Arquivos Entrevistas - Página 14 de 28 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

"Há outra cidade colonial por baixo do Recife"

Suely de Luna, historiadora e arqueóloga da UFRPE, conta como são realizados os trabalhos nas escavações da região do Pilar, no Recife, onde foram encontrados dois cemitérios, um da época da ocupação holandesa e outro do Século 19, os vestígios de um forte e várias peças e fragmentos de objetos. Desde março, a mídia tem noticiado a descoberta de verdadeiros tesouros arqueológicos na comunidade do Pilar, no Bairro do Recife. Na região está sendo construído um conjunto habitacional e durante as escavações foram revelados dois cemitérios, dos quais não havia registros, e vestígios do Forte de São Jorge, um dos primeiros da cidade. Também foram encontrados peças e mais de 40 mil fragmentos de objetos. Um verdadeiro quebra-cabeça que profissionais da Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, estão montando para entender melhor o nosso passado e sua influência no presente. Para explicar como é realizado esse trabalho, Cláudia Santos conversou com Suely de Luna, historiadora arqueóloga e coordenadora geral do programa de resgate arqueológico na Comunidade do Pilar. Ela fala da importância dessas descobertas e da possibilidade que proporcionam de transformar a região em ponto turístico, abrindo novas perspectivas de geração de renda entre os moradores locais. Como está sendo o trabalho das escavações no Pilar? Para realizar qualquer projeto de construção no Centro histórico do Recife é necessário que seja feito o trabalho arqueológico, por ser uma área histórica tombada. Uma outra equipe já atuou no local tempos atrás. Em 2015 a prefeitura fez uma licitação pública e a Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, ganhou e, no final daquele ano, começamos a escavação. Eles dividiram a área em quadras (ao todo são cinco quadras) e estipularam que a primeira a ser trabalhada seria onde havia uma parte de um habitacional construído. Concluímos o trabalho nessa área onde foram implantadas obras, como alguns edifícios, creche, escola e o posto de saúde. Essa parte já está entregue à comunidade. À medida em que foi sendo trabalhada cada quadra, tivemos vários achados. É muito material de praticamente todas as épocas, desde o final do Século 16 até o Século 21. Mas a concentração maior é do Século 19, quando houve uma expansão do Recife e aquela região foi mais ocupada por pessoas. Antes no período colonial, era uma área chamada de “fora de portas”, que era o limite do que seria a Vila do Recife, e que começou a expandir no final do Século 18. No Século 19 houve um boom. Foram construídas muitas casas. A Igreja do Pilar é do Século 18 e foi erguida com parte das pedras que eram de uma fortificação. Com as escavações conseguimos localizar uma parte da fundação dela. Era o Forte de São Jorge, que foi o primeiro do Recife. Existiam dois: um ao lado da barra e outro no istmo. Quando houve a invasão holandesa da Companhia das Índias Ocidentais, esse forte se transformou numa enfermaria. Depois que os holandeses foram embora (nós chamamos os holandeses, mas, na verdade, trata-se da Companhia das Índias Ocidentais, que era uma empresa privada) aquela região ficou quase abandonada, o forte ficou sem serventia e houve a doação daquele pedaço de terra para uma pessoa da época. Uma das cláusulas para a doação era que se construísse a igreja que foi a de Nossa Senhora do Pilar. E o que se sabe sobre os esqueletos encontrados? Ninguém sabia, mas no período da ocupação havia um cemitério próximo de onde hoje está a igreja e do antigo forte. Calculamos que que ele seja do final do Século 16 até, pelo menos, meados do Século 17, pelas datações que fizemos de carbono 14. O cemitério tem características bem peculiares, são esqueletos de pessoas de porte alto, que condizem mais com um tipo de europeu do centro da Europa, a região nórdica, do que da península. A maioria, 99% deles, são homens, jovens, de idade militar. Até agora, pelo menos o que a gente conseguiu identificar em campo, é que só há uma mulher e é uma menina relativamente nova, de uns 14 anos, que tinha cerca de 1,75 m de altura, portanto, mais alta do que a média normal das mulheres da colônia. A estrutura desse cemitério também é diferente, há sepulturas com um esqueleto, outras têm dois e existem sepulturas com três esqueletos. Geralmente quando se tem sepulturas duplas ou triplas significa que aquelas pessoas morreram no mesmo dia e que foram enterradas nessa coletividade. Por que eles foram enterrados assim? Qual a causa dessas mortes? São questões que vamos investigar em laboratório. Mas há duas possibilidades. Primeiro, é que foram mortos em enfrentamentos bélicos, talvez uma parte, não todos. Outra grande possibilidade é que morreram em decorrência de alguma epidemia, porque ter sepulturas com duas ou três pessoas significa que foram mortes sucessivas, em períodos extremamente curtos. Mas só os estudos de laboratório, que serão feitos por especialistas na área de bioantropologia humana, é que podem comprovar essa possibilidade. Existia alguma epidemia naquele período? Existiram vários surtos de epidemia desde o período colonial até o período imperial, na verdade, até o Século 20, de doenças como difteria, cólera, e muitas pessoas, na época inicial da ocupação, principalmente, sofriam de escorbuto. Não era uma epidemia, mas uma doença que se desenvolvia por falta de vitaminas. Eram comuns também febres e diarreias crônicas devido à qualidade de água ou de algum alimento contaminado, porque a água não era fácil de ser encontrada. Isso ocorria, principalmente, nos anos iniciais em que os holandeses estiveram no Recife. Eles ficaram ilhados, não tinham acesso a uma água boa, a frutas, a uma alimentação mais rica e isso deve ter causado grandes problemas de saúde. Lembrando que a área era pequena e o contingente de pessoas muito grande para o espaço. Isso a gente encontra nos relatos históricos, como a reclamação dos preços dos aluguéis no Recife, onde se amontoava muita gente, havia muitos soldados mercenários da companhia que não

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"Com o plano de descarbonização é possível Pernambuco ter um PIB 6% maior em 2050"

Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado conta como Pernambuco pretende chegar à neutralidade das emissões de gases de efeito estufa até 2050 e ainda ter crescimento econômico. Ela rechaça a ideia de que ações ecológicas prejudicam o desenvolvimento da economia. Capturar na atmosfera o dióxido de carbono, um gás causador do aquecimento global, utilizá-lo como combustível e até armazená-lo. Usar o biogás, originado do lixo, como fonte energética em indústrias e em refinaria de petróleo. Essas são algumas das tecnologias inovadoras que constam no Plano Pernambuco Carbono Zero, uma estratégia para o Estado alcançar a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 2050. O plano aponta metas, prazos e ações para mitigação das emissões. Para saber detalhes sobre essa estratégia de descarbonização e quais as ações para implantá-la, Cláudia Santos conversou com Inamara Mélo, que acaba de assumir a Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco), em substituição a José Bertotti, que lançou sua candidatura a deputado estadual. Com formação em jornalismo, Inamara tem larga experiência na área de sustentabilidade, é mestranda em gestão ambiental, já atuou na Secretaria de Meio Ambiente do Recife, onde também assumiu a pasta, quando a então secretária Cida Pedrosa foi disputar a eleição. Junto com Bertotti, direcionou a agenda da Semas para priorizar a política climática e participou da elaboração do Pernambuco Carbono Zero. Nesta entrevista, Inamara conta as dificuldades decorrentes da falta de apoio do Governo Federal para o País atingir o chamado net zero. E como em razão disso, os Estados, em especial Pernambuco, acabaram exercendo um protagonismo, inclusive junto a organizações internacionais. E, para os que pensam que cuidar do meio ambiente prejudica o crescimento econômico, a secretária rebate afirmando que o plano de descarbonização promoverá aumento do PIB e geração de emprego no Estado. Quais são as ações do governo para neutralizar os gases de efeito estufa? Pernambuco vem estruturando sua política climática desde a primeira década dos anos 2000, ainda na época do governo de Eduardo Campos. Na gestão de José Bertotti na Semas, o objetivo foi fortalecer esse trabalho, porque o Plano Estadual de Mudança Climática e a Política Climática já tinham sido aprovados, mas precisávamos avançar tanto nos instrumentos, quanto em ações efetivas para dar conta dessa política. Montamos o nosso Inventário de Emissão de Gases de Efeito Estufa, que reuniu dados de 2015 a 2018. Naquele momento o Governo Bolsonaro decidiu não realizar no Brasil a COP 25, que o governo anterior havia se comprometido a sediar. Pernambuco recebeu, então, a missão de realizar a 1ª Conferência Brasileira de Mudança Climática e assumimos junto à Abema, que é a associação brasileira dos órgãos estaduais de meio ambiente, a tarefa de apoiar a participação dos estados no evento. Na medida em que o Governo Federal se retirou dessa agenda, houve a emergência dos governos subnacionais nesta pauta. Ampliamos nosso protagonismo e passamos a discutir quais seriam os compromissos climáticos e como poderíamos efetivá-los. Isso trouxe para Pernambuco o olhar de organizações internacionais e passamos a tratar com diversos desses organismos uma cooperação em apoio ao trabalho desenvolvido na Abema e internamente em Pernambuco. Em 2022 atualizamos o inventário de emissões com informações de 2015 a 2020, sendo que Pernambuco é o primeiro estado da Federação a apresentar esses dados desagregados por município. Agora, já conseguimos identificar o perfil de cada município relacionado à agenda climática e o que precisamos potencializar nesta agenda municipal. Conseguimos o apoio da União Europeia, com a consultoria da agência alemã GIZ, para o desenvolvimento do nosso plano de descarbonização, o Programa Pernambuco Carbono Neutro, que estabelece o compromisso do Estado de chegar em 2050 atingindo a neutralidade das emissões de GEE. Esse trabalho teve o acompanhamento e a participação do Fórum Pernambucano de Mudança do Clima. O que prevê o Programa Pernambuco Carbono Neutro? Ele aponta metas, prazos e ações para mitigação das emissões de GEE no Estado. Essa redução é de 15% em 2025 e 32% em 2035, e em 2050 será alcançada a neutralidade climática. Para chegar a esse resultado, o plano foca em quatro setores estratégicos: energia e indústria, transportes, resíduos e Afolu (agricultura, florestas e outros usos da terra). Para cada um desses setores foram estabelecidas soluções tecnológicas de mitigação. Porém, mesmo se todas essas medidas forem adotadas, ainda assim, não chegaremos a um resultado de carbono neutro, porque, com a adoção delas, é possível evitar 75% das emissões projetadas para 2050. Para os 25% restantes, será necessário fazer a remoção de carbono na atmosfera. Como essa remoção é possível? Hoje existe tecnologia em desenvolvimento para captura, transporte, utilização e armazenamento de CO2. Estuda-se, por exemplo, a implantação de unidade de geração de hidrogênio na Rnest (refinaria) com captura de carbono e em processos industriais. Trata-se de uma tendência que está sendo trabalhada em diversas regiões do mundo. É importante destacar que esse plano de descarbonização fez com que caísse por terra o antigo conceito de que cuidar do meio ambiente impactaria no crescimento econômico. Ao adotarmos essas medidas de descarbonização, é possível ter um crescimento no produto interno bruto 6% maior até 2050, são R$ 20 bilhões a mais na projeção do PIB. Também impactaria positivamente naquilo que é o consumo das famílias em R$ 30 bilhões a mais. A estimativa é gerar 100 mil empregos a mais se forem adotadas essas soluções tecnológicas. Quais são os próximos passos? Ao concluirmos o plano, temos um grande desafio: nós temos um planejamento pronto e agora como implementamos e como desenhamos o monitoramento? A avaliação da União Europeia é que alcançamos um produto de altíssimo nível. Os pernambucanos precisam compreender o que foi feito e como precisamos, a partir de agora, agir envolvendo um grande pacto social no sentido de garantir a implementação deste plano. Fazemos parte da rede Under2 Coalition, que é uma espécie de top dos estados de várias regiões do mundo comprometidos, com a pauta da descarbonização. Nós trabalhamos com eles no projeto para fazermos o controle das

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"Subfinanciamento da saúde pública levou hospitais filantrópicos a um endividamento de R$ 20 bilhões"

