Após vinte anos de negociação entre os dois blocos, chegou-se – finalmente – à etapa de conclusão do acordo das partes. Mas como Pernambuco pode extrair maiores vantagens deste acordo que abrange uma população de 780 milhões de pessoas e corresponde a 25% da economia mundial?
Antes de discorrer do tema, é importante mencionar de modo bastante sintético e genérico acerca do interdependentismo. Nas Relações Internacionais, um dos marcos teóricos que remontam ao assunto refere-se à Teoria da Interdependência, que remonta sobre o comportamento dos países em dependerem uns dos outros no Sistema Internacional. De modo prático, a Teoria enxerga o mundo como uma trama altamente dinâmica, mutável e desequilibrada, tendo, portanto, uma importante capacidade de rearranjo para reestabelecer o “equilíbrio”. Ou seja, a partir dos interesses e movimentos de cada um dos países, o impacto nos demais pode ser direto ou indireto, desestabilizando o arranjo e fazendo com que a trama se reorganize constantemente, considerando que os países são a parte central do sistema internacional.
Sendo assim, outros aspectos e acontecimentos recentes no mundo colaboraram para o andamento do Acordo. No âmbito mundial, a Guerra Comercial entre EUA e China contribuiu fortemente para a retomada das negociações entre os blocos, a partir do momento em que perceberam uma forte polarização no mercado internacional. Some-se a isso uma redução intencional e gradual do PIB chinês que afeta as principais economias mundiais em um efeito cascata. Quando debato este assunto, costumo dizer que enquanto o presidente americano Donald Trump trava uma batalha utilizando estratégias de futebol americano, objetivas e de curto prazo; o seu congênere, Xi Jinping, vem atuando com a frieza de um enxadrista, vislumbrando - quase sempre - o longo prazo.
A relação franco-brasileira, recentemente estremecida em função da temática que envolve a Amazônia, se tornou um fator extremamente importante ao andamento do acordo. Porém, é válido mencionar também que os agricultores e empresários do agronegócio francês estão pressionando o presidente Emmanuel Macron contra o Acordo, já que o volume da oferta agrícola brasileira certamente derrubará os preços de commodities no mercado doméstico, sendo um péssimo negócio para França, um dos maiores produtores de commodities da Europa.
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Do ponto de vista regional, o alinhamento político dos atuais líderes do Brasil e Argentina fez com que o assunto voltasse à tona. Ambos entendem que o Mercosul está há bastante tempo isolado em termos de comércio internacional, possuindo poucos acordos comerciais vigentes – e, portanto, pouca relação com as cadeias globais de valor. Este entendimento ensejou uma atividade de política externa visando retomar as negociações e chegar ao acordo, após vinte anos. Com o resultado das eleições argentinas no final do mês de outubro, já houve o indicativo de que a próxima gestão fará revisão do acordo, causando uma redução da celeridade no andamento do tema dentro do bloco Mercosul.
Apenas para esclarecer, no atual estágio do acordo só resta a etapa de assinatura entre as partes. Porém, os países que se sentem menos beneficiados ou são efetivamente contra podem retardar o andamento do tema em seus respectivos parlamentos nacionais como também dentro do próprio Bloco Econômico que fazem parte, alongado o prazo da assinatura.
Exposto os aspectos externos ao Acordo entre o Mercosul e União Europeia, como o Pernambuco poderá se beneficiar? Basicamente do comércio exterior (exportação e importação de bens e serviços, atividades logísticas de distribuição), e através dos investimentos estrangeiros diretos (IED) provenientes daquele bloco.
Pela ótima localização geográfica, o Nordeste – especialmente Pernambuco – está exatamente no meio do percurso entre os principais centros financeiros dos dois blocos econômicos, o que significa um excelente local para atividades de distribuição de produtos importados europeus, bem como possível ponto concentrador de cargas com destino à Europa, através do Porto de Suape ou pelo Aeroporto do Recife.
Pernambuco sempre teve uma cultura tradicionalmente importadora, que poderá ter seu custo reduzido nos anos vindouros. Porém, na mão inversa, produtos existentes em nosso Estado e na região nordeste como um todo terão, a partir do desgravamento gradual tarifário promovido pelo acordo, ainda mais possibilidades comerciais no bloco europeu, tais como pescados, mel, frutas, confecções, componentes automotivos, entre tantos outros. Lembrando que, para competir no mercado europeu, é sempre bem-vindo o contínuo desenvolvimento de tecnologia, qualidade e de melhoria dos produtos para atender os padrões de consumo daquele bloco.
Do ponto de vista dos Investimentos Estrangeiros Diretos, Pernambuco possui grandes oportunidades, já tendo inclusive um ótimo histórico de empresas europeias que acreditaram no nosso Estado para efetivar novas atividades econômicas. Setores como automotivo, farmacêutico, alimentos e bebidas, logística, energias renováveis e tantos outros possuem grandes oportunidades no mercado local para atender a região nordeste e o mercado doméstico brasileiro. Os investimentos Estrangeiros Diretos podem proporcionar através de transferência de tecnologia, dentre outros resultados, impactos diretos nas exportações, incrementando um ciclo virtuoso com o comércio exterior.
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*João Canto, Internacionalista, é Fellow do IPERID – Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia