“As autarquias contribuíram muito para a formação no interior, por isso, precisamos de incentivo”

Ana Gleide Leal, presidente da Assiespe (Associação das Instituições Municipais do Ensino Superior de Pernambuco), aborda a importância dessas faculdades para formar profissionais no interior. Embora elas sejam públicas, se esforçam para obter verbas para oferecer cursos gratuitos.

Pouca gente tem conhecimento de que autarquias existentes no interior de Pernambuco oferecem ensino superior e muitos professores que atuam fora do Recife foram formados nessas instituições. A qualidade do ensino ofertado por elas foi comprovada por parâmetros como, por exemplo, o selo OAB Recomenda, conquistado pelo curso de direito da Facape, autarquia de Petrolina.

Apesar da sua importância, elas enfrentam dificuldades. Isso porque, embora sejam instituições públicas – tanto é que são auditadas pelo Tribunal de Contas de Pernambuco –, não estão incluídas no orçamento nem dos municípios onde estão sediadas, nem do Estado. “Somos da administração indireta desses municípios, por isso temos autonomia de gerenciamento e cobramos mensalidade para nossa manutenção”, esclarece Ana Gleide Leal, presidente da Assiespe (Associação das Instituições Municipais do Ensino Superior de Pernambuco).

Entretanto, o pleito dessas autarquias, segundo Ana Gleide, é receber recursos públicos para que possam oferecer o ensino gratuito, principalmente porque a maior parte de seus alunos são oriundos da rede estadual. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a presidente da Assiespe explica as características e o trabalho realizado por essas faculdades e as ações realizadas pela associação para que elas sejam reconhecidas como instituições públicas e recebam verbas dos governos.

Como é o trabalho realizado pela Assiespe?

A Assiespe é a Associação das Instituições Municipais do Ensino Superior de Pernambuco. É interessante que a sigla não tem o “M” de municipais. Não trabalhamos bem no passado para que as pessoas compreendessem o que somos e aí ficou a perspectiva de enxergarem a associação como uma instituição privada. Mas não somos. Somos uma instituição pública, que congrega autarquias que mantêm faculdades. Essas autarquias são da administração indireta de 13 municípios do Estado de Pernambuco. Do mesmo jeito existe a UPE, que é instituição estadual de ensino superior, nós temos 13 instituições municipais de ensino superior.

Nós criamos, há mais de 20 anos, a associação que traz a perspectiva de agregar e defender essas instituições e de buscar recursos. Essas 13 autarquias mantêm 19 faculdades e elas estão nos municípios: Petrolina, Araripina, Salgueiro, Belém do São Francisco, Serra Talhada, Afogados da Ingazeira, Arcoverde (que é a mais antiga, criada em 1969), Belo Jardim, Palmares, Garanhuns, Limoeiro, Goiana e Cabo de Santo Agostinho. Temos um total de 14 mil estudantes nessa nossa estrutura.

Somos uma instituição pública municipal e fazemos parte do sistema de ensino do Estado e temos um relacionamento com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, porque as políticas do Estado para ensino superior passam pela secretaria.

As autarquias recebem recursos públicos?

Não. As autarquias não recebem recurso nenhum, nem do Estado, nem municipal. Temos uma realidade que nos diferencia das instituições de ensino superior pública: nós cobramos mensalidade para nossa manutenção porque não estamos nos orçamentos dos municípios onde estamos instalados. Esse valor é o que sustenta as nossas instituições. Mas somos da administração indireta desses municípios, por isso temos autonomia de gerenciamento. O que nos diferencia das instituições privadas é que não temos o lucro como finalidade, por isso que nossos valores são bem menores, são valores acessíveis. Mas se o município assumir essas instituições com a folha de pagamento e tudo mais, a oferta dos cursos passa a ser gratuita para os estudantes.

É preciso que o Governo de Pernambuco e os municípios nos reconheçam não como uma instituição privada. Essas autarquias são auditadas pelo Tribunal de Contas, temos todas as responsabilidades de um governo municipal, de pagamento de folha, obrigações sociais. Essa lógica já nos diferencia de forma sem igual de uma instituição privada, a diferença é que como autarquia municipal de administração indireta nós temos autonomia.

Pernambuco é o único Estado do Nordeste que tem autarquias, instituições municipais de ensino superior, e essa é uma realidade desde a década de 1970, quando se autorizou a criação dessas instituições ligadas ao município. Nesse período de interiorização do ensino superior, as autarquias municipais, por meio de suas faculdades, contribuíram muito para a formação do profissional no interior do Estado, então é graças a essas instituições que temos hoje uma quantidade de professores no interior. Por isso, precisamos de incentivo.