Hospitais filantrópicos e Santas Casas do País enfrentam séria crise financeira porque os recursos repassados pelo SUS são insuficientes para manter esses centros hospitalares. Tereza Campos, a presidente do Fehospe que congrega essas instituições no Estado, fala sobre o problema. A pandemia evidenciou para os brasileiros a importância do SUS (Sistema Único de Saúde). Sem ele, certamente a tragédia provocada pela Covid-19 teria uma dimensão ainda maior no Brasil. O que talvez algumas pessoas não saibam é que os hospitais filantrópicos e as Santas Casas têm um papel estratégico para o sistema. Só para se ter uma ideia, em 824 municípios do Brasil, essas instituições são o único equipamento de acesso ao cuidado e à assistência em saúde, com uma representatividade no SUS de 70% do volume assistencial da alta complexidade e 51% da média complexidade. Apesar de toda essa importância para a saúde pública do País, os hospitais filantrópicos e as Santas Casas passam por uma situação muito difícil. Os recursos que o SUS destina a essas instituições são insuficientes para financiar as suas atividades, um descompasso que perdura há décadas, levando os hospitais a acumularem um endividamento de R$ 20 bilhões, sucateamento das suas estruturas físicas e tecnológicas. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a presidente da Fehospe (Federação dos Hospitais Filantrópicos de Pernambuco) e superintendente-geral do Imip, Tereza Campos detalha o problema e fala das reivindicações do movimento Chega de Silêncio encampado pela CMB (Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas) com adesão da Fehospe. Qual é a situação hoje dos hospitais filantrópicos e das Santas Casas? Os hospitais filantrópicos e Santas Casas, que têm participação efetiva no atendimento e na contribuição de formulação de políticas públicas de saúde, são essenciais para o sistema público, nas esferas públicas e privadas. No entanto, enfrentam um descompasso gigantesco que representa R$ 10,9 bilhões por ano de desequilíbrio econômico e financeiro na prestação de serviço ao SUS, de todo o segmento. O que levou os hospitais a essa situação? O subfinanciamento crônico do sistema público de saúde levou as instituições a um alto endividamento, com o acúmulo de valores na ordem de R$ 20 bilhões, sucateamento das suas estruturas físicas e tecnológicas. Esta situação foi agravada durante a pandemia da Covid-19, principalmente no abastecimento de materiais, medicamentos e insumos com preços elevadíssimos, além da inflação que atinge os custos dos nossos hospitais. Qual a importância desses hospitais no atendimento à população que utiliza o SUS e qual o tamanho da sua estrutura? O setor hospitalar filantrópico tem papel estratégico para o SUS. Nos serviços oferecidos pelo SUS, muitas vezes são únicos prestadores em municípios do interior do Brasil e, também, nos serviços de maior complexidade hospitalar em capitais e cidades de maior porte. A CMB (Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas) representa 1.824 hospitais filantrópicos brasileiros, são 169 mil leitos hospitalares e 26 mil leitos de UTI. Em 824 municípios do Brasil, a Santa Casa ou hospital filantrópico é o único equipamento de acesso ao cuidado e à assistência em saúde, com uma representatividade no SUS de 70% do volume assistencial da alta complexidade e 51% da média complexidade. Anualmente faz mais de 5 milhões de internações, 1,7 milhão de cirurgias e mais de 280 milhões de atendimentos ambulatoriais. Dependem economicamente destas instituições mais de 3 milhões de trabalhadores, com vínculo direto e/ou indireto. Em Pernambuco, os hospitais filantrópicos têm atuação igualmente relevante, em consonância com a sua condição na história nacional. Composto por estrutura assistencial de 35 unidades hospitalares que estão presentes em todas as regiões, do Sertão do Pajeú à capital, essa rede filantrópica representa uma atividade imprescindível e exitosa, assegurando uma cobertura na atenção à saúde eficaz, possuindo, inclusive, uma grande representatividade na assistência em alta complexidade. A Fehospe (Federação dos Hospitais Filantrópicos de Pernambuco) é uma instituição com sede no município de Recife, que congrega 24 Santas Casas e hospitais filantrópicos, que ofertam quase 4 mil leitos de internação e 705 leitos de UTI em assistência à nossa população, protagonizando o SUS em todo o Estado de Pernambuco. É evidente o patrimônio histórico e compromisso social dos hospitais filantrópicos no Brasil, que têm uma expressiva capilaridade e interiorização no território nacional. Qual é a reivindicação dos hospitais e das Santas Casas? Alocação de recursos na ordem de R$ 17,2 bilhões, anualmente, em caráter de urgência, em simultaneidade à aprovação do PL nº 2.564/20, como única alternativa de assunção das obrigações trabalhistas decorrentes do PL, assim como para a imprescindível adequação do equilíbrio econômico e financeiro da relação das instituições filantrópicas com o SUS. O que determina o Projeto de Lei 2564/20? A Fehospe está na defesa para a aprovação do relevante Projeto de Lei 2564/20 que altera a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, para instituir o piso salarial nacional do enfermeiro, do técnico de enfermagem, do auxiliar de enfermagem e da parteira. A proposta, o valor mínimo inicial para os enfermeiros será de R$ 4.750, a ser pago nacionalmente pelos serviços de saúde públicos e privados. Nos demais casos, haverá proporcionalidade: 70% do piso dos enfermeiros para os técnicos de enfermagem; e 50% para os auxiliares de enfermagem e as parteiras. O PL 2564/20 originário e aprovado no Senado, tramita na Câmara Federal e está com regime de urgência aprovado. O impacto deste PL para os hospitais filantrópicos que prestam serviços ao SUS é estimado em R$ 6,3 bilhões por ano. *Leia a entrevista completa na edição 193.4 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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"Sempre me apresentei como um paulistano de coração pernambucano"

Rodrigo Oliveira, Chef do estrelado restaurante Mocotó, de São Paulo, que se tornou conhecido por mostrar o valor gastronômico da cozinha sertaneja nordestina, fala da sua trajetória, da emoção de receber o título de cidadão pernambucano e dos projetos na fazenda da família no agreste de Pernambuco. Um dos mais badalados chefs da nova cozinha brasileira, Rodrigo Oliveira, ganhou inúmeros prêmios nacionais e inter- nacionais, como a estrela do Guia Michelin e ocupa o 23° lugar na lista do Latin America‘s 50 Best da revista britânica Restaurant, em 2021. Mas em maio receberá um novo reconhecimento que segundo ele “se compara a todos os maiores e mais honrosos prêmios” que recebeu: o título de cidadão pernambucano. Filho de pais nascidos no semiárido de Pernambuco, Rodrigo conquistou seu sucesso ao mostrar o valor gastronômico da comida sertaneja no Mocotó, restaurante fundado por seu pai na Vila Medeiros, periferia de São Paulo, que atrai de chefes de estado, aos vizinhos do entorno e até estrangeiros como o famoso chef televisivo Anthony Bourdain. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele fala da sua trajetória, da forte relação com o sertão pernambucano, do projeto Quebrada Alimentada, que distribui quentinhas para pessoas sem acesso à alimentação, e da primeira produção de farinha da fazenda da família no agreste de Pernambuco. Como surgiu a ideia de ser chef e trabalhar no restaurante do seu pai? É uma história longa. O Mocotó foi fundado por meu pai, José Almeida, um pernambucano, sertanejo retirante, que saiu do sertão fugindo da fome e da seca. Ele chegou em São Paulo jovem, com zero recurso, sem educação formal. Trabalhou na feira, em metalúrgica, fundição, malharia até que, com dois Irmãos abriu uma casa do norte, que aqui em São Paulo é um misto de empório e, às vezes, um bar. Vendia favas, feijões, queijos. Aí, os três irmãos começaram a se estabilizar, viram que era um negócio próspero. Resolveram montar a segunda casa do norte e um tempo adiante, montaram a terceira. Depois se separaram e cada um ficou com uma das casas. Meu pai ficou com a localizada na Vila Medeiros, onde estamos até hoje. Esse empório que tinha um “quê” de bar foi ganhando notoriedade, por servir um caldo de mocotó. Meu pai é um cozinheiro intuitivo, nunca teve formação na área e tampouco cozinhava, começou a cozinhar por necessidade. Só que ele tem um paladar tão fino, que mesmo sem haver na época essa tendência de comida saudável, de evitar excesso de gordura e sal, ele aplicava isso intuitivamente. O caldo de mocotó começou a ganhar fama e o empório foi dando lugar a um boteco modesto. Nasci praticamente dentro desse restaurante. Com 13 anos, já comecei a lavar prato, servir mesa, ajudar na cozinha. Hoje, vejo que o que me levou para lá não foi, especialmente, o apreço pela cozinha, mas a possibilidade de ficar mais perto do meu pai. Todos os finais de semana, eu trocava os passeios, as brincadeiras, os encontros com os amigos para lavar louças. Era difícil vislumbrar uma carreira ali e meu pai nunca me incentivou. Então fui estudar engenharia ambiental, depois troquei de curso, fiz gestão ambiental, até que conheci um cara que estudava gastronomia. Eu perguntei: gastronomia? Eles te ensinam a cozinhar? Ele disse que sim e era aluno do primeiro curso de gastronomia do País da Anhembi-Morumbi. Do convívio com esse cara, que se tornou um grande amigo, veio o encantamento por esse mundo, porque nossa família não tinha acesso a restaurantes, por cultura e por falta de recurso. Comecei a pensar: será que eu poderia ser cozinheiro? Porque eu era muito diferente dos chefs que estavam nas revistas e nos livros. E concluí: talvez não seja o aluno mais talentoso, mas serei o mais aplicado. Larguei a segunda faculdade para estudar gastronomia. Foi quando tive contato com esse mundo, descobri que essa base universal da boa cozinha se aplica desde ao restaurante estrelado, da hotelaria, até a barraca de rua ou ao restaurante nordestino da Vila Medeiros. Esse foi o nosso ponto de virada, quando entendemos que podíamos apresentar uma cozinha nordestina sertaneja autêntica, mas por meio de uma linguagem universal. Este é o grande feito do Mocotó: apresentar uma cozinha que sempre foi estigmatizada. O que se falava sobre a cozinha do sertanejo? Que era pobre, feia, grosseira, pesada. Imagina você reverter essa percepção! E é aí que o Mocotó se torna um restaurante notável porque – não digo que a gente cozinha melhor do que minhas tias e avós lá no Sertão, longe disso – mas conseguimos criar uma linguagem que não só o público daqui entende, mas que o mundo entende como uma cozinha de valor gastronômico. E é uma linguagem nova porque se você observar as listas internacionais de restaurantes das quais o Mocotó faz parte, nenhum se parece com ele, nem na forma, nem no conteúdo. Qual a proposta dos seus outros restaurantes? Em São Paulo temos o Balaio IMS, dentro do Instituto de Moreira Salles, na Avenida Paulista, um lugar belíssimo, dentro de um centro de arte. O Balaio é cozinha brasileira plural. A gente tinha muita vontade de trabalhar com o Brasil e lançar mão desse entreposto incrível que é São Paulo, que tem uma confluência tremenda de culturas. Temos também o Mocotó Café, que são três unidades, é uma versão mais expressa do Mocotó. Em Los Angeles (EUA) temos o Caboclo, talvez o primeiro restaurante de cozinha brasileira moderna. A gente leva a gastronomia do Brasil, mas com um sotaque californiano, porque seria um grande desperdício e talvez receita de insucesso ignorar aquele contexto riquíssimo. Queremos mostrar um Brasil moderno, sem estereótipos. Nossa ideia não era ter um grande restaurante brasileiro, mas ter um grande restaurante, notável por seus méritos, e que é brasileiro. Senão, vira um restaurante pitoresco. A cozinha brasileira não é notável só porque é exótica para o resto do mundo, mas porque temos ingredientes e técnicas de primeira linha e hoje temos chefs de classe

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"O C.E.S.A.R. tem o foco de formar lideranças empreendedoras".

Eduardo Peixoto, CEO do C.E.S.A.R., fala dos planos do centro de inovação, que incluem investir em startups e na formação de profissionais de TI com caráter empreendedor. Ele também analisa o impacto da aceleração digital nos negócios da instituição e as perspectivas do 5G e do metaverso. O novo CEO do C.E.S.A.R. Eduardo Peixoto tem acompanhado de perto a evolução da tecnologia da informação. Engenheiro eletrônico, começou a carreira na fábrica da Philips, então instalada no bairro do Curado, no Recife, onde vivenciou a transformação da telefonia, que passou de um processo mecânico para a automação. Ficou um tempo na Holanda, onde fez mestrado em redes de computadores, e na Suíça, onde atuou numa empresa de telefonia privada e automação bancária. Mas a saudade do Recife bateu mais forte e em 2001 foi trabalhar no C.E.S.A.R. “Fui atraído pelo propósito da organização: criar um ecossistema onde as pessoas que quisessem continuar se desenvolvendo e aprendendo tivessem um espaço”. E é com esse propósito que ele faz planos de ampliar a formação de empreendedores na C.E.S.A.R. School com ações como a abertura de graduação à distância e a distribuição de bolsas de estudos para pessoas em situação socioeconômica menos favorecida a partir de recursos captados no mercado. Outro foco é incentivar a criação de startups, uma atividade de muito sucesso num passado recente da instituição. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Eduardo Peixoto fala de planos e do impacto da aceleração da transformação digital no C.E.S.A.R. que levou a um desempenho em 2021 de R$ 350 milhões em vendas, superior em 50% ao resultado de 2020. Ele também aponta as perspectivas do centro de inovação para 2022 e as oportunidades resultantes do 5G e do metaverso. Quais são seus planos aí à frente do C.E.S.A.R? Vou voltar um pouco no tempo. O C.E.S.A.R. é o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife. A partir de 2006, percebemos que estávamos muito em “sistemas avançados” e pouco nos “estudos” e que seria importante, até para continuar fazendo sistemas avançados, que voltássemos mais à origem, trabalhando mais com a questão dos estudos. Silvio Meira sempre falou que toda boa empresa é uma escola na qual estaríamos nos reinventando constantemente. Criamos o primeiro produto, a residência de software, que foi muito útil para várias empresas com quem a gente trabalhava: Motorola, Alcatel e várias outras. Quando a Fiat veio se instalar aqui, usamos o programa de residência para formar 40 pessoas para o software center deles no Porto Digital. A partir dali, aprendemos a ensinar por meio do PBL (problem based learning, em inglês aprendizagem baseada em problema). É o processo “aprender com quem faz fazendo”. Os professores, na maioria, são do C.E.S.A.R. (por isso os alunos aprendem com quem faz) que aplicam o conhecimento para o estudante que também está fazendo, porque ele vai ter que botar a mão na massa para aprender. Daí a lançarmos um mestrado profissional de engenharia de software, que tem a maior pontuação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em mestrados profissionais e o mestrado em design. Mais na frente, veio a graduação e a criação da Cesar School. Temos esse foco de formar liderança empreendedora, que transforma a organização e a sociedade por meio de startups, pelo uso intensivo de tecnologias digitais e pelo aprendizado baseado no fazer. Temos hoje também um doutorado profissional do qual eu sou aluno, porque acho importante estar sempre me renovando. E os planos daqui para a frente? É exatamente aonde eu queria chegar que é o retorno da centralidade do conhecimento no próprio C.E.S.A.R. Com a formação de empreendedores e com um novo conhecimento, voltaremos a criar startups, como criamos no processo original. O spin-off do C.E.S.A.R. está muito bem no mercado, como Pitang, Tempest, Neurotech e outras tantas (spin-off é processo que identifica o nascimento de empresas a partir de outras já existentes, e que com isso ganham vida própria). São empresas que partem de um conhecimento e de um perfil empreendedor, para não ser mais uma cópia de um modelo de negócio sem muita diferenciação tecnológica. Esse é o plano, o sonho dos próximos 5 anos: ter uma integração muito maior de novo com a centralidade de um conhecimento do C.E.S.A.R., para que formemos mais empreendedores, impulsionando mais startups, e levar conhecimento distinto para empresas maduras, que são um portfólio maior de negócios que temos dentro do C.E.S.A.R. Essa centralidade acontece por meio de uma integração entre os negócios, que são a escola, os labs e a engenharia do C.E.S.A.R. E a partir disso, construir uma organização sem esquecer o que a gente construiu e que nos deu um impulsionamento muito grande que foi olhar primeiro para o colaborador. Estamos trabalhando muito forte em inclusão e diversidade. Hoje são 1.200 pessoas trabalham no C.E.S.A.R. e atuamos para que elas se integrem e participem das decisões. Tivemos também um aumento em participação do mercado não só em eletroeletrônicos, onde tínhamos um peso grande em razão da Lei de Informática. Isto porque as empresas desse setor têm uma redução fiscal e em contrapartida precisam investir em P&D (pesquisa e desenvolvimento), mas somente em parceria com ICTs (institutos de ciência e tecnologia) como é o caso do C.E.S.A.R. Esse é um fomento mais vertical, porque atua no setor de eletroeletrônicos, assim como a Rota 2030 voltada para a área automobilística. Mas há fomentos mais horizontais, como a Lei do Bem. São linhas de incentivo ao P&D no País. Em 2018, o C.E.S.A.R. era uma organização de R$ 100 milhões em vendas, dos quais mais ou menos 85% era proveniente da Lei de Informática. Em 2021, alcançamos R$ 140 milhões com o que chamamos de “não Lei de Informática” de um total de R$ 350 milhões. Em 2018 os negócios “não Lei de Informática” eram de R$ 15 milhões. Quais são os outros setores com os quais vocês trabalham? Entramos muito forte na mineração, que tem muito a ver com automação, óleo & gás, varejo e setor financeiro, inclusive

