Arquivos Entrevistas - Página 24 de 28 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

O futuro é pra quem tem capacidade de aprender

Oscar Wilde sonhava com o dia em que as máquinas fizessem todo trabalho braçal realizado pelos humanos. Estamos muito perto disso, segundo Silvio Meira, um dos idealizadores do Porto Digital e professor extraordinário da Cesar School. Hoje colheitadeiras e caminhões autônomos já cortam a cana-de-açúcar e a transportam para a moenda sem a presença de trabalhadores. Mas, a tecnologia não foi capaz de liberar todos os homens para o desenvolvimento intelectual, como torcia o escritor irlandês. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, Meira prevê um aumento do desemprego ainda maior no País, caso não haja políticas e estratégias para inserirem o País entre as nações “provedoras de soluções para o mundo”. Ele também defende uma mudança profunda no sistema educacional do País. Analistas dizem que após a retomada da economia, grande parte dos desempregados não será absorvida pelo mercado. Você concorda? Sim e acho que a situação vai piorar muito por falta de estratégia, de visão de mundo e de políticas públicas. Temos um grande desafio histórico e contínuo que é a transformação do trabalho. O trabalho se transforma o tempo todo, se não fosse assim, estaríamos todos no campo. A agricultura aconteceu nos últimos 15 mil anos. Nos EUA, em 1850, havia 60% da força de trabalho atuando no campo. Em 2015, este percentual é de 3%, mas ao mesmo tempo, foram criados empregos nos setores de educação, serviços, de governo, financeiro, saúde e varejo. Nos anos 60 e 70, as fábricas contratavam grande volume do capital humano, que agora foi reduzido. Primeiro porque foram introduzidos novos parâmetros de qualidade do trabalho. Se você analisar uma fábrica de automóvel nos anos 50 ou 60, verá um esquadrão de pessoas dentro de cabines de pintura que eram quentes, com poluentes agressivos que encurtavam a vida de quem trabalhava nelas. À medida em que houve a automatização das fábricas, as pessoas foram retiradas dessas posições, que eram trabalhos repetitivos ou insalubres ou os dois, ou eram atividades nas quais humanos não conseguiam fazer com o mesmo grau de precisão repetidamente durante muito tempo. Esse processo de introdução de tecnologias da informação e comunicação e controle na sociedade vem acontecendo desde a década de 50 e chegou agora a um patamar de performance em que se tornou prático, econômico e viável, basicamente qualquer pessoa montar um negócio eletrônico em quase qualquer setor da economia. Qual a consequência disso? O trabalho que você estava fazendo ou será feito de uma forma radicalmente diferente ou vai ser feito num outro lugar, ou vai ser executado por um sistema de informação. A McKinsey (consultoria empresarial americana) fez uma estimativa que aponta que o Brasil terá uma força de trabalho, em 2030, de 110 milhões de pessoas. Temos uma taxa de desemprego da ordem de 15% hoje. A estimativa é que 14% da força de trabalho do Brasil vai ser deslocada (isto é desempregada) nos próximos 15 anos, ou seja, além dos 15% que estão procurando emprego, outros 14% terão o seu trabalho deslocado. Situação pior enfrentam países sofisticados economicamente. A Alemanha terá 25% da força de trabalho deslocada, porque eles investem mais rapidamente, têm uma indústria globalmente mais competitiva que precisa continuar competitiva. Na China, que terá 17% da força de trabalho deslocada, as prefeituras de cidades industriais estão investindo na robotização das fábricas para continuarem competitivas globalmente e os empregos mais sofisticados ficarem naquela cidade. O que você precisa proteger não é o trabalho nem o emprego, são as pessoas e elas só podem ser protegidas com educação. As escolas estão preparadas para formar profissionais para essa realidade? Não. O que as escolas do mundo fizeram até agora: sistematizaram o conhecimento do passado, prepararam esse conhecimento dentro de pacotes estruturados e entregaram para uma performance no presente, mas deveria ter uma certa continuidade para o futuro. Como vivemos no espaço de aceleração da evolução do conhecimento e sua aplicação na sociedade, as escolas têm que parar de fazer esse processo de codificar o passado. Precisam extrair do passado quais são as leis fundamentais para determinadas classes de trabalho ou de competências ou de performances que você quer no mercado e preparar as pessoas em função dessas leis ou das estruturas fundamentais de conhecimento de certas áreas para as pessoas continuarem aprendendo. Não existe mais o “me formei”, você tem que sair no último grau de aprendizado do qual você esteve com a cabeça de aprendiz. O futuro não é pra quem tem conhecimento, é pra quem tem capacidade de aprender. Se pegar a simples capacidade de saber coisas, ela está 100% disponível na internet. As pessoas têm que ter base para aprender continuamente. Isso significa: saber a língua do país e matemática (que inclui programação). É necessário capturar a expressão do mundo e entendê-la, perceber o mundo de uma maneira sofisticada, isso é línguas e os contexto linguístico na história, na geografia, na sociologia, na política e assim por diante. É preciso saber modelar o mundo, isso é matemática, e programar o mundo, isso é computação. São condições para fazer qualquer coisa em qualquer área. Se você quiser ser um profissional um pouco além do seu local, deve saber também inglês. Como os governos estão se preparando para esse desemprego futuro? Em países como Japão, Alemanha, Suíça, Singapura, Suécia, Coreia, a regeneração da máquina econômica funciona numa outra velocidade porque eles se interpretam como provedores de soluções para o mundo. Isso faz com que as novas indústrias demandem da máquina pública um conjunto de ações derivadas de políticas e de estratégias que vão prover esses caras com esse novo trabalhador. Ao invés de terem um montador de máquina, terão um programador de robô. O Brasil tem um megaproblema: possui pouquíssimas empresas que competem globalmente e todas as empresas globais competem dentro do espaço econômico brasileiro que é grande: um mercado 220 milhões de consumidores. O impacto disso é que pouquíssimas empresas brasileiras precisam de inovação e criatividade feita no Brasil, porque não competem globalmente, e quase nenhuma empresa global que compete

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"Muitas jovens mães se guiam pelo Google"