Destacamos que no último concurso que a rede estadual ofertou, houve cidades em que 100% dos candidatos eram alunos egressos das autarquias. Na microrregião do Submédio São Francisco, 80% dos professores são alunos oriundos da autarquia que eu presido, a ABCDE/Cevasf (Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco), localizada em Belém do São Francisco, e que tem 47 anos.

Existem no Brasil 60 autarquias municipais de ensino superior, dessas 13 estão em Pernambuco, que foram criadas antes da constituição de 1988. Depois, foi proibida a criação de novas autarquias de ensino superior, lógico, a força das instituições privadas tentando frear um pouco a oferta de ensino superior e também pelo fato de que houve um ordenamento sobre de quem era a responsabilidade do ensino por níveis. Então, ao município coube a responsabilidade da educação básica, ao Estado e à Federação coube a responsabilidade do ensino médio e ensino superior. A partir dali tirou-se do município qualquer responsabilidade orçamentária com o ensino superior. Conheci no Rio de Janeiro instituições municipais, nas cidades de Macaé e Itaperuna. Elas foram criadas depois de 1988 e quem as sustentam são os municípios onde foram criadas, por isso todo o ensino é gratuito para os alunos.

As autarquias de Pernambuco oferecem somente cursos de licenciatura?

Não, nós temos cursos de bacharelados também. Nós tivemos a abertura desses cursos após o incentivo das bolsas que as autarquias receberam do Estado, por meio do Proupe (Programa Universidades para Todos em Pernambuco), no Governo Eduardo Campos. Foram quase 12 mil bolsas para os estudantes e aquilo despertou para as instituições que elas precisavam também fortalecer no interior a oferta de bacharelados. E fizemos isso.

Só que nesses últimos oito anos ocorreu a diminuição de bolsas e isso afasta o aluno da faculdade. Entendemos que a formação deveria ser gratuita. Por isso vamos atrás de ajuda, mostrando nossa realidade, porque, por meio das autarquias que estão no interior, podemos dar essa condição de acesso ao ensino superior na formação dos nossos jovens que saem das escolas públicas. Porque esse é outro detalhe: identificamos que a maioria dos estudantes da rede estadual é o nosso público.

Nós mostramos ao governo o quanto investir nas nossas instituições sai muito mais barato. Por exemplo, na Facape (Faculdade de Petrolina), que é mantida por uma autarquia, o curso de direito custa R$ 880, enquanto as outras instituições privadas que estão ali ao seu redor, cobram R$ 1.300, R$ 1.500. A faculdade está entre os melhores de Pernambuco e conquistou o selo OAB Recomenda. Apenas seis instituições em Pernambuco têm esse selo.

Isso é um parâmetro para mostrar que o custo de um curso numa instituição como a nossa que é menor que o investimento do Estado ou do Governo Federal na construção de um campus. Investir nas bolsas para esses estudantes estarem nas autarquias é importante, a um custo bem menor, de forma muito mais prática e de resultado mais rápido. A nossa missão na Assiespe é de auxiliar essas instituições a buscarem investimentos, a dialogarem com os setores público e privado para que possamos melhorar as nossas ofertas de ensino superior no nosso interior.

Recentemente fizemos uma matéria sobre a realidade das universidades do Brasil, que sofreram uma redução drástica no número de alunos principalmente após a pandemia. Vocês também têm sentido essa dificuldade?

Sim. Chegamos a ter 24 mil estudantes em 2014. Tínhamos o incentivo do Proupe, acesso a alguns programas do Governo Federal, isso tudo foi definidor, não só para as autarquias, como também para as privadas. Foi um momento de políticas públicas assertivas. Hoje temos 14 mil estudantes. Essa redução ocorre não só pela pandemia, mas pela falta de incentivo para manter a permanência dos estudantes nas nossas instituições.

Agora, com a pandemia e a oferta do ensino remoto e semipresencial, sentimos a necessidade maior de investir no ensino remoto, porém não houve uma procura tão grande. Observamos que o nosso estudante gosta e necessita desse contato físico com o professor.

Acreditamos que o ensino a distância é um fato mas, no interior do Estado, como também já dialogamos com outras instituições no interior do Brasil, percebemos que a maioria prefere o ensino presencial. Isto porque falta estrutura para os alunos que não têm tecnologia em casa. Voltamos para aquela realidade: precisamos de incentivos.

Os cursos são criados a partir da realidade de cada município?

Sim. Nas autarquias de Garanhuns e Petrolina não há curso de licenciatura mas o bacharelado, em razão das necessidades de desenvolvimento econômico da própria região, e devido ao incentivo do Proupe. Buscamos abrir cursos de bacharelado que estavam atrelados à potencialidade da nossa região. No Estado de São Paulo a maioria das autarquias tem curso de medicina que transformaram a realidade daqueles municípios. Um exemplo é a Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté, onde o vice-presidente Alckmin se formou.