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"Máscara é uma peça do nosso indumentário sem prazo de validade para acabar"

Ana Brito, epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz/PE, analisa o atual estágio da pandemia e as possibilidades do surgimento de novas variantes do coronavírus. Também critica o Conselho Federal de Medicina que segundo ela “assumiu um papel de negação da ciência” Com a crescente redução dos casos de Covid-19 no Brasil, a evolução da atual pandemia para uma situação de endemia tem sido tema de debates e destaques no noticiário. Até o presidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar que pediria ao Ministério da Saúde para decretar que o País estaria agora num processo endêmico da infecção pelo novo coronavírus. Entretanto, para Ana Brito, pesquisadora médica do Instituto Aggeu Magalhães-IAM, Fiocruz, está havendo uma grande confusão sobre esses termos. Ana, que é epidemiologista e professora aposentada da Faculdade de Ciências Médicas da UPE, ressalta que apenas a Organização Mundial da Saúde pode decretar o fim da pandemia. Alerta também que um cenário de endemia não deva ser o desejável e sim o fim da transmissão do SARS-CoV-2. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ela analisa a situação atual da crise sanitária no Brasil e no mundo, comenta as sequelas da Covid longa e critica o que ela chama de “postura negacionista” do Conselho Federal de Medicina. A pandemia da Covid-19 no Brasil caminha para uma situação de endemia? Há uma grande incompreensão na determinação dos termos. Esses dados de pandemia, epidemia, surto são todos baseados em estatísticas. A classificação de uma doença como endêmica ocorre quando ela acontece com muita frequência num local. A dengue, por exemplo, é uma doença endêmica em Pernambuco. Desde os anos 1940 que nós não tínhamos caso de dengue no Brasil, o Aedes aegypt tinha sido praticamente eliminado das zonas urbanas do País. Mas em 1984, com a urbanização acelerada, com condições subumanas de habitações das populações, com a contaminação de rios e riachos e assoreamentos etc., ocorre a reintrodução do vetor, o Aedes aegypti. Desde então seus casos são monitorados e durante os anos foi construída uma média do número de casos esperados. Quando as doenças endêmicas, como a dengue, extrapolam o limite máximo esperado, ocorre um surto, se os casos estão circunscritos a uma área geográfica (como um município ou bairro), ou uma epidemia quando ela se dissemina em várias regiões. A pandemia é uma situação de ameaça à saúde da população que extrapola as fronteiras de países e de continentes. Se o problema já existia, é quando esse problema ultrapassa os limites esperados de tolerância. A denominação de pandemia é feita apenas pela Organização Mundial da Saúde, que reúne informações de mais de 190 países membros da Organização das Nações Unidas. Só a OMS pode classificar se a situação é de pandemia ou não. Ninguém mais. Não é correto que o ministro da Saúde diga que o Brasil está caminhando para uma endemia, ele não tem elementos, nem capacidade, nem foram deliberados poderes mundiais para que ele dissesse isso. Se a pandemia da Covid-19 vai evoluir para uma endemia, essa chave aí ainda não disseram para a gente. O desejável não é caminharmos para uma endemia, que não significa uma situação mais simples, significa a permanência do problema, só que a Covid-19 não estaria em níveis que extrapolam todos os continentes. O que a gente espera, como epidemiologista, é que haja uma homogeneidade na distribuição de vacina em todo o mundo, para que possamos caminhar para interromper a transmissão do vírus SARS-CoV-2, como aconteceu com a varíola, nos anos 1970. Se vamos para uma endemia, teremos que conviver com essa doença por várias gerações e fazer vacinas de reforço. Uma endemia custa muito caro a um país, porque a vacina é cara e temos mais de 20 vacinas no nosso calendário normal, que é bancado pelo SUS. Mas enquanto existir a circulação livre do vírus, vai existir a possibilidade de produção de novas variantes com escape tanto para a doença natural como para a vacina. Essa é a última onda? Não sei, ninguém sabe. Até agora a gente não sabe porque existe circulação livre do vírus na África, onde menos de 20% da população está vacinada no continente inteiro e, em outros países, mais de 30% da população não adere à vacina, o que é um crime contra a humanidade. Acho que lidar com essa questão é urgente. Não é possível que os países convivam com o negacionismo sem que essas pessoas sofram qualquer punição, seja punindo sua circulação livre ou pagando cotas altas. Mas nem dinheiro paga o adoecimento pela Covid. Como você analisa o atual momento da Covid-19 no Brasil? O que eu posso dizer hoje é que estamos entrando num processo de diminuição da taxa de transmissão do SARS-CoV-2, causador da Covid-19 e que este momento pode não ser de uma emergência sanitária para o Brasil. A denominação de emergência sanitária implica em questões sobre autorizações emergenciais de compras públicas etc. Existe um arcabouço jurídico que está por trás das definições dessas situações. Em relação à pandemia, posso dizer que ela persiste, porque a Covid-19 está em expansão, inclusive em países gigantescos como é o caso da China que tem um programa de tolerância zero à Covid-19. Eles têm uma forma de abordagem de enfrentamento baseado no diagnóstico, no isolamento, na quarentena e testes massivos para a população. Mas nas duas últimas semanas houve um crescimento em cidades com 17 milhões de habitantes que neste momento estão em lockdown. Taiwan, que é uma área muito próxima da China, que tem coberturas vacinais altas, também assiste a uma nova onda de Covid pela Ômicron. Portanto temos ainda o processo pandêmico porque a doença está em expansão no mundo. Mas alguns países, como o Brasil, já começam a vivenciar este momento que a gente chama de lua de mel da Covid, que significa um arrefecimento de casos e óbitos, com a população bem vacinada. Mas, é preciso correr para vacinar as crianças e particularmente as de 3 a 5 anos, que provavelmente vão começar a ser vacinadas, depende das liberações da Anvisa. Também