Décadas atrás, quando as famílias eram maiores, havia um convívio mais intenso entre parentes de diferentes faixas etárias e quase sempre contava-se com a presença de um bebê. Hoje, com os núcleos familiares menores, a primeira criança que muitas jovens mães pegam no colo é o seu filho. Sem referência, elas recorrem à ciência, livros de autoajuda, psicólogos e até à internet para encontrar uma receita sobre como cuidar dos pequenos. Neste mês em que se comemora o Dia das Mães, Cláudia Santos e Rafael Dantas, conversaram com a psicanalista Ana Rocha, do CPPL (Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem) para analisar essas mudanças. Ela também comenta a crescente participação dos pais nos cuidados com os filhos e a dificuldade dos adolescentes em vivenciar uma frustração. Hoje a mulher tem a opção de ser ou não mãe, ter filho mais jovem ou com mais idade. A escolha dessas opções traz angústia para ela? Penso que sim. Conquistamos a possibilidade de escolha, que é uma coisa muito importante. Há algumas gerações, a única razão de ser da vida de uma mulher era a maternidade e o casamento. Hoje você pode escolher a sua realização pessoal com ou sem a maternidade. Avalio que nisso há um gerador de ansiedade que não está restrito às mulheres. Em um curto espaço de tempo fizemos uma desconstrução vertiginosa de como era a vida há 100 anos. Era o tempo da família patriarcal, que se sustentava num mundo também extremamente hierarquizado, respaldado do ponto de vista da política dos Estados totalitários. As relações do mundo profissional eram muito hierarquizadas também. Tudo isso dava respaldo a essas famílias. Com os avanços dos princípios democráticos, como a igualdade de direitos, a inclusão e legitimação das diferentes formas de pensar e de existir, há uma transformação das relações que se tornaram mais horizontalizadas. Um mundo onde tem, potencialmente, lugar para todos. Estamos lutando por isso, que não está acabado. Mas, essa mudança teve desdobramentos para o núcleo familiar. A mãe naquele modelo antigo não perguntava o que ela precisava fazer com o filho. Isso se passava de geração em geração pela tradição. Quando desconstruímos isso, quem vai dizer o que é uma boa mãe ou um bom pai? Os livros de autoajuda? Os especialistas? A ciência? Os psicólogos? Os educadores? Isso provoca muita angústia. Esse é o nosso desafio, não só das mulheres. É saber como a gente vai criar um outro jeito de ser pai e mãe sem ficar no saudosismo de antigamente. Ainda não existe um novo modelo? Não. O que cada um precisa compreender, não só as mulheres, é que nós precisamos forjar o nosso jeito de ser pai e mãe dos nossos filhos. As pessoas não têm nos procurado para fazer uma terapia pessoal ou por achar que seus filhos precisam. Mas por insegurança. Por não saber como devem agir com os seus filhos nas mais diferentes idades. Os pais ficam muito preocupados, por quê? Apesar de tudo o que conquistamos, fica no imaginário de que aquela forma de criar do passado era a melhor do mundo. Mãe dentro de casa, totalmente dedicada aos filhos. Ora, é só a gente lembrar como eram as famílias no passado. Havia muito sofrimento também. Todas as grandes famílias que a gente conhece têm pessoas com muitos distúrbios. Aquele modelo não assegurava felicidade. As mulheres eram muitos infelizes. Por outro lado, é verdade que em determinadas etapas da vida da criança é necessário o cuidado dos pais presencialmente. Pelo menos nos dois ou três primeiros anos de vida, na primeira infância. Você não pode sair de manhã e retornar à noite quando o filho já estiver dormindo. A criança muito pequena precisa se realimentar da presença dos pais. Como tem sido a transformação do papel dos homens no cuidado dos filhos? As conquistas das mulheres têm favorecido aos homens para que se aproximem também dessa experiência do cuidar. Poder se envolver com seu filho, colocar para dormir, dar uma mamadeira, poder brincar. É uma experiência para além de chegar a criança pronta, tomada banho e o pai cheirá-la e entregá-la de volta para a mãe. Isso tem dado a chance para as crianças desenvolverem com os pais uma aproximação que nunca tiveram antes. Alguns homens têm tomado isso como oportunidade de enriquecimento pessoal muito grande. Enquanto outros se sentem extremamente humilhados por isso. As mulheres lidam bem com isso? Quando ficamos repetindo essa fala da dupla jornada é como se, de alguma maneira, houvesse a resistência de algumas mulheres de sair desse lugar de rainha do lar. Existe uma certa ambivalência. Ao mesmo tempo que há um orgulho enorme do que consegue fazer e dar conta, muitas vezes a mulher reclama do cansaço. Mas muitas delas não suportam ver os filhos se aproximarem muito do pai. Há um desalojamento que todos estamos fazendo. Se queremos olhar pelo lado negativo, podemos. Mas eu prefiro olhar pelo lado positivo. Todos ganham. Que tipo de transformações estão acontecendo nas crianças com a participação maior dos seus pais, em relação às outras gerações? Há um ganho enorme. Como isso pode ser mensurado? Há alguns anos era impensável um pai ter a guarda compartilhada. A não ser quem queria infernizar a esposa. Antigamente quando um homem se separava da mulher, via seus filhos a cada 15 dias. Todo processo de acompanhar, educar, protagonizar como figura paterna estava impedido. A maioria dos pais não fazia muita questão disso também. Não era uma coisa sofrida. Hoje, cada vez mais, o que vemos são os pais desejando compartilhar. Pegar o filho na escola alguns dias, levar para dormir em casa, algumas vezes na semana participando das atividades escolares. E o efeito que tem para a criança é de uma vinculação extremamente diferenciada quando os pais se ocupam dos cuidados com eles. As vezes se tem a ideia de que brincar com os filhos é o que eles querem. Ora, brincar é ótimo. Mas o que eles preferem mesmo é brincar com outras crianças. O que

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Nossa cozinha é muito mais que bolo de rolo

