Caminhos para um salto na educação de Pernambuco – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Caminhos para um salto na educação de Pernambuco

Em palestra no workshop Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo, promovido pela Algomais e Rede Gestão, o ex-senador Cristovam Buarque defendeu a federalização do ensino básico para o País alcançar a qualidade educacional

*Por Rafael Dantas

A formação educacional, conectada com os desafios do mundo contemporâneo, é um dos eixos estratégicos desenhados pelo projeto Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo para o desenvolvimento do Estado. Com a proposta de discutir soluções para o sistema de ensino local, em evento promovido pela Rede Gestão e pela Revista Algomais, que lotou o auditório do Empresarial RioMar 5, o ex-senador e ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque elencou 10 propostas focadas na educação básica para transformar e não apenas qualificar a rede de aprendizagem. “Melhorar não é o mesmo que saltar. Melhorar é ficar em um ano melhor que hoje. Saltar é em alguns anos estarmos no mesmo nível dos melhores do mundo. Precisamos saltar, não apenas melhorar”, afirma Cristovam Buarque.

Uma fotografia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sua primeira gestão ilustrou o que Cristovam Buarque defende diariamente. Em uma de suas passagens pelo Estado, o presidente se aproximou de algumas crianças que estudavam na Escola Municipal Capitão Rufino no Agreste pernambucano, em Caruaru. O ex-ministro Cristovam Buarque retornou ao município anos depois para acompanhar o que aconteceu com aquela escola e, especialmente, com as crianças. Nenhum deles terminou a 5ª série. Um dos meninos foi assassinado. Uma garota, com 16 anos, já era mãe de um filho de um ano de idade. Outro estava foragido por problemas com criminalidade, já tendo passagem pela prisão. Outra jovem vendia castanhas próximo a uma estrada. Todos sobrevivem de subemprego. Curiosamente, a escola não era mais a mesma. A estrutura melhorou, ganhando inclusive ar-condicionado. Apesar da requalificação, não foi dado o salto necessário para quebrar o ciclo da pobreza que assombra as populações carentes.

O diagnóstico desenhado pelo educacionista – como Buarque gosta de se definir – é de que, por melhor motivação que o poder municipal tenha, a entrega da educação básica para esse ente da Federação fragiliza a escola. Em outras palavras, o desafio estratégico para o futuro do País, que é preparar sua população mais jovem, está nas mãos de quem menos tem suporte para fazê-lo.

Diferente de uma Agência do Banco do Brasil, que tem um padrão infraestrutural em qualquer parte do País, as escolas são melhores nas cidades ricas, em relação aos municípios com baixo orçamento. Enquanto a carreira de um docente do ensino superior é semelhante entre as diversas universidades federais, com seleções rígidas, nos municípios há uma perspectiva muito precária, insegura e também despadronizada.

Para quebrar esse ciclo que precariza a educação aos brasileiros nos seus primeiros anos de vida, Buarque é enfático ao defender a federalização. “Não adianta fazer planos nacionais de educação enquanto a execução é municipal.” Ele propõe que ao longo de duas décadas todas as escolas básicas do País integrem uma Rede Federal, a exemplo do que acontece com as universidades. Ele revelou, inclusive, que antes de assumir a direção do MEC, sugeriu ao presidente Lula, na época, a criação de um ministério exclusivo para a educação básica. Mas a proposta não avançou.

Presente no evento, o ex-prefeito de Bonito, Laércio Queiroz, lembrou que ao chegar no poder municipal, há duas décadas, os salários dos docentes não chegavam a um salário mínimo, tamanha a precariedade. “Começamos a pagar o salário mínimo, fizemos um plano de magistério e procuramos melhorar as escolas. Mas há grandes dificuldades no ensino”.

Ao mesmo tempo que lutava para qualificar a oferta das escolas, o município sofria com o fechamento de uma das grandes indústrias, o que fragilizava a própria economia local. Um fator não incomum no âmbito municipal em razão da guerra fiscal e do ciclo de muitas corporações. “Hoje estamos num mundo em que a velocidade das coisas acontece abruptamente. Isso tem se traduzido cada vez mais num analfabetismo enorme”, afirmou Laércio, exemplificando os desafios ainda maiores que, no máximo, têm sido enfrentados com a entrega de equipamentos, como laptops e tablets, enquanto o orçamento permanece com os mesmos e novos problemas.

