Num futuro próximo, as chances de cura do câncer serão ainda maiores do que as verificadas nos tratamentos atualmente. E aqueles pacientes que não puderem ser curados viverão como se fossem portadores de uma doença praticamente crônica. “Isto é, eles poderão ter um tempo de sobrevida muito maior, de longos anos, com qualidade de vida”, estima Bruno Pacheco, oncologista clínico do Hospital Jayme da Fonte. Essa perspectiva otimista baseia-se nos avanços já ocorridos na terapia e diagnóstico dos tumores. “Temos observado uma mudança grande na oncologia nas últimas duas décadas”, constata Fernando Moura, oncologista do Real Instituto de Oncologia do Hospital Português. No campo do tratamento, por exemplo, Moura lembra que durante 20 anos, os pilares do arsenal terapêutico contra o câncer baseavam-se na quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Mas descobertas na área da genética e sobre o sistema imunológico (defesa do organismo) levaram ao surgimento de duas novas modalidades terapêuticas que vem revolucionando a maneira de tratar o câncer: a terapia alvo molecular e a imunoterapia. Para entender como funcionam esses tratamentos é necessário primeiro compreender que o câncer surge quando células saudáveis começam a se multiplicar descontroladamente. Em muitos casos isso acontece porque genes específicos dessas células sofrem uma mutação, o que faz com que proteínas sejam alteradas, resultando no crescimento celular descontrolado, formando o tumor. “O câncer de pulmão, por exemplo, pode ser causado por uma mutação genética na proteína conhecida como EGFR”, exemplifica Moura. Pesquisadores desenvolveram medicamentos capazes de atuar nesses genes alterados e interromper o crescimento anormal das células. Esse é o princípio da terapia alvo molecular e os remédios produzidos por esse processo causam menos efeitos colaterais do que a quimioterapia. Enquanto a terapia alvo molecular age na célula doente, a imunoterapia atua nos mecanismos de defesa do nosso organismo. Por que? Nos últimos cinco anos, pesquisadores descobriram que o sistema imunológico, por meio de células chamadas linfócitos T, é capaz de destruir as células cancerígenas. Acontece que muitos tipos de câncer burlam a atuação desses linfócitos T, por meio da expressão de proteínas específicas que avisam ao organismo que o sistema imunológico não precisa combater as células defeituosas. Dessa forma, o tumor continua a se proliferar. “Ou seja, ele bloqueia os nossos soldados que lutaram contra o câncer. Sem a ação deles, o tumor começa a crescer novamente”, explica Pacheco. A imunoterapia nada mais é do que um tratamento que liberta nossos soldados, isto é, nossos linfócitos T, para que voltem a atacar os tumores. É o próprio organismo se defendendo das células cancerígenas. Por ter baixa toxicidade, a imunoterapia causa menos efeitos colaterais que a quimioterapia. “Esses medicamentos também apresentam uma ótima resposta e oferecem maior sobrevida do que o tratamento quimioterápico”, ressalta Pacheco. Em alguns casos, ambos os tratamentos são empregados conjuntamente, o que tem mostrado resultados excelentes, de acordo com os especialistas. “Hoje temos pacientes tratados com imunoterapia, que há dois anos sofreram metástases (propagação do tumor para outras áreas do corpo), que estão controladas, sem sofrer com efeitos colaterais, como náuseas, vômitos ou queda de cabelo”, garante Fernando Moura. É o caso da professora, socióloga e matemática aposentada, Odesina Mello, 69 anos, diagnosticada com câncer de pulmão em 2015. “Fumei durante 35 anos. O tumor foi detectado no lado esquerdo e havia metástase no lado direito, por isso, o médico me disse que não adiantava fazer a cirurgia”, relata. Odesina foi submetida ao tratamento quimioterápico em 2016. “Na época meu cabelo caiu e sentia muita vontade de vomitar”, relembra a professora que iniciou a imunoterapia em novembro de 2017. Ela não sofre mais com vômitos nem com queda de cabelo, mas costuma sentir dores nas articulações e tontura, o que não chega a prejudicar muito sua qualidade de vida. “Vou ao cinema, à praia e leio muito, além de fazer cursos no centro espírita que frequento. O tumor está diminuindo. O médico disse que ficarei uns dois anos em tratamento”. Além de alguns tipos de câncer de pulmão como o que acometeu Odesina, a imunoterapia tem sido eficaz no tratamento de tumores de rim e do melanoma (um dos mais agressivos cânceres de pele). “Certamente vão surgir muitas outras indicações porque essa é uma área do tratamento que está em ebulição”, prevê Fernado Moura. E são justamente outras indicações da imunoterapia que têm sido o objeto da pesquisa do cirurgião oncológico Mário Rino Martins, do HCP (Hospital do Câncer de Pernambuco). Ele estuda especificamente o câncer de estômago, cujos tratamentos convencionais têm pouca eficácia nos estágios mais avançados do tumor. O estudo faz parte da tese de doutorado do médico, que está sendo realizada por meio de uma parceria entre o HCP, Imip (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira) e o A.C. Camargo Cancer Center. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Pesquisa Translacional do Imip, sob a orientação de Leuridan Torres, coordenadora do laboratório, com apoio Financeiro da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe) e do DECIT/Ministério da Saúde. O pesquisador investiga a molécula de proteína OX-40, presente nos linfócitos, e a capacidade dela de ativar essas células de defesa contra o câncer. O estudo foi feito com 58 pessoas. Dessas, 24 eram pacientes do HCP e 34 não tinham a doença. Ao comparar os dois grupos, constatou-se que aqueles que não eram portadores do tumor possuíam uma quantidade maior dessa proteína. Agora resta saber se a estimulação do sistema imunológico do paciente a partir da ativação da proteína OX-40, pode ser um tratamento eficiente. “Descobrimos o defeito, agora queremos saber se podemos fazer o conserto”, compara o pesquisador que também é membro do Rico (Real Instituto de Cirurgia Oncológica). “Isso significa criar um medicamento imunoterápico que vai agir nessa molécula”, explica Leuridan Torres, acrescentando que os Estados Unidos já largaram na frente e pesquisam a criação desse produto farmacêutico. “Mas nós no Brasil, podemos também, futuramente desenvolver um fármaco”, afirma a orientadora, adiantando que o próximo passo da pesquisa é investigar outras proteínas e também as plaquetas presentes no sangue como veículo