Nas últimas décadas, especialistas em gastronomia têm valorizado a singularidade de alimentos e a forma típica como são preparados numa área geográfica. É o tão falado terroir. Em Pernambuco, Claudemir Barros tem sido um dos chefs que mais enaltece a riqueza dos quitutes da terra. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele fala da influência de sua mãe, cozinheira do restaurante Leite, que fazia carne de sol e queijo coalho no quintal de casa, das suas pesquisas sobre a culinária sertaneja e da necessidade de estudantes e profissionais valorizarem os ingredientes nordestinos. Como começou a sua paixão pela gastronomia nordestina? Minha mãe foi cozinheira líder do Leite, naquele tempo não havia chef. Ela trabalhou durante 17 anos no restaurante e, por ser muito gorda, tinha medo de morrer e os quatro filhos ficarem à mercê. Ela, então, obrigava todos a cozinhar. Também obrigava a gente a plantar e ter o que comer no quintal de casa. A comida que eu lembro bem que minha mãe fazia era uma peixada. Mas ela valorizava também a carne de sol que era feita dentro de casa, assim como o queijo coalho. Vocês plantavam e faziam queijo numa casa no Recife? Morávamos no Jordão Baixo, que hoje é um bairro, mas antes era considerado como uma cidade interiorana. Como minha mãe foi do interior, fazia as coisas acontecerem dentro de casa. Ela colocava sal na carne e jogava no sereno para fazer a carne de sol. Como havia uma abundância de leite, ela fazia com que ele coalhasse e virasse queijo. Requeijão ela também fazia na própria panela e eu e meus irmãos aprendemos tudo isso. Como não tínhamos condições financeiras, tudo era feito em fogareiro e panela de barro. Como começou a trabalhar na área gastronômica? Como falei, minha mãe nos obrigava a ser cozinheiros. Minha irmã mais velha, aos 15 anos, ao ver a necessidade chegando em casa, foi procurar emprego. Hoje ela é aposentada como cozinheira de uma creche. Meu irmão encostado a ela, Jorge, fez curso de cozinheiro no Senac e foi para o quartel, onde trabalhou como taifeiro (cozinheiro). Hoje é oficial aposentado e, não cozinha mais. Cláudio é sub chef num hotel em Porto de Galinhas. Ou seja, a família toda está nesse ramo. Quando eu era menino via minha mãe ser procurada aos domingos – dia em que o restaurante Leite fechava – por pessoas que queriam que ela fizesse comida em suas casas. Eu dizia para mim mesmo: eu queria que um dia alguém chegasse na porta da minha casa me convidando para cozinhar. Sempre tive essa vontade de querer ser igual a minha mãe e, quando completei 17 anos, fui para o Senac me profissionalizar. Depois trabalhei num restaurante francês em Candeias, depois num outro numa praça do Shopping Recife. Em seguida, fui convidado a trabalhar no Sheraton, onde passei oito anos. Também trabalhei no hotel Golden Beach, em Piedade. Foi quando me mandaram para São Paulo fazer estágio e, quando retornasse, abriria o Mingus que hoje fica em Boa Viagem. Fui chef ainda do Wiella, desde a sua abertura, onde trabalhei 14 anos. Depois comecei a fazer consultoria. Foi quando meus atuais sócios me perguntaram: “por que você não abre um restaurante próprio?” Eu respondi: Por que não tenho tempo (diz rindo e esfregando o polegar com o indicador). Eles disseram: “a gente vai arrumar tempo pra você. Se você abrisse um restaurante, como seria?” Dei a ideia do Oleiro para eles. Eles me perguntaram quando estaria apto a abri-lo e respondi: quando vocês me arrumarem tempo (risos). Cinco dias depois eles me procuraram, dizendo que havia esta casa aqui, propondo o projeto. Como você fez a pesquisa sobre a culinária nordestina que resultou no livro Sonhos & Sabores? Falar da pesquisa é falar de estágios que eu fiz. Fui para São Paulo fazer estágio no Emiliano (restaurante) com a equipe do chef Laurent Suaudeau, um francês radicado no País há mais de 30 anos. Ele se destacou muito por valorizar os ingredientes do nosso País. Logo em seguida, estagiei com Alex Atala, que não preciso dizer quem é. Comecei a observar que essas pessoas cresceram olhando para trás, olhando os ingredientes existentes na sua região, valorizando-os. Foi quando comecei a pesquisar os costumes no interior. Fui a cidades como Frei Miguelinho e fiz um vídeo com um senhor de 84 anos. Perguntava o que ele comia, porque a comida dele era feita daquele jeito e sempre batia com aquilo que nossas mães ensinam pra gente dentro de casa. Passei a levar essas informações para eventos em São Paulo e me diziam que eu precisava tirar aquilo do vídeo e colocar no prato. Passei a fazer menu degustação só com ingredientes daqui. Virei uma referência tanto fora como dentro do Estado. O Recife é considerado o terceiro polo gastronômico do País. Em quê? Por quê? Vi a necessidade de mostrar uma cozinha pernambucana que é muito mais que bolo de rolo, não tirando o mérito, de maneira alguma, do bolo de rolo. Quanto mais eu pesquisava, mais uma coisa me levava a outra. Quando eu estava pesquisando um ingrediente, chegava um senhorzinho ou uma senhorinha e dizia assim: “você já comeu palma?” Eu havia assistido a reportagens sobre esse ingrediente e sabia que era considerado vergonhoso, porque é dado aos animais. Percebi que havia um leque de ingredientes exóticos no Sertão tanto quanto há na Amazônia. Mas há muito preconceito contra esses alimentos, não é? Existe, sim, o preconceito. Ele está alicerçado na região Nordeste. As pessoas têm vergonha do que comeram e ainda comem. Vou usar a palma como exemplo: quem come esse alimento sente vergonha porque as pessoas que vivem na cidade demonstram pavor dele porque aprenderam na televisão que aquilo era errado. Mas se a gente olhar com olhos gastronômicos, veremos que aquele alimento foi o que nutriu aquela família. Uma pessoa percebeu que o gado se nutria de palma e começou a dar também a seus familiares. E quantas pessoas

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É importante preservar direitos básicos do trabalhador

Bruno Baptista elegeu-se presidente da OAB-PE (Ordem dos Advogados do Brasil-seccional Pernambuco) concorrendo numa chapa única, algo incomum para a entidade, que sempre teve eleições disputadas, e para o momento atual do País onde as opiniões são tão radicalmente polarizadas. Nesta conversa com Cláudia Santos e Rafael Dantas, Baptista falou dos planos da sua gestão e da participação da ordem em assuntos importantes para o País e o Estado como a violência urbana e as reformas trabalhista e da Previdência. Quais são seus planos à frente da OAB-PE? Nossa meta é aproximar ainda mais a OAB dos advogados e da sociedade, para que sirva como uma caixa de ressonância da sociedade e da advocacia. Queremos valorizar cada vez mais as prerrogativas profissionais que são muito mais direitos do próprio cidadão. Quando você tem um advogado atuando com respeito às prerrogativas é o cidadão, o cliente dele, quem tem essa garantia. Também nos voltamos para os jovens advogados. Quando eu comecei, há 18 anos, a grande dificuldade era ter meu próprio escritório e pagar despesas de condomínio, secretária, telefone. Hoje, oferecemos dentro da nossa sede, um local onde o advogado vem gratuitamente e pode atender o seu cliente. Por outro lado, precisamos dar uma atenção maior para aqueles que atuam no interior. Por fim, planejamos uma gestão administrativa com transparência. A gestão anterior de Ronnie Duarte deu um grande avanço em relação a isso. Quais as ações para aproximar a OAB da sociedade? A OAB tem um papel que ultrapassa as barreiras das representações da classe. Todos os grandes momentos da história recente do País tiveram a participação da OAB. Então é fundamental que a OAB de Pernambuco tenha uma maior participação nos momentos importantes do Estado. Por exemplo, hoje nós enfrentamos um grave problema de insegurança pública e é essencial que participemos do debate, contribuindo e não apenas criticando, até porque não temos partido político. Nosso papel é contribuir. O mesmo acontece na saúde pública. A OAB, em razão do número de advogados que possui e em razão da representatividade da categoria, pode apoiar esses debates. Qual a análise que o senhor faz sobre a violência no Estado? Na implantação do Pacto pela Vida houve uma redução dos crimes dolosos contra a vida e de roubos, e a gente tinha uma sensação de segurança maior. Mas houve problemas na execução do Pacto Pela Vida. Ultimamente deu uma melhorada, mas ainda estamos longe da situação ideal. Não tenho dúvida de que um dos principais problemas que o cidadão tem hoje em dia é a insegurança de não poder andar na rua, de sair de casa sem saber se vai voltar, e de ficar preocupado com os filhos que estão na rua. Ano passado promovemos um debate com a participação de especialistas de todo o País, inclusive fizemos sugestões para o governo, como a valorização da carreira policial e o aparelhamento das delegacias no interior do Estado. Foram várias sugestões, algumas de fácil execução, que não demandam muitos recursos. O importante é congregar os esforços e que todo mundo – polícia, cidadão, OAB, judiciário, Ministério Público – participe para achar o melhor caminho. Como o senhor analisa o projeto anticrime do ministro Sérgio Moro? Vejo alguns pontos positivos. Mas existem muitas questões que ainda serão submetidas ao Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, a prisão após julgamento em segunda instância: não adianta se mudar a lei sem antes o Supremo determinar se isso é inconstitucional ou não. Minha opinião é que é. Mas o projeto não ataca o ponto principal da insegurança. Acho que elevar a pena de uma maneira geral não coíbe criminalidade. O que coíbe é a ausência da impunidade. Ninguém vai deixar de delinquir porque a pena é maior mas, sim, quando souber que delinquindo será preso efetivamente e irá responder pelo crime que praticou. As estatísticas mostram que a maior parte dos homicídios que acontece no País não chega à solução, assim como os roubos. A gente não pode encarar esse projeto como uma panaceia, uma solução de todos os males, porque não é. São necessárias várias outras coisas para a gente ter uma melhora na questão da insegurança e da criminalidade. Como vocês conseguiram o feito de concorrer com uma chapa única em tempos de tanta polarização? Isso é um motivo de muito orgulho para nós, já que vivemos em um momento de tanta divergência. Nossas eleições normalmente são bem disputadas. Acho que se deve a uma gestão bem aprovada e a uma chapa que representa todos os setores da advocacia. Nossa chapa tem mais de cem pessoas, tem todo tipo de advogado (iniciantes, veteranos, da capital, do interior). Essa pluralidade contribuiu muito para a formação da chapa única. Como o senhor avalia as críticas do presidente nacional da OAB Felipe Santa Cruz de que a Lava Jato não pode se prolongar por tanto tempo? A Lava Jato foi e continua sendo fundamental para o País. É muito importante para se acabar com a ideia que se tinha no Brasil de que os poderosos não são punidos. O presidente fez a declaração muito mais no sentido de criticar os métodos da Lava Jato e, aí, realmente eu acho que ele tem a razão, de que se extrapola às vezes o devido processo legal, como a ampla defesa. A crítica, eu acredito, tenha sido ao método e não à operação. Quanto à reforma da Previdência Social, como realizá-la sem afetar os direitos do trabalhador? Já está pacificado de que a reforma é necessária. Temos um sistema previdenciário, que vem dos anos 1980, 90, e ocorreram mudanças como a expectativa de vida da população. Hoje há pessoas que chegam à idade produtiva com 70 anos e que produzem muito bem. O que eu acho é que a reforma tem que focar em dois pontos. O primeiro é acabar com os privilégios, não se admite hoje a manutenção de privilégios, que eram justificáveis no momento em que tínhamos 30 pessoas contribuindo para um inativo. Hoje a proporção é de três