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"Apesar da pandemia, a Cepe continua sendo a maior editora pública do País"

Ricardo Leitão, presidente da Cepe, analisa a influência da crise da Covid-19 na venda de livros, e fala sobre a retomada e as tendências do setor. Também informa os projetos da editora, como a Coleção Recife 500 Anos, a produção de audiolivros e a realização da feira Miolos, dedicada aos editores independentes. Com o isolamento social, seria razoável supor que um número maior de pessoas no País aproveitasse esse tempo em casa para ler mais livros. Não foi, porém, o que aconteceu. O faturamento do mercado das editoras apresentou uma queda de 10% em termos reais em 2020, quando comparado ao desempenho de 2019, segundo a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro realizada pela Nielsen Book. Em Pernambuco, as vendas da Cepe caíram em torno de 20%. Resultado dos períodos em que suas livrarias permaneceram fechadas e eventos como feiras literárias e lançamentos de livros foram suspensos ou adiados. A retomada do setor, segundo seu presidente Ricardo Leitão, já começa a acontecer guiada por algumas mudanças. “A tendência é que não haja mais megalivrarias, mas livrarias de bairros, pequenas, segmentadas”, prevê. Otimista, mas cauteloso com esse novo momento, Leitão, nesta conversa com Cláudia Santos, fala sobre as dificuldades da venda de livros no País, o avanço do e-commerce, a importância das editoras independentes e os projetos da Cepe. Entre eles o lançamento da Coleção Recife 500 Anos e a produção de audiolivros. O primeiro a contar com a narração de atores será o clássico pernambucano A Emparedada da Rua Nova. Qual o impacto da pandemia no setor editorial? O impacto no mercado editorial daqui foi grande. Temos quatro livrarias próprias que ficaram fechadas durante a pandemia. Elas respondem por uma boa venda do varejo da Cepe. Além disso, o Circuito Cultural Cepe, que é uma série de feiras realizadas no interior, também não aconteceu em 2020 e 2021. São dois pontos de venda que a Cepe tem. O Circuito não aconteceu na forma presencial, mas digitalmente, o que perde muito porque o contato estimula muitas pessoas a comparecerem às feiras. Por outro lado, aumentaram as nossas vendas digitais, mas não na proporção para compensar as perdas dos eventos adiados ou cancelados. Qual foi o percentual de redução das vendas? As vendas no varejo caíram em torno de 20% e a receita da Cepe, que é em torno de R$ 50 milhões, reduziu em R$ 10 milhões. Chegamos no final de 2021 com esforço grande. Mas não deixamos de cumprir nenhum compromisso com pessoal e fornecedores. Reduzimos os custos no que foi possível, mantendo a atividade principal, que não é nem venda de livros: a Cepe foi fundada para editar o Diário Oficial que dá publicidade aos atos do governador e das prefeituras. Isso foi mantido rigorosamente todos os dias. Nossa receita caiu também porque não lançamos livro presencialmente. Um livro vende até 30% de sua tiragem num dia de lançamento de autógrafo. Agora estamos melhor, mas reduzindo um pouco a expectativa de lançamentos e o tamanho dos Circuitos Cepe de Cultura, com o objetivo de reequilibrar financeiramente a Cepe e crescer gradualmente as atividades. Nossa meta este ano é chegar a lançar em torno de 80 livros, porque é um bom tamanho. Quantos lançamentos a Cepe fazia antes da pandemia? Chegamos a lançar 100 livros e a Cepe se transformou na maior editora pública do Brasil, e está situada no Nordeste fora do circuito literário principal que é o Sudeste. Publicamos desde títulos infantis até livros baseados em teses acadêmicas. Isso também nos deu sustentação: se um segmento estava ruim, a gente investia no outro, se o livro físico estava ruim, a gente puxava o livro digital. Como estão as vendas do livro impresso? Um tempo atrás se dizia que ele ia acabar e ser substituído pelo e-book, mas não foi o que aconteceu. A expectativa era que a venda de e-book chegasse a 12% do mercado. Chegou, mas depois não cresceu, ficou estabilizada neste patamar. Acho que o gosto pelo livro imprenso se mantém. Também existe livro impresso que não serve para ser transformado em digital, como o livro de arte. Lançamos agora um livro que é uma retrospectiva do trabalho de Tereza Costa Rego, com 300 fotografias. A reprodução daquelas fotos no meio digital perde muito, não dá para ver uma tela de 13 metros de comprimento no visor do celular ou do computador. Existem outros tipos de livros que têm mapas e tabelas em que a leitura digital fica comprometida. Por isso é que eu acho que o livro impresso permanecerá. A televisão não matou o cinema, o livro digital não vai matar o imprenso. Mas o importante é que as pessoas leiam, a mídia é secundária. Leia a entrevista completa na edição 192.3 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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"O dólar e a inflação deixaram as cervejarias artesanais numa situação delicada"

