Fake News: Avança o combate à desinformação nas redes sociais - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Fake News: Avança o combate à desinformação nas redes sociais

Revista algomais

*Por Rafael Dantas

Quando a Algomais foi criada, em março de 2006, o passarinho azul do Twitter ainda estava começando a voar. O Facebook e o Youtube tinham bem menos adeptos, e estavam muito distantes da popularização que conhecemos. Sem o WhatsApp, as trocas de mensagens de textos eram feitas ainda pelo SMS. Na onda do avanço dessas plataformas e da forma como nos comunicamos, no entanto, surfaram as fake news, os discursos de ódio e os ataques mais duros à democracia. O que parecia ser um problema de informação jornalística, passou para a saúde pública e até mesmo contra as eleições. Vacinar o mundo contra a rede de desinformações se tornou um desafio tão global como a pandemia e a crise econômica.

Agenda TGI

As redes de desinformação usadas para destruir reputações, especialmente no debate político, e confundir a população em temas como a eficácia das vacinas ou a segurança das urnas eletrônicas, ganharam bastante visibilidade no 8 de janeiro. Como os ataques à Praça dos Três Poderes foram agendados e planejados por meio desses canais, a reação à tentativa de golpe atingiu diversos grupos nas redes sociais, com bloqueios determinados pelo Supremo Tribunal Federal, e deve acelerar no Brasil alguns processos legislativos. Os problemas, no entanto, estão longe de serem apenas relacionados à realidade tupiniquim, basta recordar a invasão ao Capitólio em 2021.

A onda de desinformação atinge o planeta e tem levado os governos e organismos internacionais a tratarem com mais atenção o tema. “A própria expressão fake news, adotada em contexto brasileiro, aponta para uma realidade e preocupação internacional, que vem sendo discutida pela União Europeia, por exemplo, desde 2015, tendo a Alemanha aprovado o ato para cumprimento da Lei nas Redes Sociais, o qual determina que provedores de redes sociais devem remover ou bloquear conteúdo manifestamente ilegal ou falso dentro do prazo de 24h, a contar da reclamação ou determinação judicial”, explica o advogado criminalista Yuri Herculano, que é sócio do escritório Herculano & Ribeiro Advocacia.

Essa regulação das big techs que controlam as redes sociais foi um dos focos de um fórum mundial realizado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o Internet for Trust. O evento debateu diretrizes para regular as plataformas digitais, com a meta de melhorar o ambiente de confiabilidade das informações, protegendo a liberdade de expressão e os direitos humanos.

“É um problema totalmente conectado e totalmente global. A tecnologia é a mesma. A forma de comunicação é exatamente igual. Algumas fake news são apenas tradução de um idioma para o outro. As mensagens no Brasil, nos Estados Unidos, na França, 90% são as mesmas. O pai de toda essa lógica, não só no conteúdo, mas na articulação, é o facismo italiano das décadas de 20 e 30”, explica o economista Paulo Dalla Nora, que integrou nos últimos anos diversos fóruns de discussões sobre a democracia.

Apesar de terem a mesma origem e integrarem uma movimentação que está além das fronteiras, a força dessas redes de desinformação ganha contornos diferentes, a depender do País. Dalla Nora explica que enquanto nos Estados Unidos esse movimento capturou o Partido Republicano e conseguiu eleger um presidente, em Portugal, por exemplo, seu equivalente não alcança a casa dos 10% de votos.

Para reverter o cenário atual de força das redes de desinformação, Dalla Nora defende a responsabilização das plataformas pelo conteúdo que nelas circula. “A plataforma não é um telefone, que não tem responsabilidade. Ela também não é uma emissora, que tem 100% de responsabilidade pelo conteúdo. Mas a plataforma não é só o carregador da mensagem. Eles sabem o que está sendo dito, têm como monitorar. Eles conhecem os modos de disseminação de fake news. Esse é um ponto fundamental na geração de receita de muitos canais de desinformação no Twitter, Facebook e Youtube”.