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"Há muito investimento represado"

Durante a campanha e no discurso da posse ao Governo de Pernambuco, Paulo Câmara prometeu estimular a geração de emprego e renda no Estado. Enfrentar esse desafio é a prioridade para o economista e empresário Bruno Schwambach ao assumir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Nesta entrevista concedida a Rafael Dantas, ele disse focar na atração de investimentos e no incentivo ao empreendedorismo. Qual a sua trajetória antes de atuar no poder público? Sou economista de formação e empreendedor por vocação. Comecei fazendo eventos em sociedade com amigos. Depois empreendi dentro dos negócios da família. Morei em Salvador durante cinco anos e montei as operações da nossa empresa por lá. Quando o mercado em que a gente atua (segmento de automóveis), começou a estagnar com a crise, começamos a olhar o que poderíamos fazer para gerar eficiência e diminuir a estrutura. Concentramos as operações e a gestão a partir do Recife. Fechando esse ciclo lá, optei por empreender em outros setores. Estava saindo em 2016 dessa operação, quando o prefeito Geraldo Julio me fez o convite para contribuir na gestão pública. Se fosse um pouco antes ou um pouco depois não daria, pois estaria mergulhado em outro projeto. Como foi essa experiência? A proposta era interessante, pois visava a pensar no desenvolvimento econômico de forma sustentável, passando pela formação de pessoas. Abrangia desde a mão de obra da cidade, envolvia as agências de emprego, escolas de formação profissional, empreendedorismo, economia solidária e artesanato. Conseguimos integrar um pouco essas áreas, trabalhando muito a questão da desburocratização. Isso criou um ambiente favorável para quem quisesse empreender na cidade. Tivemos alguns avanços, como reduzir o tempo para abertura de empresa de 100 dias para 72 horas. Agora na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, quais são seus planos? De novo fui pego de surpresa. Estava fazendo o trabalho na prefeitura, quando recebi o convite do governador para contribuir, desta vez no Estado. A principal missão ficou muito clara na forma como ele montou o secretariado e nas mensagens da campanha. A preocupação dele é a geração de emprego e renda. Vamos trabalhar todo secretariado e com o governador para melhorarmos o ambiente de negócios, aproveitarmos as oportunidades que possam acontecer, continuar os projetos que estavam em andamento e tentar retomar os que eventualmente pararam. Além de criar um clima favorável pensando sempre na geração de emprego e renda. Qual o foco dessas ações? Estamos muito otimistas com esse momento do Brasil. Em 2014, quando o governador assumiu, o País estava entrando numa crise econômica forte, que depois se desdobrou numa crise política e numa perseguição ao Estado desde o Governo Dilma. Depois vem o impeachment, Temer assumiu e também teve uma questão política muito forte contra Pernambuco. Depois, quando o ambiente nacional estava ficando mais favorável, a denúncia do Joesley Batista deixou o Brasil parado até a eleição. Ninguém tinha coragem para fazer investimentos. Estamos num novo contexto, com um novo presidente. Apesar de estarmos num outro campo político, na parte econômica vemos com bons olhos as medidas que eles apontam que pretendem fazer. Concordamos com um novo pacto federativo, com menos Brasília e mais Brasil, um maior liberalismo econômico. Espero que eles possam traduzir esse discurso em medidas concretas que tragam a confiança para o investimento privado voltar a acontecer. Há muito investimento represado. Precisamos de um cenário de estabilidade e de confiança. Tanto o investimento privado como recursos de fora devem chegar mais forte para o Brasil agora, se o Governo Federal conseguir implantar as medidas que anuncia. E Pernambuco? Cabe a gente estar preparado para esse momento. É uma função nossa estar com os projetos bons e prontos na mão, com essa articulação que Pernambuco sempre teve, por meio da AD Diper. Pretendemos manter isso e agilizar, pegando a analogia com o que aconteceu com a prefeitura. Queremos manter a tradição que Pernambuco tem, mas fazer da forma mais ágil possível. Não há uma preocupação de que a perseguição se repita, já que Pernambuco segue desalinhado politicamente com o Governo Federal? Estamos vivendo um novo momento. O Governo Federal ainda transmite sinais contraditórios, dependendo do ministério. Mas o que percebemos é que na parte da economia o discurso está muito firme, menos ideológico e mais consistente com as necessidades do País. O próprio governador pediu uma audiência com o presidente Bolsonaro para tratar das questões importantes para Pernambuco. Ele já deu sinais que desarmou o palanque e quer diálogo. Estamos esperançosos de que isso possa acontecer, com um diálogo mais coerente e correto possível, pensando na necessidade do povo. Acreditamos que não acontecerá nenhum tipo de perseguição ideológica. Quais as questões estratégicas que dependem do Governo Federal? Temos uma série de projetos de infraestrutura em andamento, como a Transnordestina e vários ramais da transposição do Rio São Francisco, que pretendemos implantar e que exigem convênios. Temos a parte das estradas, além de projetos de dragagem e recuperação do Porto do Recife. Sobre Suape, há uma série de projetos de infraestrutura que dependem do Governo Federal e que são importantes. Também partiremos em busca da iniciativa privada. Quais os setores em que é possível atrair investimentos privados? Quando falamos de Pernambuco sempre falamos do mercado do Nordeste. Pernambuco tem uma posição geográfica estratégica importante para a região. Na medida em que a gente consiga ter confiança na economia, tenho segurança de que esses investimentos irão acontecer. Cabe a Pernambuco estar preparado para isso e buscar esses investimentos. Temos uma estrutura montada para isso, inclusive com inteligência de mercado para identificar os segmentos potenciais. Um exemplo é a privatização do Aeroporto do Recife, que está iminente de acontecer. É outra interlocução que pretendemos fazer com o Governo Federal. Quais os alvos do Estado? Temos a previsão de uma ampliação de toda a estrutura da FCA (Fiat Chrysler Automobiles), que é um investimento muito importante, dos sistemistas e de novos produtos. Eles têm batido recordes de produção e estamos brigando com outros países e estados por esse investimento de produtos novos. Em Suape temos os