PASSOS PARA A FEDERALIZAÇÃO

Foram apresentados no encontro 10 passos da federalização da educação brasileira, com descentralização gerencial e liberdade pedagógica (veja a arte completa a seguir). As propostas vão em diversas direções, como o aumento das receitas federais para a educação básica e a estruturação de um sistema de monitoramento do desempenho estudantil.

Essas ações seriam executadas pelo Ministério da Educação de Base, com a atuação de duas estruturas relacionadas. A primeira é a Superintendência para Aprimoramento dos Sistemas Estadual e Municipal. Essa com uma característica de suporte às transformações que as escolas precisam enfrentar. E a segunda é a Superintendência para Implementação das CEFEs (Cidades com Educação Federal), que seria responsável pela transferência da gestão das escolas e redes para o ente federal.

As características básicas dessa Rede de Cidades com Educação Federal seria a adoção de uma carreira nacional do professor, a definição da qualidade das edificações, a modernização dos equipamentos e a adoção do horário integral. Além da formação necessária para falar, escrever, analisar e expressar-se bem em português, a proposta contempla um conjunto de outros conhecimentos e habilidades. Entre os diversos temas elencados por Buarque estão a fluência de um idioma estrangeiro, a capacitação para que o aluno prossiga em uma educação continuada e a capacidade para disputar uma vaga na universidade.

Diante dos desafios gigantes fiscais do País, os custos dessa revolução republicana na educação atingiriam em 20 anos o patamar dos 7% do PIB. Inicialmente somando os aportes na melhoria do sistema atual e a transição para a rede federal.

O QUE FAZER PARA PROMOVER ESSA TRANSIÇÃO?

No caminho para alcançar essa transição, o que Pernambuco pode fazer? O senador propõe duas frentes. Uma delas partiria dos próprios prefeitos, numa articulação política, para induzir a adoção gradual dessas escolas no plano federal. Seriam os primeiros passos para a construção de uma Rede de Cidades com Educação Federal (CEFEs)

“Pernambuco deveria assumir uma liderança na pressão para que o Governo Federal adote as escolas municipais”. De forma prática, ele sugere, por exemplo, que um conjunto de algumas dezenas de prefeitos escrevessem ao presidente Lula informando que “os municípios não têm como educar as crianças na qualidade que elas merecem e que o Brasil necessita”.

Relembrando o histórico do Estado de liderar no passado a Reforma Agrária e também a pressão para a construção da Sudene, Buarque considera que o mesmo poderia acontecer com a pauta educacional, em prol do País. “Por que não pode sair daqui uma pressão para uma Superintendência da Implantação de um Sistema Federal de Educação Pública e Única, para que o filho do pobre tenha a mesma condição do filho do rico?”.

A desigualdade das condições da escola entre as diferentes classes sociais foi duramente criticada pela reitora da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), Maria José de Sena. “Estamos brincando com a educação? Ela não tem que ter diferença de qualidade para qualquer criança. Não investimos nas nossas crianças. Isso me dá uma angústia grande. Diante dos números que temos hoje nas pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o que será do nosso País daqui a 20 anos? Precisamos fazer essa reflexão”. Ela lembrou que o País não alcançou nem sequer 50% das metas dos dois primeiros PNEs (Planos Nacionais da Educação).

O caminho da pressão política para o Governo Federal teria como meta induzir a adoção de 100 a 200 escolas municipais e estaduais por ano, de forma voluntária. Além dessa atuação em rede municipal, como uma forma de acelerar a transição da educação básica, o educacionista também considera que o próprio Governo do Estado possa paulatinamente adotar essas escolas e redes municipais.

“A primeira coisa é Pernambuco pressionar por uma implementação federal e a outra é começar uma implementação por sistemas estaduais de educação fundamental no Estado, por cidades. Escolhendo as mais pobres e menores, onde as prefeituras não têm condições. Por que o governo estadual não chega lá e diz: Nós vamos adotar essas cidades enquanto o Governo Federal não fizer?”, provocou o ex-ministro.

Para a implementação e o aprimoramento da educação em Pernambuco, a transição passaria pela formação, avaliação e incentivos ao professor, entendido como uma peça-chave do sistema. Além disso, promover incentivos aos alunos, construir um amplo Pacto pela Alfabetização, universalizar a adoção do ensino integral e avançar no envolvimento das famílias no processo de aprendizagem.

FEDERALIZAÇÃO EM DEBATE

A federalização da educação não é um consenso. Cristovam disse isso na sua apresentação e alguns questionamentos surgiram no debate que seguiu a sua apresentação. Há dúvidas sobre os efeitos da centralização da tomada de decisão, que dificultam a pressão popular para reagir a medidas equivocadas da gestão, por exemplo. O próprio Pacto Federativo e a necessidade de haver uma Proposta de Emenda à Constituição foi levantado pelos participantes do evento.