O economista considera que os produtores de materiais de desinformação não são retirados dessas plataformas por serem importantes geradores de tráfego para as redes, por serem vídeos ou mensagens que chegam a milhões de usuários. “Esses grandes canais possuem a maior responsabilidade pelas notícias falsas. Mas hoje só com ação judicial elas são paradas. As plataformas sabem quem são os canais pelos seus sistemas de moderação. Se quisessem, tiravam do ar, pois esses canais quebram várias condições de uso, como na disseminação de conteúdos falsos da Covid-19, das vacinas, das eleições, mas são geradores de fluxo pela confusão que criam. Por isso é necessária a responsabilização das plataformas pela circulação desses conteúdos”.

Como as plataformas atuam num panorama internacional, ele defende que essas ações tenham também esse caráter além fronteiras dos países. “Isso tem que ser transnacional para serem processadas onde estiverem. No dia que isso acontecer, rapidamente as plataformas vão agir preventivamente. O negócio é uma ação nos produtores do material e a responsabilização das plataformas. Na hora que tiverem responsabilidade, o mercado se regula”.

LEI OU MP DAS FAKE NEWS?

Em 2020 foi protocolado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 2630/2020, popularmente conhecido como “PL das Fake News”. A advogada e pesquisadora do Grupo Asa Branca de Criminologia, Victória Galvão de Andrade Lima, que é advogada, pós-graduanda em Processo Penal, considera que ao longo do processo legislativo de debates sobre o tema e aprovação do respectivo Projeto de Lei (que, neste momento, encontra-se na Câmara dos Deputados), ultrapassou o tema das fake news, consolidando-se enquanto uma lei mais ampla de regulação das plataformas virtuais denominada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

O objetivo descrito na lei é o fortalecimento do processo democrático por meio do combate à desinformação e do fomento à diversidade de informações na internet no Brasil; a busca por maior transparência sobre conteúdos pagos disponibilizados para o usuário; e desencorajar o uso de contas inautênticas para disseminar desinformação nas aplicações de internet.

“O Projeto de Lei busca estabelecer normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet e da transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei”, afirma a advogada Victória Galvão.

Diante do momento crítico do ataque aos três poderes, que nasce em meio a uma crescente onda de discursos e ameaças às instituições nacionais que tiveram a organização e convocação principalmente pelos meios virtuais, o atual governo federal mencionou a possibilidade de emissão de uma Medida Provisória sobre o tema. No entanto, devido à repercussão negativa desse caminho, Victória avalia que a proposta de uma MP pode ter esfriado.

“A reação da sociedade civil à edição de uma MP sobre o tema não foi a esperada, uma vez que se trata de ato unipessoal do presidente da República, distanciado da participação popular. Tal reação parece ter influenciado o presidente Lula, que passou a indicar que deverá aproveitar o processo legislativo do PL 2630/2020, mas apresentando propostas que contemplem os objetivos de seu governo”, explicou a advogada.

ENTRE O ENFRENTAMENTO À DESINFORMAÇÃO E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Yuri Herculano destaca que a regulação das plataformas digitais perpassa pelo delicado exercício de ponderação dos direitos fundamentais. No entanto, enquanto muitos grupos bravejam contra o risco de enquadramentos à liberdade de expressão, o advogado ressalta vários limites da circulação de informações que são desrespeitados com o cenário atual de divulgação de fake news.

“Para essa discussão se faz necessário um amadurecimento do que a legislação brasileira estabelece enquanto liberdade de expressão, não podendo perder de vista o compromisso constitucional de proibição de toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”, pontuou Herculano.

Os esforços do combate às fake news, por sinal, foram pouco a pouco se unindo ao enfrentamento aos discursos de ódio e antidemocráticos. “São pautas que já surgem praticamente unidas. Combater a desinformação é lutar pela qualidade do debate de mocrático. A circulação deliberada e impulsionada de desinformação é uma ameaça direta à democracia por si só, já que, sem acesso à informação de qualidade, ou sem confiança nas fontes de informação, o debate público fica comprometido – e o debate é fundamental para a democracia”, afirma Cecília Almeida, professora do Departamento de Comunicação Social da UFPE

A docente explica que a falta de confiança nas informações corrói as chances de um debate de ideias saudável, o que torna natural que a circulação de mensagens falsas venha acompanhada de discursos explicitamente antidemocráticos. “Além disso, muitas das fake news que vemos circulando estão associadas a estratégias de difamação/destruição de ideias, pessoas ou grupos – o que também é algo próprio dos discursos antidemocráticos. E nisso entra o discurso de ódio. Muitas das peças desinformativas que encontramos por aí são opinião disfarçada de informação, com o objetivo de inflamar o ódio a determinadas pessoas ou grupos sociais”, afirma Cecília Almeida.