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"Caruaru é a última a entrar na crise e a primeira a sair"

Com uma tradição de empreendedorismo e uma economia pulsante, Caruaru vive o desafio de profissionalizar seu capital humano e de transformar empreendedores em gestores. Mas a Capital do Agreste já deu largos passos nessa direção com a chegada das universidades e de jovens empresários. Eles preservam os ensinamentos dos pioneiros – que transformaram a cidade num polo econômico da região – e reinventam soluções para o atual momento. Luverson Ferreira, o novo presidente da Acic (Associação Comercial e Empresarial de Caruaru) faz parte dessa geração. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele fala das suas ações à frente da entidade, das perspectivas econômicas da Capital do Forró diante da recessão e da concorrência com os produtos chineses. Quais os planos para sua gestão? O grande desafio da Acic, hoje, é o mesmo que qualquer empresa enfrenta: continuar sendo relevante na vida dos clientes, no nosso caso, dos associados. Com toda a velocidade das mudanças na economia, muitas pessoas estão se reinventando e as associações também precisam se reinventar. Antigamente uma associação vendia produtos, como comunicação, informação ou network. Antes, você precisava ocupar certo cargo para ter acesso à informação. Hoje, você a tem em abundância. O que você precisa ter para continuar sendo relevante? Essa é uma das perguntas que a gente precisa responder. Antigamente você via até 15 grandes grupos na região. Hoje vemos 50 pequenos e médios que fazem um movimento maior do que aqueles grandes, muitos dos quais nem existem mais. Então, existe essa pulverização do capitalismo. A Acic tem uma vantagem que são as câmaras setoriais. A da construção civil, por exemplo, reúne empresas do ramo e faz com que elas saiam da percepção de concorrência para abrir um leque de parcerias, porque existem muitos assuntos comuns que não dizem respeito à mecânica do negócio, mas à mecânica do setor. Ao conversar com um órgão público você tem muito mais efetividade em se apresentar como uma câmara setorial do que como CNPJ. Os ganhos da Acic e das câmaras setoriais dos últimos dez anos foram enormes, desde redução de impostos a novas normas municipais ou estaduais. As câmaras têm sido responsáveis por alguns grandes eventos na região. Hoje a nossa associação comercial é a maior do Norte/Nordeste, com mais de 2 mil associados e é destaque até nacional. Alguns produtos nossos são nacionais, como por exemplo, o estágio da Acic. Ao todo são quantas câmaras setoriais? São 20. Claro que umas são mais desenvolvidas que outras, porque os setores têm características muito diferentes. O de beleza, por exemplo, me chamou a atenção pela união. Eles começaram a fazer uma feira com cerca de dez expositores e hoje já estão planejando outra com cerca de 70 e patrocínio nacional. Nosso grande desafio é resgatar o associativismo numa conotação mais moderna. Eu, enquanto presidente, tenho como característica a gestão compartilhada. Temos hoje seis vice-presidentes – estou trazendo essa novidade por causa do tamanho em que se encontra a Acic – e uma nova diretoria, que tentamos compor da forma mais diversa possível, trazendo gente da Acic Jovem, da Acic Mulher. Nossa ideia é ampliar ainda mais as câmaras setoriais, que oferecem conhecimento técnico, oportunidade de interação com os agentes públicos e de negociar eventos e ações em bloco. É como se fossem miniaturas da Acic. Qual seu ramo de atividade? Venho de um grupo de empresas familiares que tem origem na feira. Meu pai começou a aprender o empreendedorismo com 8 anos na feira e criou o Grupo Avil para fornecer produtos para o iniciante Polo de Confecções. No início, pessoas como o meu pai e outros dois ou três começaram a trazer os aviamentos e tecidos do Sul para começar a financiar a indústria local. Já existia a feira da Sulanca, mas a profissionalização do polo, com a ampliação das indústrias, foi mais ou menos criada nessa época. Inicialmente éramos só revendedores e depois passamos a ser importadores de tecido (a importação ainda representa muito para nós) e começamos a produzir um volume pequeno de malha para atender o mercado. Em 2009 abrimos outro braço do grupo com a compra do terreno e desenvolvimento do Shopping Difusora. Criamos, então, uma série de empresas e negócios ou para dar apoio ou que complementasse o shopping. Temos também empresas imobiliária e de tecnologia que foi criada, inicialmente, para dar suporte ao shopping e hoje atendemos em nossa rede 60 mil pessoas. Temos ainda empresas de água mineral, que também tem sinergia com shopping pelo fato de a região ter falta d´água, de franquias, para atuar com a Sérgio’s e a Delta, além da construtora que praticamente usamos para construir, reformar e adaptar os imóveis que a nossa imobiliária adquire. Somos quatro filhos, três fazem parte do negócio e o outro é advogado e atua como prestador de serviço. Estudei e morei no Recife durante oito anos e vim para Caruaru. Aqui estou desde então e não quero sair. Fiz economia e gestão de varejo e no meio do curso tive que voltar para desenvolver o shopping, que vai fazer dez anos em maio. Em Caruaru não havia fast food há dez anos. A gente trouxe o primeiro McDonalds e o primeiro Burguer King. Até a publicidade do interior mudou. Como você vai apresentar a uma marca um shopping no interior do Nordeste? A gente teve que estudar bastante, fazer muita pesquisa para mostrar que aqui é um polo que congrega várias cidades e que Caruaru tem infraestrutura para atender todas elas: cinema, lojas, restaurantes, hotéis, empreendimentos imobiliários. As outras cidades se abastecem em Caruaru. Fizemos uma pesquisa num raio de 60 km e tínhamos um milhão e meio de pessoas, contingente que inclui a população flutuante, atraída pelo movimento da feira, colégios, universidades. Qual a consequência da vinda das universidades para a cidade? Somente a Maurício de Nassau possui 8 mil alunos, a Favipe, 11 mil. Essas pessoas estão adquirindo conhecimento, tendo vivência na cidade. Caruaru sempre foi uma terra muito fértil para negócios, mas muita

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“Caminhamos para algo novo na literatura”