Uma das críticas da centralização dos sistemas na gestão do Governo Federal foi destacada por Sérgio Cavalcante, head de inovação do Grupo Cornélio Brennand e professor da Universidade Federal de Pernambuco. “Particularmente sou contra a centralização. Quando a gente aproxima as decisões geograficamente do povo, ele consegue mais facilmente reagir a problemas. Quando regionaliza e permite que os Estados sejam responsáveis pelas ações, o governante pode ser questionado de uma forma mais fácil do que indo para Brasília. Avalio que quando estadualiza é melhor”.

Cristovam Buarque defende que se a Federação não é ainda uma ideia ainda consensual no País, duas questões precisam de um entendimento amplo da população para avançar: a de que o Brasil precisa de ter um dos melhores sistemas de ensino do mundo – não é suficiente apenas melhorar – e que é indecente uma criança pobre ter uma escola com menor qualidade que uma criança rica.

PERNAMBUCO EM PERSPECTIVA

O projeto Pernambuco em Perspectiva é uma iniciativa da Revista Algomais e da Rede Gestão (grupo composto por mais de 30 empresas da iniciativa privada pernambucana) para promover uma série de debates técnicos e mobilizar a sociedade para a construção de uma estratégia de longo prazo para o desenvolvimento do Estado.

Na introdução do encontro com Cristovam Buarque, o consultor Francisco Cunha explicou a metodologia adotada pelo projeto que destaca um desenho de seis pilares fundamentais para o desenvolvimento de Pernambuco: educação de alta qualidade; sustentabilidade ambiental e climática; gestão pública eficaz; ciência, tecnologia e inovação; empreendedorismo dinâmico; e infraestrutura adequada.

O consultor tem salientado que o modelo de desenvolvimento traçado pelo Padre Lebret para Pernambuco, na década de 1950, que previa um porto no litoral sul da região metropolitana e um complexo industrial, já está esgotado, sendo necessária uma nova reflexão para as próximas décadas. Além disso, ele traça um cenário de dificuldades políticas, econômicas e ambientais enfrentadas por Pernambuco e pelo Recife que precisam de respostas aos problemas históricos e contemporâneos.

“Estamos pressionados na nova realidade e com um modelo econômico esgotado, com aquela característica industrial-portuária. O aquecimento global, inclusive, tem expandido o semiárido no nosso território. Precisamos articular algumas coisas que começam a ficar claras, enquanto essenciais para um novo modelo, como ciência, tecnologia e inovação. Isso associado ao empreendedorismo dinâmico para fazer avançar a economia, mas também uma gestão pública eficaz”, destacou Cunha.

É a partir dessas proposições captadas nos debates iniciais que o consultor defende a construção de uma visão para 2037, quando o Recife completará 500 anos, que foi formulada pelos integrantes do Pernambuco em Perspectiva da seguinte forma: “Em 2037, quando do aniversário de 500 anos do Recife, Pernambuco será um Estado mais próspero e com mais qualidade de vida e justiça social se adequando às exigências das mudanças climáticas, mas tirando o máximo proveito disso para a geração de energia limpa e mais barata para o desenvolvimento do Estado”.

O sócio da Rede Gestão e diretor da Algomais, Ricardo de Almeida, foi o mediador do evento com Cristovam Buarque. Ele lembrou que aconteceram dois encontros com convidados, o primeiro com Geraldo Eugênio, sobre o semiárido pernambucano e os potenciais da Caatinga, e um segundo com Pedro Jatobá, acerca das oportunidades locais no campo da transição energética, que é uma das principais tendências globais.

Ricardo de Almeida anunciou também que, após discutir educação, a próxima pauta da série de workshops será a indústria, tendo como o debatedor convidado Armando Monteiro Neto, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior durante o governo Dilma Rousseff.

A complexidade dos desafios de décadas que o Estado atravessa, tanto ambientais como socioeconômicos, associada às novíssimas pautas do mundo digital, emergindo na era da inteligência artificial, exigem respostas ousadas e de longo prazo. Mas também formulações inovadoras e mobilização social para movê-las. É com essa perspectiva que o projeto tem ampliado a escuta e envolvido mais atores locais nesse movimento em prol do desenvolvimento de Pernambuco. Confira a cobertura dos últimos debates do projeto Pernambuco em Perspectiva no site da Revista Algomais: algomais.com/pernambucoemperspectiva

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