Victor Lamenha, Presidente da Associação Pernambucana de Cervejas Artesanais, fala do impacto da pandemia no setor, que nos últimos dois anos sofreu com a redução do número de cervejarias e com o consumidor preferindo produtos com menores preços. Mas ele se diz otimista com a retomada este ano. Q uem é apreciador de bebidas certamente observou que nos últimos cinco anos as gôndolas de supermercados e os cardápios de alguns bares locais passaram a exibir uma variedade de cervejas artesanais made in Pernambuco. Um setor que ostentava crescimento em termos de demanda, produção e de players. Mas, assim como outros segmentos da indústria, sofreu impacto da pandemia, da alta do dólar e da inflação. Das 26 marcas associadas à Apecerva (Associação Pernambucana de Cervejarias Artesanais) apenas 9 continuam afiliadas à entidade. Mas apesar das adversidades, o presidente da associação Victor Lamenha está otimista. “Entendemos que 2022 é o ano em que as coisas vão melhorar, no sentido de haver um controle maior da pandemia”. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele também detalha outras razões para o seu otimismo como a inauguração neste semestre da Loja de Bebidas Pernambucanas no Marco Zero do Recife e o fato de o pernambucano dar valor ao que é da terra. A pandemia afetou o mercado de cervejas artesanais em Pernambuco? O mercado de cerveja artesanal é composto por indústrias e cervejarias ciganas, que são aquelas que não possuem fábrica própria e produzem nas indústrias de outras cervejarias. Elas compram insumos e uma indústria vai produzir para elas. O número que levantamos até agora é que havia 26 marcas – entre indústrias e ciganas – associadas à Apecerva e esse número caiu para 9 marcas. A redução do número de players foi muito grande e muitas empresas que fazem parte da cadeia indireta do mercado de cerveja artesanal, como PDV (ponto de venda), loja especializada em cerveja artesanal etc. também foram prejudicadas. Muita gente que montava evento diminuiu suas estruturas e entendemos que 2022 é o ano que as coisas vão melhorar, no sentido de haver um controle maior da pandemia. Já observamos um movimento de algumas marcas ciganas que podem voltar a produzir. Quais as causas que provocaram essa queda no número de produtores? O fator mais preponderante é que o consumidor na pandemia ficou muito sensível a preço e a maioria das indústrias de cerveja artesanal não consegue competir com as grandes marcas em termos de preço. Outro fator foi a pressão da inflação. A gente teve uma pressão muito grande no custo de produção dos insumos, das matérias-primas. Os insumos são importados e seus preços tiveram influência do câmbio alto? Existe malte produzido e comercializado no Brasil, mas trata-se de uma commodity que também é regida pelo mercado internacional. O lúpulo é outro item essencial das cervejas que sofreu muito impacto do dólar e esse, sim, é 99,9% importado. Além disso, o dólar pressionou o valor do vidro. Durante a pandemia enfrentamos a escassez de embalagens. O dólar também pressiona a economia como um todo, influencia no combustível, no lúpulo, no malte, nas embalagens. O meu entendimento é que o dólar e a inflação deixaram as cervejarias artesanais e a indústria de quase todos os segmentos numa situação muito delicada porque a gente não consegue repassar tudo para a ponta, porque o consumidor está muito sensível a preço, ele está buscando o melhor custo-benefício. A produção da cerveja artesanal começava com um hobby, que vai ganhando corpo, até se profissionalizar como um negócio? As cervejarias que permaneceram são as que estão mais estruturadas? As cervejarias ciganas, muitas vezes começam como um hobby, mas depois que ela vira cigana não tem mais como ser um hobby, porque agora ela assumiu um contrato com a indústria, comprou insumo, investiu num tanque de fermentação e maturação, comprou garrafa e rótulo. Tem que ir em frente, não tem mais alternativa. Muitas vezes, um advogado, por exemplo, resolveu abrir uma cervejaria para realizar o sonho dele. Isso é muito nobre, porque muita gente surgiu nesse contexto e veio com uma cerveja muito boa, veio para agregar, para somar no mercado e participou dos eventos do calendário da cerveja artesanal de Pernambuco que a gente tentou construir desde o primeiro ano da fundação da Apecerva. Eu vi cervejarias estruturadas, geridas por gente inteligente, fazendo cerveja muito boa que decidiu parar. Também há um detalhe: é mais fácil de fechar uma cervejaria cigana do que uma indústria. Acredito que, do mesmo jeito que foi fácil para eles pararem, pode ser que com a retomada, agora em 2022, seja fácil retornar. Entendo que não é porque eram mais desestruturados, acho que era porque eles tinham uma opção de pausar ou até desistir, porque o mercado de cerveja não é fácil, é muito competitivo. Brigamos com duas das maiores empresas do mundo, temos um market share de 2% (um pouco mais, um pouco menos). Assine a Revista Algomais para ler a entrevista completa: assine.algomais.com

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"Portadores de hipertensão e diabetes são os mais propensos a ter doença renal crônica"

No mês em que é realizada a campanha do Dia Nacional do Rim, a nefrologista Ana Carolina Pessoa alerta para a importância do diagnóstico precoce da doença renal crônica que só apresenta sintomas numa fase avançada e que pode levar o paciente à necessidade de hemodiálise ou de transplante. É comum algumas pessoas percorrerem vários consultórios médicos com queixas de cansaço, fadiga, falta de apetite, náuseas e vômitos, sem ter um diagnóstico preciso e um tratamento para eliminar os sintomas. Até o momento em que recebem de um nefrologista a notícia de de serem portadoras da doença renal crônica (DRC). Esse desconhecimento da enfermidade levou a Sociedade Brasileira de Nefrologia a focar a Campanha do Dia Mundial do Rim (que ocorre neste mês de março) em ações de educação sobre a DRC. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a nefrologista Ana Carolina Pessoa, dos hospitais da Restauração e Infantil Maria Lucinda, explica as causas da doença, que tem levado 140 mil brasileiros a serem submetidos à hemodiálise. A boa notícia é que ao se adotar hábitos saudáveis e fazer check ups frequentes, é possível prevenir ou retardar por muitos anos o desenvolvimento e a progressão da doença renal crônica. Este ano a Sociedade Brasileira de Nefrologia decidiu focar a campanha do Dia Nacional do Rim na educação sobre a doença renal crônica. Por quê? A doença renal crônica é a lesão irreversível da função dos dois rins – quando mantida por três meses ou mais – e suas causas mais frequentes no Brasil e no mundo são a hipertensão arterial sistêmica e a diabetes mellitus, doenças muito prevalentes na população. A doença renal crônica é silenciosa, ou seja, não causa sinais ou sintomas que levem os pacientes ao médico por causa dela. A grande maioria não sabe que apresenta problemas nos rins. Quando a doença já está muito avançada e a taxa de filtração de ambos os rins, muito reduzida, alguns pacientes podem procurar um serviço de saúde com queixas de cansaço, fadiga, falta de apetite, náuseas e vômitos. E apenas nos exames de sangue, muitas vezes numa UPA ou serviço de emergência, é que é flagrado o aumento da creatinina, o mais utilizado marcador da função dos rins. Não é incomum que o paciente procure um médico por essas mesmas queixas e acabe recebendo medicações para o estômago, vitaminas etc. e o diagnóstico de doença renal crônica não é realizado, mesmo após o paciente procurar diversos médicos. Infelizmente, muitas vezes, ele já chega ao hospital com doença renal crônica terminal, com necessidade de diálise de urgência, sem nunca ter antes recebido o diagnóstico de doença renal. Este ano a Campanha da Sociedade Brasileira de Nefrologia foca na educação sobre a doença em três pilares: educação para a comunidade – para que saiba mais sobre as doenças renais numa linguagem mais coloquial – educação para os profissionais de saúde, informando que na atenção básica, mesmo fora da população de risco, deve-se solicitar a dosagem da creatinina e o sumário de urina para fazer um check-up, uma triagem dos pacientes. Outro ponto: a função renal do paciente pode estar alterada mesmo com a creatinina dentro do valor normal para o laboratório de análise – isto porque o valor da creatinina depende da massa muscular do paciente. Exemplo: uma senhora idosa de 85 anos com 50 Kg com uma creatinina de 1,2 mg/dL tem a taxa de filtração dos rins bem menor que um jovem de 24 anos com 90 Kg com o mesmo valor de creatinina. O médico pode achar que a creatinina esteja dentro da faixa do valor de referência do laboratório e não deva encaminhar o paciente para o nefrologista. Por isso, é importante utilizar as calculadoras nefrológicas disponíveis no site da Sociedade Brasileira de Nefrologia e a mais utilizada é a CKD-EPI. A campanha deste ano também foca na educação dos formuladores de políticas em saúde pública, uma vez que a doença renal crônica é uma ameaça global à saúde pública, mas nunca priorizada nas agendas governamentais de saúde. Do ponto de vista populacional, programas de detecção de rastreamento precoce da doença deveriam ser incentivados. Quanto mais precocemente a doença renal crônica for detectada, melhor será a qualidade de vida para os pacientes, menores as taxas de mortalidade e sem contar a menor necessidade das terapias renais substitutivas (hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal) que mudam a vida do paciente e são muito caras para o Estado. Repetindo: o ideal é o diagnóstico precoce para que nós, nefrologistas, possamos atuar no sentido de diminuir a progressão da doença renal, talvez estabilizá-la por longos períodos e, caso o paciente necessite de uma terapia renal substitutiva, que ele chegue a esta terapia com boa qualidade de vida e bem-preparado – não precise iniciar hemodiálise de urgência nas grandes emergências como acontece atualmente. Qual a prevalência na população e qual o número de mortes que a doença renal crônica causa? Existem cerca de 140 mil pacientes em hemodiálise no Brasil. Mas esse número representa apenas os pacientes no estágio V, ou terminal. Muitos outros pacientes apresentam os estágios I, II, IIIa, IIIb e IV e nem sabem que são portadores de doença renal crônica. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, a prevalência da doença renal crônica no mundo é de 28% a 46% em indivíduos acima dos 64 anos de idade. De acordo com KDOQI (Kidney Disease Outcomes Quality Initiative) nos Estados Unidos, a doença renal crônica atinge cerca de 15% de toda a população adulta (acima de 18 anos de idade). Estima-se que em 2040 a doença renal crônica poderá ser a quinta maior causa de morte no mundo. A prevalência aumenta em todo o mundo junto com o envelhecimento da população e os maus hábitos de vida: quanto mais pessoas com diabetes e hipertensão sobreviventes, maiores as chances dessas populações começarem a apresentar complicações, incluindo a doença renal crônica. Outra causa pouco comentada é a presença de lesões renais agudas de repetição, que acomete, por exemplo, um idoso

