"Manter A Caatinga De Pé é Essencial Para Proteger As Abelhas E A Produção De Alimentos" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
“Manter a Caatinga de pé é essencial para proteger as abelhas e a produção de alimentos”

Revista Algomais

Ecóloga e pesquisadora do Cemafauna Caatinga, ligado à Univasf, Aline Andrade fala do projeto que trabalha as abelhas como bioinsumo, com o objetivo de aumentar a produção alimentícia do Vale do São Francisco. O intuito é preservar a Caatinga e gerar renda para apicultores e meliponicultores. Um projeto piloto está sendo implantado na empresa Agrodan.

Pequenas notáveis. É dessa forma que a pesquisadora e ecóloga Aline Andrade se refere às abelhas. E não há nenhum exagero em empregar essa denominação, por um motivo crucial: esses insetos são responsáveis por nada menos que 70% dos alimentos produzidos no mundo. Essa produtividade toda é realizada por meio da polinização. Mesmo com todo avanço tecnológico ocorrido no campo, nenhuma técnica artificial conseguiu alcançar a superprodução desses animais. 

No maracujá, por exemplo, a abelha mamangava faz a polinização de 400 flores por minuto. “A mão humana não chega a 13% dessa produção. Já tentaram também polinizar de forma mecânica, vibrando a flor com um equipamento, mas a eficiência não passa de 20%”, compara a pesquisadora que atua no projeto Pollinnova que visa utilizar a abelha como um bioinsumo para impulsionar a produção agrícola da região do Vale do São Francisco. É realizado pelo  Cemafauna Caatinga (Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga), ligado à Univasf (Universidade do Vale do São Francisco).

Realizada por uma equipe exclusivamente feminina, em parceria com a Agrodan – maior exportadora de manga do Brasil – a pesquisa vai introduzir abelhas em parte da plantação da empresa e verificar se houve aumento de produção ao comparar com as áreas cultivadas que não receberam os insetos. Caso os resultados sejam positivos, a ideia é capacitar apicultores e meliponicultores a fornecerem abelhas para as fazendas produtoras de frutas. “Seria uma forma de terem uma outra fonte de renda, além do mel”, ressalta Aline Andrade. 

Nesta entrevista a Cláudia Santos, a ecóloga explica o projeto de pesquisa, fala da importância das abelhas e da urgência de manter e reflorestar a Caatinga. Isso é essencial não só para preservar a biodiversidade mas, também, para não prejudicar a produção de alimentos no bioma, como a fruticultura.

Vocês fazem uma pesquisa interessante sobre o emprego de abelhas como bioinsumo. Mas antes de falar do projeto, gostaria que a senhora informasse qual a importância desses insetos no mundo? 

Elas são muito necessárias. Tanto que, em 2009, a ONU decretou a abelha como o animal mais importante do planeta. Por meio da polinização, elas são responsáveis pela produção de frutos e, como consequência, de sementes, que são basicamente a nossa dieta. Tirando o que é proteína de origem animal, no mais, são vegetais, frutas e sementes que a gente acaba consumindo. Então, essas pequenas notáveis sozinhas são responsáveis por 70% dessa produção de alimentos no mundo e realizam isso por meio da polinização. 

abelha caatiginga

A polinização é um serviço ecossistêmico que acontece quando as abelhas vão, de flor em flor, coletar néctar, pólen e resina. Pólen e néctar são usados como alimento, néctar é recurso energético e pólen é proteína. A resina é utilizada para construir as suas células, onde vão colocar os seus ovos, as suas larvas ou então produzir os favos, que é aquela cera.

A polinização também facilita a fecundação das flores, já que as abelhas fazem com que os órgãos reprodutivos das flores, masculino e feminino, se encontrem. Consequentemente, existe o desenvolvimento, que gera o fruto e, dentro desse fruto, a semente. Das 141 culturas principais no Brasil, entre elas manga, acerola, goiaba, coco, café, 70% da responsabilidade de produção desses frutos é das abelhas. É um percentual muito alto. Nas unidades de conservação, em áreas naturais, chega-se a 80%. É bom destacar que os frutos ainda alimentam os animais silvestres que, porventura, também alimentam as comunidades tradicionais que estão dentro das áreas preservadas.

E qual a importância das abelhas para a Caatinga?

Para Caatinga, que é o único bioma exclusivamente brasileiro, as abelhas são ainda mais importantes. Resta apenas 11% do território da Caatinga original. Os animais estão declinando sem antes serem conhecidos. Por isso é urgente que os estudos sejam feitos nas áreas ainda preservadas e também nas de cultivo. Precisamos saber, por exemplo, em qual período do ano as abelhas são mais abundantes, se há variação no período seco e chuvoso. Na Caatinga, é esperado que haja uma densidade menor de abelhas do que em outros biomas em razão da degradação. 