Durante um evento, ele fez a defesa das autarquias municipais mostrando o quanto foi importante para a vida dele. Ele disse que dava aula de reforço para pagar a faculdade. Em Pernambuco, as instituições de Garanhuns e Petrolina ofertam curso de medicina e outras já estão pleiteando a oferta.

Mas é importante também destacar os cursos de licenciatura. Existem estudos que apontam que até 2030 teremos um apagão de professores. Se não forem criadas políticas públicas para formar professor teremos problemas. O Estado passou a destinar, por meio do Proupe, 70% das suas bolsas para área de STEM (ciência, tecnologia, matemática e engenharia) e 30% para alunos de licenciatura. Mas precisamos formar pedagogos, professores de português etc.

O Proupe perdeu, ao longo do tempo, a essência. Quando foi criado em 2011 era para ser um programa de incentivo à formação de professores no interior e aí, pelas realidades de alguns locais, houve a cobrança de que as bolsas deveriam ser ampliadas para bacharelados e nessas tentativas de negociações na própria Secretaria de Ciências e Tecnologia, pela sua finalidade, os critérios passaram a incluir investimentos na ciência e na tecnologia.

Como os governos têm recebido o pleito dessas autarquias?

Essa é uma luta sem fim e que se dá em um processo. Muda governo, precisamos novamente explicar quem somos e para qual finalidade existimos. Tudo isso se revela pela própria forma de como o governo nos olha, de como entende nossa parceria, então não é tão simples ou tão rápido conquistarmos os espaços.

Neste mês, estivemos em reunião com a secretária de Ciência e Tecnologia, Mauricélia Montenegro, justamente para dialogar sobre o Proupe, que é um programa de estado e está vinculado à essa secretaria. Em 2022, o Proupe foi reformulado, aprovado pela Assembleia e sancionado pelo então governador Paulo Câmara. Pela sua legislação, a cada cinco anos o Proupe deve passar por uma reformulação, o que foi feito em 2022. Passados seis meses do início deste governo, como característica nossa, buscamos manter o diálogo para saber quais as expectativas de lançamento de novo edital de bolsas do Proupe. A secretária nos informou que existe um comitê gestor que está analisando a nova proposta do programa que passará por uma requalificação, dando previsão de que até o final do ano deverá ser apresentada a nova estrutura.

Essa notícia, para todos nós, não é boa, não temos o que dizer aos estudantes, pois essa espera é angustiante, haja vista que não estamos participando do diálogo desta reconstrução e que nos últimos oito anos só houve decréscimo no número de bolsas ofertadas. As novas turmas de alunos aguardam por esse fomento para a sua permanência no ensino superior. De fato, essa não é uma luta fácil.

Nos dias 11 e 12 de julho, estive em Brasília, juntamente com o presidente da Animes (Associação Nacional das Instituições Municipais de Ensino Superior), Antônio Habib, em reunião com a senadora Teresa Leitão para dialogar sobre o andamento das ações de apoio político e de fortalecimento institucional das instituições municipais de ensino superior que foram desenvolvidas após o encontro com a parlamentar em seu escritório no Recife, dia 20 de junho.

Mantivemos agenda com a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, quando conversamos sobre a inclusão das Instituições municipais de ensino superior de todo o Brasil na elaboração e na implementação das políticas públicas do Governo Federal. A Ministra foi muito atenciosa, saímos do encontro bastante animados e esperançosos. Luciana agendou uma reunião nossa com o diretor científico do CNPq Olival Freire Junior, que aconteceu nesta terça-feira (18/08), no CNPq.

Nos últimos meses temos envidado todos os esforços, buscando manter em todas as esferas o diálogo e a inclusão das nossas instituições na elaboração e na execução de políticas públicas, quer seja em nível federal, quer seja em nível estadual.

Como demonstração de articulação das nossas IMES (instituições municipais de ensino superior) em junho, durante o Encontro Educacional das Instituições Municipais de Ensino Superior, em Taubaté (SP), o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que como eu disse, é formado em Medicina pela Universidade de Taubaté, na sua palestra de abertura, fez questão de enfatizar a defesa da municipalidade, inclusive apoiando os interesses das IMES.

Estive presente no evento na condição de vice-presidente das regiões Norte e Nordeste da Animes e, na ocasião, Antônio Habib entregou a Alckmin o documento de parceria de oferta de vagas entre o Governo Federal e as autarquias de ensino municipais. Se aprovado, o projeto beneficiará, pelo menos, 30 mil estudantes dessas instituições em todo o País. A proposta também foi entregue ao diretor de Políticas e Programas de Educação Superior, Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca. Todos esses esforços são em defesa das nossas instituições e em razão da sua importância na formação de bons profissionais no Brasil.

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