Ronaldo Correia de Brito recebeu os jornalistas Cláudia Santos e Rafael Dantas com uma crise de blefarite (inflamação nas pálpebras que provoca lacrimejamento). Médico de profissão, além de escritor, ele intuía que “seu pranto” devia estar relacionado à maneira pouco acolhedora como os profissionais têm tratados os pacientes. Também lamentou que smartphones estejam levando as pessoas a lerem menos. Mas contou entusiasmado sobre os novos rumos da literatura com o advento das edições cartoneras, que fazem produção independente de livros de forma artesanal. E comemorou o sucesso de mais de três décadas do espetáculo Baile do Menino Deus, que é tradicionalmente encenado no Recife em dezembro, e em comunidades, escolas e teatros em todo o País. Escritor premiado, com obras traduzidas para vários idiomas, Ronaldo conversou com a equipe de reportagem da Algomais no seu amplo apartamento, decorado com obras de arte e com uma varanda que lembra a das casas de fazenda do sertão cearense onde nasceu. Você nasceu no Sertão cearense e quando veio para o Recife? Nasci na cidade de Sapuí, meu pai era criador de gado e plantador de algodão. Quando eu tinha 5 anos, ele percebeu que eu tinha muito interesse por leitura e decidiu que o campo não tinha mais nada a oferecer para a nossa geração e mudou-se para o Crato. Aos 17 anos, em 1969, venho para o Recife para fazer o vestibular para medicina. Ou seja, ano que vem vai fazer 50 anos que eu moro aqui. Já até recebi título de cidadão recifense. Cheguei aqui um ano depois da decretação do AI-5. Havia um clima de muita tristeza e repressão na cidade. Eu era um estudante bastante modesto. Passei no vestibular na Federal em 1970. A Faculdade de Medicina era extremamente repressiva, a Comissão da Verdade, inclusive, apurou que duas universidades brasileiras tinham aparelhos repressivos montados, uma delas era a UFPE. No meu romance Estive lá fora faço essa acusação sem provas. Como essa repressão se expressava na prática? Por exemplo, nosso professor de anatomia interrompia a aula e dizia: “se vocês não se comportarem vou chamar o 4º Exército e vão todos em cana”. Ele se chamava Bianor da Hora e era irmão de Abelardo da Hora. Imagine! Eu morava na Casa do Estudante Universitário que tinha 196 alunos homens. A gente sabia que na casa havia alunos infiltrados para delatar. Em 1969 foi quando mataram o padre Henrique e balearam o estudante Cândido Pinto, que era irmão de um estudante de engenharia, que depois ficou muito ligado a mim, foi meu vizinho. Acompanhei Cândido Pinto até ele morrer em consequência da paraplegia que o vitimou. Mas havia um lugar onde se respirava: o Departamento de Extensão Cultural. Um lugar maravilhoso, coordenado e dirigido por Ariano Suassuna, frequentado por Gilvan Samico, Francisco e Débora Brennand, Roberto da Cunha Melo, poetas, escritores, músicos. Fora isso, éramos estudantes ousados, vivíamos tempo da contracultura e não era fácil usar sandália de pneu, cabelo encaracolado grande, camisa de listra de malha com o umbigo de fora e uma calça tomara que caia mostrando os pentelhos (risos). Era um tanto exótico, mas eu era um bom estudante. Por que você optou por medicina? O que é que se ia fazer para se viver? Não se podia viver de poesia, nem de música naquele tempo. Ia-se viver do direito, da engenharia ou da medicina. Eu gostava de medicina. Acho que foi uma das melhores escolhas que fiz na minha vida. Não seria o escritor que sou, não teria chegado à literatura que cheguei se não fosse médico e acho que igualmente não seria o médico que fui se não fosse um intelectual, um artista, uma pessoa com alma e vida de artista. Qual sua especialidade? Sou clínico, sou de uma geração que tive a sorte de ter sido formado por pessoas que tinha o pensamento moderno de formar médico clínicos, os chamados médicos de medicina interna, preocupados em olhar e ouvir o doente, em tocá-lo. Eu digo que me torno médico quando passo a trabalhar com essas pessoas que são o famosos Dr. Chicão, e Vítor Spinelli e a frequentar os hospitais) Agamenon (Magalhães), Barão de Lucenan e Getúlio Vargas, de cuja residência fui chefe alguns anos, e sobretudo quando conheci minha mulher, Belina Brandão, com quem estou há 43 anos, e que era uma médica extraordinária, era minha preceptora no internato do Barão de Lucena. Ela é quem me encaminha mesmo para a medicina, que mostra o que é medicina. Onde é que a medicina se encontra com a literatura? Elas se encontram a todo instante. Sempre fui preceptor de médicos residentes e sofro muito em perceber o quanto a medicina se afastou do sentido grego de arte da cura. A medicina se faz principalmente olhando, ouvindo, tocando o paciente e perguntando: por que você sofre? O que eu posso fazer para aliviar o seu sofrimento? São perguntas muito simples que foram abandonadas e são os princípios da medicina hipocrática. Digo que a minha blefarite (inflamação das bordas das pálpebras que provoca lacrimejamento), meu pranto, vem de muito tempo com a própria medicina. Há uma grande tradição de escritores médicos, um dos que me marcaram profundamente foi Anton Tchecov. Ele costumava dizer que a medicina era a sua esposa e a literatura e o teatro eram sua amante. Guimarães Rosa, que também era médico, disse que três coisas o fizeram ser um escritor: a convivência com o povo, a vivência da Segunda Grande Guerra e a medicina. O meu último livro Dora sem véu há um personagem que é paciente e se queixa do médico que não o escuta. Certa vez eu estava no hospital e ouço um canto, que é arrebatador, vem das entranhas da terra, é bonito, é antiquíssimo. Que canto é esse? E eu saio procurando a voz, e chego numa enfermaria que tem duas mulheres, uma é uma negra, de mais de 80 anos, a outra, de uns 60, com uma bíblia. A negra é quem cantava. Eu digo:

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A meta é dobrar o faturamento do Porto Digital

