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A história de um vigário

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No Recife Antigo, centro econômico brasileiro em parte do século 19, existe uma rua chamada Vigário Tenório. Lamentavelmente, poucos sabem quem ele foi. Para começar, defina-se que a palavra vigário define o religioso que, investido dos poderes de outro, exerce em seu nome suas funções. No uso informal, porém, de forma nada airosa, vigário é quem trapaceia, faz velhacaria, é vigarista, enfim. Tanto que na música Tamo aí na atividade (sic), a banda Charlie Brown Júnior canta Eu nasci pobre mas não nasci otário. Eu é que não caio no conto do vigário.
Quer saber o porquê da expressão conto do vigário? Conta-se que no século 18 havia uma disputa entre os vigários de duas paróquia de Minas Gerais por uma imagem sacra. Um deles, então, para pôr fim à disputa, propôs amarrar a santa a um burro que estava solto na rua, exatamente entre as duas igrejas. A paróquia para a qual o burro fosse ficaria com a imagem. Assim foi feito. Logo depois, porém, descobriu-se que o burro pertencia ao vigário da igreja vencedora. Foi aí que a expressão conto do vigário, passou a ser sinônimo de embuste, mas o que você vai ler a seguir não é ficção, não é conto. É pura história. História do Brasil, do heroico vigário Tenório.
Em 1817 eclodiu a Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres. Um ano antes houvera uma grande seca no Estado, causando queda na produção do açúcar e do algodão que sustentavam a economia, o que redundou em miséria para grande parte da população. Faltavam farinha e feijão. E tendo a fome como conselheira, a revolta se tornou inevitável.
É ai que entra em cena um dos mais valorosos e destemidos homens da nossa história: O padre Pedro de Souza Tenório ou mais notadamente o vigário Tenório. Educado na Universidade de Coimbra, Portugal, designado para a paróquia da vila de Nossa Senhora da Conceição, hoje Vila Velha, em Itamaracá, ali ele revolucionou não só a prática pastoral, mas a agricultura, com as mais modernas técnicas agrícolas, e implantando novas culturas de cana-de-açúcar e máquinas revolucionárias para a época.
Acontece que a revolta foi descoberta, e toda a guarnição do forte se preparou para a guerra. O padre Tenório, por sua vez, cercou o forte com os paroquianos e uma pequena tropa vinda em seu auxílio. Só que enquanto fazia o cerco, relata o romance A Noiva da Revolução, o vigário Tenório mandou perguntar se o comandante do Forte Orange estava contra ou a favor do novo governo, e a resposta foi que “quem quisesse saber fosse lá indagar, pessoalmente...”
Ele foi. Sozinho. Arrostando todos os riscos. Rendeu toda a guarnição portuguesa e deu voz de prisão ao juiz de Goiana, ali refugiado, obrigando-o a bradar “viva a revolução, viva a pátria e viva a liberdade!”
Motivados pelo exemplo, os revoltosos dominaram os demais distritos, todavia, meses depois, o movimento foi sufocado, resultando em severa punição dos seus líderes. Pedro de Sousa Tenório, vigário de Itamaracá, sofreu o mais abjeto vilipêndio. Foi enforcado, teve a cabeça decepada, as mãos cortadas, o corpo amarrado a dois cavalos e arrastado pelas ruas do Recife, transformando-se em um mártir da liberdade do Brasil. Sua cabeça e as mãos foram pregadas em um poste da Vila de Goiana, até caírem, e em seguida depositados na Igreja da Misericórdia naquela Vila. O que restou do corpo atrelado aos cavalos foi sepultado no cemitério da igreja de Santo Antônio, no Centro do Recife.
Nascido em 29 de junho de 1779, Pedro de Sousa Tenório, o Vigário Tenório, foi morto em 10 de junho de 1817, aos 38 anos de idade. Por tudo o que ele foi, por sua luta, por sua bravura, por seu martírio, ele é muito mais do que uma rua estreita do Recife Antigo. Ele é um exemplo que não pode desaparecer da memória dos pernambucanos.

*Por Marcelo Alcoforado

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