre o Mundo, o Brasil, o Nordeste, Pernambuco e o Recife, numa espécie de visão gradativa, do macro para o micro, em termos de síntese do ano que está terminando (no caso, 2024) e das perspectivas do ano que vai começar (no caso, 2025).

Agenda TGI

Trata-se de um apanhado do que a TGI produz em termos de cenários econômicos, sociais, ambientais e políticos, tanto para os seus clientes de planejamento estratégico, quanto para os painéis mensais apresentados para os assinantes da revista Algomais, correalizadora dos eventos mensais e anuais. A apresentação completa pode ser vista no YouTube: (https://youtu.be/AOWXxHd7jFQ).

Também, como acontece todos os anos, a filmagem da apresentação é dividida em vídeos temáticos, hoje chamados de “cortes”, que são postados, cada um deles, nas redes sociais da TGI e da Algomais. Ocorre que, desta vez, um dos “cortes” da apresentação, justamente aquele em que falo do Recife e as Mudanças Climáticas, apresentando imagens de cenários da subida do nível do mar e seus impactos sobre a planície do Recife, simplesmente viralizou.

Não é possível saber a razão pela qual a viralização se deu, inclusive pelo fato de que os conteúdos não eram propriamente originais, uma vez que se tratam de projeções feitas pela pesquisadora recifense, atualmente em pós-graduação na Holanda, Mila Montezuma, que já tinham sido, inclusive, objeto de uma publicação específica da Algomais. Mistérios dos onipresentes algoritmos…

Acontece que, junto com a viralização, choveram, além das curtidas, os comentários de todas as naturezas. Concordâncias, discordâncias e, em especial, ofensas pessoais que não são maioria mas são significativas pela virulência de algumas delas. Coisas do tipo: “especialista de araque”; conversa “mole”, “fiada”, “furada”, “patética”, “merda”, “surrada”, “louca”, “sem sentido”, “sem noção”, “pra boi dormir”, “velha”; “tudo mentira”; “mente que nem sente”; “palestrinha para amedrontar”; “tanta bobagem dita em tão pouco tempo”; “aula para a 4ª série”; “mercenário na proposta discursiva”; “propagador do caos”; “power point aceita tudo”.

Estava entre espantado e entretido com os comentários quando li a notícia de que Mark Zuckerberg, fundador do Facebook e CEO da Meta, maior conglomerado de mídias sociais do planeta que reúne Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp, tinha ido a público para informar a interrupção da moderação terceirizada nas suas redes sociais, seguindo os passos do já folclórico bilionário Elon Musk, controlador do X, antigo Twitter, num claro aceno na direção da nova administração Donald Trump.

Juntando as pontas dessas tendências, antevejo tempos bem turbulentos à frente, sobretudo considerando que as redes sociais hoje em dia (e, pelo que tudo indica, ainda por muitos e muitos mais) são parte indissociável do nosso dia a dia. Sem falar nas redes que são, digamos, mais “lúdicas”, tipo Facebook, Instagram ou X, será que alguém pode imaginar a vida contemporânea sem o WhatsApp?

Observando o que acontece hoje em dia, lembro imediatamente do grande escritor e pensador italiano, Umberto Eco (1932-2016), para quem “a internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge lá sem hierarquia. A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia. Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é selecionar”.

Especificamente sobre as redes sociais, Eco foi profético há pelo menos 10 anos: “as mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

Mais profético ainda foi a grande dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues (1912-1980) que antecipou, quase meio século atrás, sem a mais remota ideia do que pudesse vir a ser a internet: “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”

Pelo que estamos vendo acontecer, aquilo que se anunciava inicialmente para a internet como sendo um grande avanço da humanidade, na direção de uma “aldeia global” democrática, tem se mostrado, cada vez mais, uma terra sem lei e sem ordem, onde quase tudo é possível, sobretudo no que diz respeito a mentiras, as chamadas fake news, e a ofensas pessoais, fomentando o discurso de ódio. Uma espécie de “banalização do mal” em moldes análogos ao conceito formulado pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) para caracterizar o comportamento do escalão intermediário do nazismo que agia reproduzindo as ordens superiores sem se dar completamente conta do que estava fazendo, multiplicando, assim, o mal de forma exponencial. Dizia ela que, por isso mesmo, “o mal banal é mais perigoso do que o mal praticado por quem tem a intenção de fazer o mal”.

No caso das redes sociais, para mim fica cada vez mais evidente que não só se faz necessária a maior (e não menor) moderação, a ser feita pela próprias plataformas como, também e principalmente, o controle externo sintonizado com o ordenamento jurídico do país. Afinal, se tudo o mais numa nação está sujeito ao seu ordenamento jurídico, por que haveria a internet e as redes sociais de ficarem de fora, com direito à propagação livre de mentiras, mantendo o campo aberto para a banalização do mal, inclusive no que diz respeito à ofensa pessoal e ao discurso de ódio? Não faz nenhum sentido! Ódio não constrói nada, só destrói!

Precisamos manter o esforço do avanço civilizatório e não o contrário ou, então, o faroeste virtual da internet e das redes se transportará completamente para a nossa vida real analógica transformando-a, definitivamente, em faroeste presencial. Não podemos deixar que isso aconteça!

*Francisco Cunha é consultor da TGI

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