O novo presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, assume o cargo em plena efervescência do Rec’n’Play, mas parece já estar adaptado ao ritmo frenético da área de tecnologia da informação e comunicação. Afinal, ele era conselheiro do parque tecnológico e do CESAR. Porém, o fato é que adaptação não é problema para esse versátil professor universitário, que já foi reitor e vice-presidente do Diario de Pernambuco. Nesta conversa com Cláudia Santos e Rafael Dantas, Lucena afirma ter planos ousados, como dobrar o faturamento e atrair mais 10 mil pessoas para trabalhar no setor de TIC pernambucano. Qual o conceito do Rec’n’Play? É um festival de tecnologia em alto nível, essa é a ideia inicial para mostrarmos o que está sendo feito aqui dentro do ecossistema. O evento é distribuído em oficinas, mas a ideia é que envolva o bairro todo, como um evento de rua. Haverá a jornada dos MC´s na rua Rio Branco e estamos trazendo shows de bandas em início de carreira. O ano passado tivemos Flayra Ferro, que é uma pessoa de grande talento. Só na parte de conhecimento teremos quase 200 eventos nesses quatro dias de Rec’n’Play, trazendo convidados internacionais, muita gente de outros estados. Mas a ideia é trazer as pessoas que residam na cidade para o Bairro do Recife para que elas conheçam o que está sendo feito dentro desse ecossistema. Esse é o momento de mostrarmos o Porto Digital para o Recife. Quais os destaques da programação? Estamos trazendo a empresa EA Games para falar sobre o futuro do mundo dos games. A prefeitura está trazendo uma oficina de WhatsApp para idosos, que foi um sucesso ano passado, e esse ano vamos trazer de novo. O Sebrae também está com uma programação muito focada na indústria criativa. São mais de 260 atividades que serão promovidas. São atividades para pessoas de 5 anos até 80 anos. Qual a importância do evento para o Bairro do Recife? A revitalização do bairro é um projeto contínuo do Porto Digital. Se o Bairro do Recife não tivesse o Porto Digital, talvez sua situação estivesse muito pior. A gente consegue dar vitalidade econômica social para esse ambiente. O Rec’n’Play, na verdade, vem consolidando esse papel do Porto Digital que visa ao desenvolvimento do Centro da cidade. O Bairro do Recife é uma área central diferenciada em relação a outras capitais do Brasil. O evento também atrai pessoas de outras cidades? Sim. Acho que o último levantamento que fizemos, há um mês e meio, mostrou que as pessoas que se registraram no Rec‘n’Play virão de 53 cidades diferentes. Dessas, 33 eram de fora de Pernambuco. É uma forma de turismo tecnológico. O evento vai discutir melhorias para o Bairro do Recife? Sim. Uma das trilhas previstas do festival é justamente a que denominamos de cidades, que traz muitas oficinas de soluções urbanas. A gente quer mostrar soluções reais para problemas reais. A gente tem dois exemplos bem legais do Rec’n’Play do ano passado que se tornaram realidade e ficamos muito felizes. A gente faz uma maratona do Hackathon Cidadão, que é feito junto com a Emprel e a prefeitura. No ano passado a temática deles foi a segurança da mulher. O aplicativo vencedor foi o Freeda, que o usuário coloca no mapa pontos de riscos para mulheres e esses riscos podem ser desde o local onde você foi assaltado, à área onde que o poste está com a luz queimada. Este ano ficamos sabendo que a Secretaria da Mulher integrou o Freeda ao sistema de boletim de ocorrências dela. Isso para nós é fantástico, nós vamos atrás de soluções que gerem impacto real para as cidades. Quais foram os outros legados do Rec’n’Play? Teve outro evento interessante que a Secretaria de Turismo da Prefeitura fez no ano passado no Apolo Beer Café. Foi uma chamada aberta para membros da sociedade civil para debater um plano de turismo criativo na cidade do Recife. Este ano vamos ter, novamente com a prefeitura, uma cerimônia de validação desse plano. Em termos de negócios, vários contratos estão sendo viabilizados. Meu pontode vista é que o Rec’n’Play é o pontapé inicial de várias reverberações de negócios que acontecem o ano todo. E essas atividades são tanto nacionais como internacionais. Nós promovemos essas conexões. A proposta é colocar pessoas de backgrounds diferentes para conversar. Esse ganho é imensurável. O que a gente consegue dizer é que foram legados que vieram para cá, vão ser tocados e vão ser legados para a cidade toda. Quais são seus planos da sua gestão à frente do Porto Digital ? Eu tenho uma meta dada pelo Conselho que é de dobrar o faturamento do Porto Digital (que hoje é de R$ 1,8 bilhão, de acordo com o cálculo do ISS) em cinco ou seis anos. A ideia principal é começar a focar nos resultados que precisam ser alcançados. Um deles refere-se ao número de empresas que formamos. Hoje são 300 e precisamos chegar a 600. Também temos que dobrar o faturamento para mais de R$ 3 bilhões por ano, além de também dobrar o número de gente trabalhando, algo perto das 20 mil pessoas. Esse crescimento será em três eixos: primeiro de pessoas, pois estamos falando de trazer mais 10 mil indivíduos para trabalhar aqui. Significa trazer gente formada, que tem a sua especialização, muitos na área de TI, que é uma formação muito específica o que não é uma tarefa fácil. Recife, Olinda e Jaboatão hoje têm 160 mil estudantes universitários, 70 mil não têm interesse no digital, então sobra 90 mil. Se você tirar desse contingente pessoas que vão fazer concurso, que querem sair do País, sobra umas 30 mil pessoas. Para tirar 10 mil pessoas de 30 mil teríamos um grande desafio. Não é uma tarefa tão fácil em um período tão curto. Então o primeiro eixo seria criar uma porta de entrada. Estamos conversando com a prefeitura sobre isso para fazer uma parceria com a Agência de Trabalho. O segundo eixo é a parte

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"Antes a criança era trelosa, hoje tem transtorno"

A psicanalista Ana Elizabeth Cavalcanti, integrante do CPPL (Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem) traz alguns questionamentos preocupantes sobre as crianças atuais que têm contato precoce com tablet e smartphone, vivem longe do espaço público e com a ausência dos pais. Nesta conversa com Cláudia Santos e Rafael Dantas, ela também questiona o diagnóstico de transtornos mentais baseados numa visão menos humanista e “mais medicalizante”. Os pais atuais culpam-se pelo pouco tempo que passam com os filhos. Como você vê essa realidade? As pessoas estão demandadas de uma forma excessiva, você precisa ter sucesso a qualquer custo, e para isso começa assumir compromissos com um ônus de muito trabalho. Por isso, os pais têm mesmo pouco tempo com os filhos, mas há uma certa idealização do que seria estar com eles. As mães da minha geração nem trabalhavam, mas elas não brincavam com os filhos, eles brincavam com outras crianças nas ruas, com os próprios irmãos, porque as famílias eram numerosas. Criança gosta muito de brincar com criança. Hoje há essa exigência de ter que brincar com os filhos, acho isso um complicador que quebra um pouco a espontaneidade da relação. Mas, ter pouco tempo é uma realidade, então vamos ver quais os arranjos que se têm que fazer para estar com os filhos. É mais importante a qualidade do tempo do que a quantidade? Veja, crianças precisam de tempo com os pais. Hoje é comum as mães terem seis meses de licença maternidade, depois vão trabalhar. Saem de casa às 7h e chegam às 10h da noite. Isso não pode, uma criança de 6 meses não tem memória suficiente para reter a presença da mãe ou do pai durante tanto tempo. As consequências disso são inúmeras, desde as mais tristes, como crianças com sintomas graves, mais depressivas e que se isolam, até os mais leves como a pouca segurança. Mas as consequências não são algo que possamos determinar precisamente. Porém, não faz bem ao filho ter pais sem tempo para ele. Quanto menor uma criança, mais tempo você tem que ter disponível para estar com ela. Então, dentro dessa loucura que está a vida de todo mundo, tem-se que arranjar um tempo que deve ter, obviamente, qualidade. Quais as consequências causadas pelas novas tecnologias nas crianças? Temos observado efeitos indesejáveis. Mas, a tecnologia não é boa, nem ruim. Em relação aos valores, ela é neutra. Mas está havendo a inserção de tablets e smartphones na vida das crianças muito pequenas e eles têm substituído, muitas vezes, o contato com gente, o que é prejudicial. Como hoje em dia não se pode mais ter uma cozinheira e uma babá, muitos pais, quando chegam em casa, vindos do trabalho, têm várias tarefas para executar. Por isso, colocam o tablet, o computador ou a TV para distrair o bebê. Essa troca com os aparelhos não permite que nós nos subjetivemos, ou seja, nos tornemos gente. As trocas iniciais do ser humano devem ser entre pessoas e ocorrem por mediação da linguagem, porque nós, humanos, falamos. A criança chama, demanda do outro, o outro responde para ela de uma forma muito singular. Uma criança que faz o processo de desenvolvimento com longa exposição à tela desenvolve determinados padrões frente ao outro. É uma relação de muito mais passividade, em que não existe interação. Como consequência, elas ficam mais passivas, mais isoladas, dependentes da tela, em algumas situações preferem esse tipo de contato ao contato humano. Elas estão numa condição diferente e óbvio que vão se comportar de forma diferente, mas hoje são diagnosticadas como se tivessem uma patologia. Esse surto de autismo é consequência disso. Mas não é só isso, há também uma forma diferente de fazer o diagnóstico em que existe uma lista de sintomas relacionados ao transtorno. Se a criança tiver três ou quatro desses sintomas, já estaria incluída no espectro do autismo, o que nós do CPPL discordamos. E o que você acha do aumento dos casos diagnosticados de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)? Também está relacionado à forma de se fazer o diagnóstico. Até meados do século passado, a visão sobre o funcionamento psíquico do humano era atrelada aos saberes da época: psicanálise, fenomenologia, filosofia, que eram muito valorizados. Era uma visão relacionada às questões culturais, ambientais. Pouco depois dos anos 70, começa a haver uma mudança em razão do desenvolvimento da tecnologia no campo da ciência, do diagnóstico por imagem e, com isso, das possibilidades de pesquisas na área da psicofarmacologia. Cria-se um ambiente em que essa visão mais humanista é substituída por outra mais medicalizante, mais científica. Os diagnósticos da saúde mental eram feitos a partir da compreensão do sintoma e levavam em conta a experiência da pessoa, como aquilo era vivido pelo sujeito adoecido. Mas, foi havendo um distanciamento disso e agora se trata muito da doença. Então vamos descrever bem a doença, para ser mais científico e objetivo possível e, como se transforma tudo em doença, tem-se também um avanço do uso da medicação. Quando falo de uma visão medicalizante, não me refiro só aos medicamentos, mas de uma visão médica do comportamento humano. Assim, a criança desobediente, que antes víamos como falta de educação, hoje é descrita como sintoma de um determinado transtorno, caracterizado por determinados sintomas, que não são mais sintomas do sujeito, mas da doença que precisa ser tratada e, para toda doença sempre tem um remedinho, não é? Isso serve a muitos interesses: do indivíduo que hoje é imediatista e quer resolver logo os problemas, não quer ter muito trabalho pensando nas suas questões subjetivas, porque ele tem muita coisa para fazer. Então, ele se sujeita a tomar um remédio e levar uma vida péssima. Há também os interesses da indústria farmacêutica. Comportamentos humanos, que antes eram simples comportamentos, hoje são sintomas de doenças. A criança que antes era trelosa, que tinha a cabeça no mundo da lua, hoje é diagnosticada com TDAH. Para isso existe medicação e hoje até coordenadora de escola encaminha crianças para