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Flaira Ferro: "A arte foi um hospital de almas durante a pandemia"

Flaira Ferro, cantora, compositora e dançarina, que tem uma forte relação com o Carnaval, fala sobre a não realização da Festa de Momo, das releituras do frevo misturado a outros ritmos, da sua trajetória e ressalta a importância das expressões artísticas nestes tempos de crise da Covid-19. Flaira Ferro nasceu em pleno Carnaval e ao fazer 6 anos de idade pediu para a mãe levá-la para conhecer o Galo da Madrugada. Ao chegar no maior bloco de rua do mundo, ela começou a imitar a multidão dançando frevo e logo uma roda se formou em torno dela de pessoas admiradas com a destreza da pequena passista. Com tal habilidade, ela foi estudar na Escola Municipal de Frevo com o mestre Nascimento do Passo e chegou a trabalhar com Antônio Nóbrega. Mesmo com toda essa biografia, a dançarina, cantora e compositora diz estar resiliente com o fato de não haver folia este ano. “A prioridade tem que ser a saúde pública e todas as formas de sustentar a vida”. Uma resiliência que não a impediu de cantar a música com PC Silva Um frevo pra pular fevereiro (https:// youtu.be/WVRNYsoLGyE), um lamento pela não realização da Festa de Momo, cujo clipe foi muito visualizado na pandemia. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Flaira falou das novas releituras do frevo, dos seus projetos e da importância da arte neste período de pandemia. “Ela foi o nosso álibi, nosso lugar de nutrição do espírito, porque o que seria da gente sem poder ouvir música, sem poder assistir a filmes, sem poder ler livros?” Sua voz doce e tranquila cria um contraste interessante quando fala da fúria das suas letras sobre a condição da mulher e da sua geração que deu um novo impulso às questões feministas. “A raiva tem uma função fundamental para trazer equilíbrio quando as coisas estão muito opressoras.” Como tem sido pra você, que nasceu em pleno Carnaval, passar esse segundo ano sem a folia de Momo. “Me diz como a gente consegue esperar mais um ano?” como diz a canção Um frevo pra pular fevereiro. É sempre com muito pesar que a gente tem que atravessar esse momento, ainda mais pelo motivo que está impedindo o Carnaval de acontecer que é, de fato, essa pandemia em que a prioridade tem que ser a saúde pública e todas as formas de sustentar a vida. Então, óbvio que olhando mais do ponto de vista pessoal, a gente fica triste, querendo que que isso seja atravessado da forma mais rápida possível. Fico querendo inventar formas de criar um Carnaval em casa. Mas, se é pelo bem maior, acho que é muito importante trazer a consciência de que a gente não tem uma festa separada do contexto em que ela vive, né? O Carnaval, inclusive, é reflexo do momento histórico que a gente atravessa. Então, estou resiliente neste momento. É verdade que você começou a dançar frevo desde muito pequena? Minha relação com o Carnaval se deu logo na primeira infância, quando eu pedi de presente de aniversário de 6 anos a minha mãe para conhecer o Galo da Madrugada que é o maior bloco de rua do mundo. Eu via na televisão e ficava muito encantada com as imagens. Aí minha mãe atendeu o pedido e ali foi meu primeiro contato de que eu tenho a memória de estar adiante da dança do frevo, da música, com muita efervescência e me encantar muito com as pessoas, com aquela força lúdica, de ver os homens pintados, as mulheres fantasiadas, os idosos cheio de glitter. Lembro como um grande portal que eu estava conhecendo. A partir dali, eu imitava as pessoas nas ruas, imitava o povo dançando. Pedi para minha mãe uma sombrinha, mas era supercara R$ 50, que na época era muito dinheiro. Veio uma moça, amiga de minha mãe, que me deu a sombrinha e comecei a imitar as pessoas dançando. Logo se formavam rodas ao meu redor de pessoas apreciando ao me ver dançar. Eu tinha já uma facilidade de aprender, tinha uma coordenação motora que assimilava rápido os movimentos e a minha mãe viu que eu fiquei muito feliz. A partir daquele momento, teve todo um processo não de coincidências, eu diria de sincronicidades, que fizeram com que eu fosse parar na Escola Municipal de Frevo. E lá comecei a estudar com o fundador da escola, e criador do primeiro método de ensino do frevo que era Nascimento do Passo. Comecei a ter aulas, a participar de concursos, comecei a me destacar ganhando alguns prêmios como passista. E aí fui desembestando nos festivais de dança do Brasil, ganhando prêmios, sendo reconhecida e foi chegando a notoriedade, as mídias. Até hoje a dança é meu carro-chefe, é a minha primeira língua das artes, assim como o frevo é a matriz. Como você encara o frevo hoje? Muita gente reclama que é uma música só para o Carnaval, mas existem algumas releituras e misturas do ritmo e, por exemplo, na música Revólver você coloca uma atitude rock’n’roll no frevo. característica principal do frevo é a espontaneidade, é a improvisação, é a relação do povo em catarse. A música e a dança são meros reflexos dessas transformações do indivíduo, do corpo humano de quem nasce aqui, de quem bebe desse contexto de manifestações. Então, acredito que o frevo precisa acompanhar o nosso tempo e acompanhar as transformações das novas gerações que estão aí e das que estão vindo. Acho muito importante e é muito saudável a gente ter essa relação entre a tradição e a inovação de mãos dadas. Quando eu propus a música Revólver era o desejo mesmo de fazer uma canção que falasse de questões que estamos atravessando hoje, essa questão armamentista, essa ideia de solucionar a violência pelas armas, era um pouco essa brincadeira de falar do estado de espírito como o principal revólver para as transformações sociais. A própria estética sonora de fazer a música toda praticamente pelo computador, os beats serem timbres eletrônicos, era o desejo de experimentar estéticas

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