Por Elton Alisson | Agência FAPESP
As pessoas com doença celíaca enfrentam o desafio de assegurar que suas dietas sejam totalmente isentas de glúten, proteína presente em cereais como trigo, centeio, cevada e malte. Isso porque, além de o nutriente integrar várias matrizes de alimentos, em diferentes formas e proporções, mesmo os produtos declarados livres de glúten podem apresentar contaminação cruzada e provocar reações no organismo.
Um biossensor óptico em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro), desenvolvido por pesquisadores do Instituto Catalão de Nanociência e Nanotecnologia (ICN2), da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, pode ajudar os celíacos a evitar consumir glúten inadvertidamente.
O dispositivo é capaz de detectar em uma amostra de urina a presença de um dos principais peptídeos do glúten após o consumo de um alimento contendo a proteína mesmo em quantidades irrisórias, de forma simples e altamente sensível.
O novo método, que funciona como um teste de gravidez vendido em farmácia, foi desenvolvido pelo grupo de Nanobiossensores e Aplicações Bioanalíticas do ICN2, coordenado por Laura Lechuga. Os resultados foram apresentados pela pesquisadora durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Tópicos Modernos em Biofotônica. Apoiado pela FAPESP, na modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada, o evento ocorreu entre os dias 20 e 29 de março no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP).
“O sensor pode ser especialmente útil para monitorar a dieta de crianças com doença celíaca, cujos pais não conseguem ter controle sobre o que comem fora de casa. Com apenas algumas gotas de urina, o dispositivo é capaz de detectar rapidamente se a pessoa ingeriu a proteína em um determinado dia. Desse modo, é possível evitar consumir novamente o alimento suspeito de ter sido a fonte do nutriente”, disse Lechuga à Agência FAPESP.
O biossensor é baseado no princípio de ressonância de plásmons de superfície (SPR, na sigla em inglês). Por esse método, a quantificação da substância de interesse é feita por medidas do índice de refração (desvio angular da luz), quantidade de luz absorvida, propriedades fluorescentes das moléculas analisadas ou meio de transdução químico-óptico – que “traduz” o sinal químico em óptico.
Graças a um detector óptico, o dispositivo é capaz de identificar e quantificar o peptídeo 33-mer α-2-gliadina, considerado o mais reativo do glúten.
“Um dos subprodutos resultantes do metabolismo do glúten é esse peptídeo resistente ao processo de digestão e detectável na urina e nas fezes”, explicou Lechuga.
A fim de avaliar o desempenho do biossensor em termos de sensibilidade, seletividade e reprodutibilidade, os pesquisadores fizeram um estudo com 44 pacientes celíacos que seguiam uma dieta isenta de glúten há, pelo menos, dois anos.
Os pacientes foram classificados no início da pesquisa como assintomáticos ou sintomáticos por meio de um questionário de escala de sintomas gastrointestinais. A presença do glúten na dieta foi avaliada também com um questionário sobre os alimentos ingeridos nos dias anteriores e com um exame para detectar a presença do peptídeo 33-mer α-2-gliadina em amostras de urina.
Os resultados dos testes indicaram que 25% dos pacientes tiveram pelo menos um resultado positivo para o peptídeo 33-mer α-2-gliadina, sendo 39% assintomáticos e 15,8% sintomáticos.
“Constatamos que o biossensor é capaz de detectar o consumo inadvertido de glúten por pessoas celíacas que seguem uma dieta isenta dessa proteína há bastante tempo, independentemente de apresentarem sintomas da doença celíaca”, disse Lechuga.
O dispositivo foi capaz de detectar a presença do peptídeo 33-mer α-2-gliadina em amostras de urina com um limite mínimo de 0,33 nanograma por mililitro (mL).
“Demostramos que essa técnica que desenvolvemos pode se traduzir em uma oportunidade para o desenvolvimento de testes point of care [usados no local do atendimento, como em domicílio] para um monitoramento eficiente, simples e preciso da dieta e para o acompanhamento de pessoas com doença celíaca”, afirmou Lechuga.
Parceria com empresas
Alguns outros biossensores desenvolvidos pelo grupo de Lechuga na Espanha devem chegar em breve ao mercado por meio de empresas fabricantes de equipamentos e dispositivos médicos. Um deles é um biossensor para monitorar a dose de anticoagulante usada por pacientes com doenças cardiovasculares ou trombose.
Também baseado no método SPR, o dispositivo é composto por nanoestruturas de ouro que detectam, a partir de uma amostra de sangue, se a dose do medicamento anticoagulante consumida pelo paciente é a adequada. Se estiver baixa, por exemplo, o paciente corre o risco de coagulação do sangue; se estiver muito acima do limite recomendado, pode desencadear hemorragias internas.“Já conversamos com algumas empresas multinacionais que se interessaram em produzir e comercializar o dispositivo, que funciona como um teste de glicose usado por diabéticos”, comparou Lechuga.
“Com apenas algumas gotas de sangue, o biossensor é capaz de detectar se a dose do medicamento que o paciente tomou foi suficiente ou excessiva e, dessa forma, permite administrar melhor a dose”, disse.
Outros biossensores desenvolvidos pelos pesquisadores nos últimos anos são voltados para detecção precoce de câncer de pulmão e de ovário, além de dispositivos para analisar a contaminação de água.
“Uma das vantagens dos biossensores ópticos, como os que temos desenvolvido, é que eles são muito mais sensíveis do que os fotônicos e os eletroquímicos. Esses dispositivos são capazes de detectar compostos de interesse em baixíssimas quantidades de amostras de materiais, como células”, explicou Lechuga.