Mas mesmo sendo menor, só aqui no nosso Museu de Fauna da Caatinga, temos 216 espécies de abelhas levantadas na região do Vale do São Francisco. Dessas, apenas uma não é nativa, que é a conhecida como italiana, africanizada ou europeia. Aqui, 83% dessas abelhas levantadas são solitárias, ou seja, não formam colmeias, não existe rainha, nem operárias. É aquela abelha como a mamangava, que chamam erroneamente de besourão. Ela funda o seu ninho sozinha, põe os ovos e sai ou morre antes das crias nascerem. Como não há interação mãe e filha e nem formação de sociedade, são chamadas solitárias. 

Museu de Fauna da Caatinga
Museu de Fauna da Caatinga

São espécies importantíssimas para a polinização. De acordo com o monitoramento que fizemos, 96% das abelhas que estão nos cultivos de manga são solitárias. E elas são invisíveis. Por quê? Quando se fala no problema de mortandade de abelhas no Brasil, geralmente pensamos naquelas que estão nas colmeias porque, como estão em caixas artificiais que produzem mel, própolis, cera, é possível quantificar. Mas essa quantificação não é possível de ser feita com a solitária e, por isso, o prejuízo é maior para a Caatinga. 

É preciso manter a Caatinga de pé, reflorestá-la, porque não é só a biodiversidade que será impactada pelo declínio de polinizadores como as abelhas, mas as áreas de produção sofrerão primeiro. Não adianta ter a melhor tecnologia, o melhor fertilizante, o melhor pesticida para combater as pragas, se o principal fator de produção, que é o animal polinizador, desaparecer. É preciso manter a Caatinga de pé porque as populações de abelhas tendem a declinar com o desmatamento e impactar a produção de alimentos.

Na produção de maracujá, por exemplo, a mamangava (do gênero Xylocopa) faz a polinização de 400 flores por minuto. A mão humana, ao mexer e pincelar o pólen, não chega a 13% dessa produção. Já tentaram fazer essa polinização de forma mecânica, vibrando a flor com um equipamento, mas a eficiência não passa de 20%. 

Além do desmatamento, o que está ocasionando a redução de abelhas? Os agrotóxicos têm alguma influência?

desmatamento da caatinga embrapa

Eu colocaria, no ranking de impacto maior, a supressão da vegetação, ou seja, o desmatamento. Porque, quando se tira a vegetação nativa, suprimi-se o alimento e o abrigo das abelhas que podem morrer ou fugir para outros lugares. Associado a isso, há o problema de manejo com pesticidas. Porque, se manejado adequadamente, não há impacto. Os produtos são rotulados e, na rotulagem, existe orientação sobre a concentração, a aplicação e os horários em que devem ser aplicados ao longo do ano. Isto porque as abelhas mudam o horário em que vão a campo diariamente. Nos períodos secos saem mais cedo e, no frio, saem mais tarde, quando há maior incidência de irradiação solar. Então, está tudo explicado na rotulação, se obedecer direitinho não há problema. 

Também temos outra causa que são os parasitas. Quando se colocam espécies de abelhas colonizadoras que não são nativas daquele ambiente, junto com elas há uma série de patógenos que não são comuns naquela região. Então, um patógeno não comum pode dizimar uma espécie nativa. Assim, ao transportar espécies de abelhas de uma região para outra, corre-se o risco de levar contaminantes que são patógenos naturais para aquela espécie de abelha, mas não naturais para aqueles indivíduos que são residentes ali. 

Por exemplo, temos aqui a Mandaçaia do Sertão, que é típica das matas ciliares do Vale do São Francisco. Se eu retirar essa espécie que é nativa e já resistente a doenças causadas por determinados patógenos daqui e levar para os Pampas, no Rio Grande do Sul, as espécies de abelhas típicas de lá podem não ser resistentes aos patógenos naturais dessa região. Isso causa um desequilíbrio por falta de informação e já aconteceu muito no Brasil. 

Neste caso estou me referindo ao transporte de abelhas dentro do Brasil, imagina quando indivíduos dessas espécies de animais vêm de outro país, de uma condição muito diferente do nosso território. E um outro problema que não deveria acontecer são as pessoas removerem as colônias de abelhas da mata para colocar em caixas e ganhar dinheiro. Com isso, essas pessoas estão cometendo dois delitos: um é cortar a árvore para tirar a copa e as abelhas do ambiente natural, o outro é colocá-las numa caixa sem saber manejar. Muitas vezes, tiram só a primeira produção de mel, de pólen, ou seja, o produto que desejam, e matam a colônia porque não fazem o manejo de maneira adequada. 

abelha caatinga 2

Fale um pouco sobre o Projeto Pollinnova Abelhas. Como esse trabalho vem sendo desenvolvido? De que maneira vocês atuam?  

Bom, o projeto Pollinnova foi pensado para trabalharmos as abelhas como principal bioinsumo dentro das áreas de produção. O que é um bioinsumo? É um organismo vivo que vai contribuir para aumentar a produtividade, mas levando em conta a sustentabilidade. Porque quando se coloca o organismo vivo e saudável dentro de uma área de produção, automaticamente acontecem mudanças de práticas também. Porque a abelha, para sobreviver e contribuir para o incremento da produção, precisa de uma área limpa, as flores não podem estar contaminadas, nem o solo, porque ela coleta areia e barro para tapar arestas dentro da colônia. Ela bebe água, então, a água tem que estar limpa também. 