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"Somos mais consumidores do que exportadores"

Rainier Michael sempre foi um cidadão global. Descendente de alemães, seu bisavô nasceu na Tanzânia, possui vários familiares na Europa e, como empresário, já morou em muitos países. Por isso, não foi difícil se adaptar ao mundo diplomático. Hoje é cônsul da Eslovênia e presidente do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia (Iperid). Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele analisa o cenário internacional e defende que Pernambuco invista na diplomacia econômica para atrair mais investimentos e participar do mercado global de forma mais efetiva. Por que você defende que a diplomacia econômica deve ser prioridade para Pernambuco? A diplomacia econômica leva em consideração não apenas o fluxo comercial entre duas regiões, países ou blocos, mas o impacto social que vai ser gerado dessa interação, porque possui um cunho social importante. Acho que trabalhar a diplomacia econômica é uma ação nova, pioneira em Pernambuco e se encaixa perfeitamente dentro da estratégia do Iperid, que é juntar as partes, mas tendo uma visão humana. O que é o Iperid? É um think-tank, uma denominação americana que se pode traduzir como banco de ideias. Um think-tank pode ter vários formatos, como apresentar um viés político ou focado numa área de atuação como, por exemplo, o setor industrial. Mas, de acordo com a pesquisa que fizemos achamos interessante ter um think-tank neutro, com atuação não-partidária, sem ter um viés de um único setor econômico, mas que fosse realmente um banco de ideias para desenvolvimento de uma visão estratégica para Pernambuco. Priorizamos quatro pilares: acadêmico, empresarial, parlamentar e consular, porque verificamos que existe uma baixíssima interação entre esses elementos, mas poderia ser trabalhada pelo Iperid de forma independente, capilar e ágil, dentro desses quatro universos, para a inserção de Pernambuco no contexto regional, nacional e internacional. Quais os entraves para que a diplomacia econômica se estabeleça no Estado? Os quatro pilares não se enxergam. Além disso, diplomacia não é protocolo, é relacionamento interpessoal. Você imagina que assim que chega um representante diplomático, ele deva ser recebido pelas autoridades. Mas isso é protocolo. Isso tem que existir. Se as entidades souberem da existência desse consulado e não tomarem a ação, não vai existir troca, inclusive econômica. Não adianta a gente ter 40 consulados aqui e as entidades não os conhecerem e não visitá-los. Se esse relacionamento não for alimentado constantemente, não funciona. Cabe aos empresários e ao poder público atuar para que esse relacionamento não deixe de existir. As áreas pública e privada têm que entender como funciona essa engrenagem. Qual a importância de Suape para a inserção de Pernambuco no comércio internacional? A importância é fato consumado, concreto e conhecido. A questão é como fazer o porto acontecer. Existem situações inacreditáveis, como ter produtos pernambucanos saindo via terrestre até Santos ou por outros portos para serem exportados. É uma situação que não deveria acontecer. Por que acontece? No meu entendimento, quando Suape começou a operar, a visão realmente era que fosse um porto voltado para o comércio internacional. Hoje ele está muito restrito à cabotagem (navegação que se faz na costa, em portos de um mesmo país, em distâncias pequenas). Se é um porto que tem um calado excelente para navios de grande porte, com uma grande estrutura, localização geopolítica fantástica, então a gente tem que entender porque isso aconteceu. Existe ainda a questão de logística que deve ser considerada. Temos ferrovia que chegue até Suape? Não. O segundo ponto é que o exportador não enxerga Suape como um local para escoar seu produto. Vamos lembrar que a balança econômica de Pernambuco é negativa. Se é deficitária, não estão entrando dólares. Somos mais consumidores do que exportadores. Como está o acordo de comércio entre Suape e o porto de Koper, na Eslovênia? Os documentos estão prontos. Estamos aguardando as partes agendarem para fazer as assinaturas. Esse acordo é interessante para dar acesso a Pernambuco ao que se chama de oceano azul. Pernambuco pode montar sua estratégia de atuar num oceano vermelho, isto é, um mercado maduro, consolidado (como o Porto de Roterdã ou Hamburgo). Mas para isso é preciso ter um capital enorme, ter uma grande estrutura financeira para aguentar a concorrência. A outra opção é atuar em um mercado que não foi descoberto. É o caso do Porto de Koper, que está localizado no mar Adriático, ao lado do porto de Trieste. Ele é extremamente ágil, eficiente e é uma porta de entrada para a União Europeia. A BMW exporta basicamente 30% da sua produção pelo porto de Koper. A Eslovênia é um país de dois milhões de habitantes, não é um mercado consumidor grande, mas está próximo a vários países chamados de land-locked, que não têm porto, como Hungria, República Tcheca, Eslováquia, Ucrânia. Ou seja, dá acesso ao mercado da Europa Central. Por que a cachaça não é trabalhada na Europa Central, que é um grande consumidor de destilados? Essa pergunta eu não sei responder. Não é interesse, não é estratégico? Ou nunca foi estudado? Como o pequeno empresário pode se beneficiar da representatividade consular em Pernambuco? Ele tem que ser mais atuante com as entidades que o representam. O pequeno e o médio empresário têm que estar organizados e é por meio das entidades que vão poder contatar os consulados. São instituições como a Associação Comercial de Pernambuco ou a Câmara dos Dirigentes Lojistas. Aí eu faço até uma pequena provocação: quando foi a última vez que um ente consular visitou essas entidades? Veja, não apenas de forma protocolar. É o que eu repito: protocolo é a base da diplomacia, mas o que traz resultados é o relacionamento interpessoal. Quando foi a última vez que houve uma integração, um evento, para se discutir isso? Não adianta esperar que a representação consular vá bater na porta. Tem que existir uma chamada dessas entidades. Da mesma forma, tem que haver uma interação da área acadêmica com os consulados. Não estou me referindo ao intercâmbio de estudantes, mas da interação dos acadêmicos com a área empresarial – do

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