OUTRAS FRENTES DE COMBATE

Embora a regulação das plataformas e a criminalização da produção e circulação de fake news sejam as iniciativas mais discutidas no ambiente político, outras frentes de combate têm sido travadas no campo midiático e também educacional. “Ferramentas importantes partiram do próprio campo jornalístico, com a criação das agências e redes de fact-checking que atuam cotidianamente desmentindo boatos e verificando informações duvidosas. Essas agências, muitas vezes, atuam em colaboração com as próprias plataformas de redes sociais, indicando a retirada de conteúdos enganosos. Todas essas ações têm sua importância, porém elas são mais reativas do que propositivas, atuando depois que a informação falsa já está em circulação”, afirma Cecília Almeida.

No Brasil, algumas das organizações mais conhecidas de fact-checking são a Agência Lupa, a Fato ou Fake e a Aos Fatos. Há inclusive o Coletivo Bereia, uma agência para checagem de notícias que circulam nos espaços digitais religiosos, que são alguns dos principais alvos dos produtores de fake news.

Cecília Almeida reforça, no entanto, a importância das iniciativas de educação midiática para capacitar a população de forma preventiva à desinformação. “Países como a Finlândia têm buscado soluções de longo prazo por meio da instituição de uma política nacional de educação midiática, alfabetizando a população para o consumo de conteúdos recebidos por tecnologias de mídia desde o ensino básico. A Finlândia ficou em primeiro lugar entre 35 países no Media Literacy Index, um estudo feito pelo Open Society Institute de Sofia que mediu a resiliência ao fenômeno da pós-verdade. Importante destacar que uma política de educação midiática consistente, além, é claro, de uma imprensa livre, são fundamentais para o bom funcionamento das outras iniciativas mencionadas”.

DE OLHO EM PÚBLICOS SEGMENTADOS

Enquanto algumas ações de combate às fake news são transversais, atingindo toda a população do País ou até do mundo, no caso da regulamentação das big techs, há outras iniciativas focadas nos grupos mais vulneráveis à desinformação. Um desses públicos que merece atenção no Brasil é o da população evangélica.

Em Pernambuco, no ano passado, dentro do contexto do processo eleitoral e da efervescência da desinformação focada no segmento evangélico, a Igreja Batista em Coqueiral, que fica na Zona Oeste do Recife, lançou uma cartilha Fake News: Não caia nessa, não passe adiante.

Além da distribuição da cartilha, a igreja produziu também conteúdos educativos para Instagram, que atingiram tanto os fiéis locais, como outras parceiras. “Decidimos lançar a cartilha e esses conteúdos primeiramente pela incapacidade da igreja lidar com a política. É uma população que não foi politizada e de repente estava metida dentro da política partidária, servindo a um projeto de poder. Todo crente virou um cientista político. Essa falta de conscientização torna esse público mais facilmente manipulado. Como é uma massa que acredita nos pastores, quando seus líderes são cooptados, influenciam muito quem está com eles. E as igrejas acreditaram em muitas mentiras”, afirma José Marcos da Silva, pastor da Igreja Batista em Coqueiral.

Ele avalia que a iniciativa da cartilha e da criação dos conteúdos para redes sociais são apenas algumas gotas no oceano de ações que precisam ser feitas para haver um processo educativo na sociedade. José Marcos afirma que parte das lideranças evangélicas estava consciente de que alguns conteúdos disseminados em seus púlpitos e redes sociais eram falsos. Além desse grupo que agiu intencionalmente em favor da desinformação, ele lembra que a formação política da classe pastoral é bastante incipiente, o que os torna também vítimas da circulação em massa das fake news.

A guerra contra a desinformação está longe de ser vencida, mas as armas usadas para defender a sociedade e a democracia das fake news hoje são bem mais diversificadas do que há poucos anos. Ao entrar de vez na agenda política e jurídica do País e no âmbito mundial, novas trincheiras podem ser retomadas ao menos no horizonte de médio prazo.

*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Revista Algomais. Ele assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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