Dessa forma, há uma mudança, há uma inovação muitíssimo interessante na área de cultivo. Como consequência, também ocorre a redução do uso de fertilizante. O produtor deixa de usar alguns princípios ativos em solo, em caule e tem uma perda de 3% na produção causada por pragas. Mas haverá uma compensação porque o uso de abelhas promove um aumento de 60% no total de frutas produzidas. Assim, já não há uma preocupação em combater a praga para não interferir na sobrevivência e no trabalho ecossistêmico que as abelhas estão executando dentro dos pomares. 

O Projeto Pollinnova foi pensado nessa perspectiva. Por meio dele, a gente vai trabalhar dentro dos pomares de uma grande empresa, a Agrodan, que é a maior exportadora de mangas do Brasil. Esse é um projeto supervisionado e formado somente por mulheres. Ele é uma parceria entre a Univasf e a empresa Agrodan. E foi aprovado pelo edital da Facepe chamado Pernambucanas Inovadoras.

mangas agrodan

A Agrodan é conhecida por ser inovadora. Como esse projeto vai aliar inovação e sustentabilidade? 

Sim, a Agrodan é excepcional nesse sentido, sempre está, de alguma forma, trabalhando com sustentabilidade. E o que nós vamos fazer é monitorar as abelhas em campo, inicialmente monitorar para ver quais são as espécies, quais são polinizadores, quais são só visitantes florais, ou seja, visitam, mas não polinizam. 

Dentro desse efetivo, para as abelhas sociais, vamos colocar caixas para aumentar o número delas no campo e vamos monitorar se houve um aumento de frequência. Nós vamos comparar os talhões (áreas de cultivo divididas em quadrantes) que receberam as caixas, com os talhões sem incremento de abelhas e observar se houve aumento na produção. Nós teremos a informação da empresa a respeito da produtividade de cada um desses talhões. Dessa maneira, será possível compararmos, ao longo de um ano, se as abelhas que colocamos ali, realmente aumentaram a produtividade.

Vocês têm alguma expectativa de quanto seria esse aumento de produtividade?

Bom, de acordo com a literatura existente em estudos recentes realizados pela Embrapa, esse incremento pode chegar a 68%. Contudo, ainda é necessário irmos para o campo a fim de comprovar esse percentual. Vale salientar que esse estudo feito pela Embrapa é uma estimativa, nunca foram feitos testes. 

A senhora mencionou que o Pollinnova Abelhas é formado unicamente por mulheres. Como a equipe é composta? Há previsão de o projeto ser aplicado em outras empresas? 

São quatro mulheres da equipe principal. Temos uma gestora, uma ecóloga de campo, uma engenheira agrônoma e uma engenheira de computação, e nós teremos alunas de graduação e pós-graduação envolvidas também. Esse projeto é basicamente um piloto com a Agrodan. A nossa intenção é espalhar para outros produtores. Ou seja, a ideia é fazer um ensaio experimental na Agrodan e, em seguida, ampliar. Existe potencial para isso.

mulher mel

Vocês pretendem abranger os benefícios desse projeto para os pequenos apicultores e meliponicultores? 

Temos essa intenção, sim. Pretendemos atuar como ponte, com o objetivo de aproximar os agricultores dos apicultores (que são criadores das abelhas com ferrão) e dos meliponicultores (criadores das abelhas nativas sem ferrão). Isso significa que, ao final do estudo, quando os testes experimentais que fazemos no campo não sejam mais necessários, nós seríamos somente a startup a indicar para os agricultores: olha, nós temos esses criadores, montando caixas com essas espécies de abelhas, com determinadas colônias. E informamos por que esse serviço é interessante. Seria uma forma desses apicultores e meliponicultores terem uma outra fonte de renda, além do mel. Eles teriam condições de arrendar as suas caixas.

Hoje a gente começa a trabalhar com monitoramento das abelhas na manga. No futuro, pretendemos ampliar para melão, pera, abacate, para tomate, para goiaba, para o maracujá.

Além das abelhas, que outros trabalhos CemaFauna, que é sediado em Petrolina, desenvolve? 

É importante que as pessoas conheçam o nosso Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga. Os estudos, pesquisas, enfim, nossa atuação nesse centro consiste na conservação e estamos sempre alinhados com produtividade sustentável. Atuamos com grupos de trabalho, e a abelha é um desses grupos. Há outros em que nós trabalhamos também nesse sentido da conservação e do manejo da fauna. Estamos sempre convidando as pessoas a conhecerem mais esse importante e necessário centro que impacta positivamente não apenas Petrolina. Por isso, eu acho que, quanto maior a visibilidade, melhor, para que possamos sensibilizar e ter cada vez mais pessoas engajadas nessa causa. 

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