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Como anda o seu fígado?

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Para algumas civilizações do passado, o fígado era considerado mais importante que o cérebro e o coração. Esse pensamento não surgiu por acaso. Afinal essa glândula é responsável por várias funções no nosso organismo. A principal é produzir algumas enzimas que servem para a coagulação do sangue. Ele também atua como meio de transporte, metabolizador e depurador de algumas substâncias, como as proteínas e os lipídios. Inserido no sistema digestivo, esse órgão, transforma as gorduras dos alimentos em energia para o corpo. “O fígado é um órgão absolutamente vital, extremamente inteligente. Ele tem mais de uma centena de funções e comanda o funcionamento do organismo. Ele se inter-relaciona com vários outros órgãos, é uma espécie de computador. Um órgão que tem uma função de liderança em relação aos outros”, destaca o hepatologista Cláudio Lacerda, do Hospital Jayme da Fonte.

Um dos grandes problemas relacionados às patologias do fígado é o fato de serem assintomáticas. “A grande maioria é silenciosa e muitas vezes quando surge algum sinal ou sintoma, a doença já está numa fase mais avançada. Por isso que é importante fazer um acompanhamento rotineiro das funções do fígado, principalmente pessoas que têm o risco maior de apresentar doenças hepáticas”, esclarece o médico hepato-biliopancreático César Lyra, coordenador do Serviço de Transplantes de Fígado do Rico (Real Instituto de Cirurgia Oncológica), que funciona no Real Hospital Português (RHP).

Ricardo Rêgo sofria de cirrose e esquistossomose após ser submetido ao transplante. Hoje, vive tranquilo e com qualidade de vida. Foto: Tom Cabral

E quem são essas pessoas? São aquelas que consomem exageradamente bebida alcoólica e apresentam excesso de peso. Elas são propensas, por exemplo, a ter esteatose hepática, que é o acúmulo de gordura no fígado. É uma doença que apresenta sintomas como pele e olhos amarelos, urina escura, fezes claras e inchaço do órgão, podendo causar incômodo na área do abdômen, onde ele está localizado.

Em obesos, com resistência a insulina ou com diabetes, os riscos são grandes para o quadro evoluir para cirrose ou até mesmo câncer de fígado. Daí, a importância do acompanhamento médico para minimizar o surgimento de doenças mais graves. “Os pacientes que têm esteatose também apresentam outras complicações. A própria doença pode ser uma das complicações da obesidade. Geralmente são pacientes com taxas de colesterol altas, que podem ter problemas cardiovasculares, pressão alta, diabetes, problemas renais. Então é uma pessoa que precisa ser vista dentro de um contexto multidisciplinar para evitar tanto que o fígado sofra, quanto os outros órgãos também sofram por causa da esteatose e do sobrepeso”, alerta César Lyra.

César Lyra é coordenador do Serviço de Transplantes de Fígado do Rico (Real Instituto de Cirurgia Oncológica), que funciona no Real Hospital Português (RHP).

A glândula tem um grande poder de se regenerar, mas quando passa por sucessivos processos de regeneração surgem cicatrizes que deixam o fígado doente, causando a cirrose hepática. Em situações de estágio terminal da doença, o tratamento mais eficaz e recomendado é o transplante de fígado, técnica terapêutica que também é indicada para outras doenças hepáticas em nível crítico. Com os avanços surgidos na última década, os resultados são bastante satisfatórios: mais de 95% dos transplantados tiveram boa recuperação.

Em Pernambuco, cerca de 110 transplantes de fígado são realizados anualmente. Só neste ano o RHP já realizou 17. “Alguns pacientes conseguem retornar às suas atividades normais em torno de 60 dias após a operação. Temos uma média de 15 a 20 dias de internamento, às vezes um pouco menos e às vezes um pouco mais. Alguns pacientes que têm intercorrências podem ter um internamento mais longo. Mas o transplante devolve ao paciente a capacidade de retomar a sua vida normal”, declara o especialista.

Ricardo Rêgo, de 53 anos, precisou realizar o transplante em fevereiro do ano passado. Por beber com frequência desde os 18 anos, ele adquiriu cirrose e diabetes. Ricardo também sofria de esquistossomose, doença provocada pelo verme Schistosoma mansoni que afeta o fígado. “Acontecia comigo episódios de ascite, que é a retenção de líquidos no abdômen, e isso incomodava muito. A partir daí necessitei de acompanhamento com o hepatologista. Era o início da minha saga. O meu médico me deu a notícia do transplante logo no início do meu tratamento, por volta de fevereiro de 2016, e aí foi uma surpresa. Foi um misto de emoções muito grande, e eu não esperava que isso viesse acontecer, mas aconteceu e graças a Deus os resultados foram por demais satisfatórios”, comenta o funcionário público aposentado.

As primeiras medidas para o tratamento de Ricardo foram a abstinência total de álcool, uma dieta rigorosa por causa da diabetes e a não ingestão de sal e de carne vermelha. Hoje, após um ano de transplante, Ricardo continua seguindo a mesma dieta. Ainda tentando se acostumar aos novos hábitos, ele tem uma vida muito melhor. “Tive um enorme apoio de minha estimada família, o que com certeza ajudou em meu sucesso”, reconhece.

As medicações do pós-transplante devem ser tomadas ao longo de toda a vida do paciente, para evitar a rejeição do órgão. São os chamados imunossupressores. “O organismo considera o novo fígado como um inimigo e começa uma ‘briga’ para tentar expulsá-lo. As medicações controlam o sistema imune do paciente para que o órgão não seja rejeitado”, explica César Lyra. Por outro lado, esses medicamentos aumentam o risco de pressão alta e de diabetes. Por essa razão, os pacientes têm que ter hábitos saudáveis e controle alimentar. Ricardo, por exemplo, toma 16 comprimidos ao dia; quatro deles são imunossupressores, os outros são para controle de hipertensão e diabetes.

NOVOS TRATAMENTOS
Outras doenças do fígado são as hepatites, uma inflamação dos tecidos do fígado, sendo mais frequentes as infecções pelos vírus tipos A, B e C. A transmissão da hepatite A é normalmente causada por ingestão de água e alimentos contaminados. O tratamento é simples e se seguido corretamente tem um curso benigno e uma cura espontânea. Já a hepatite B é considerada uma DST (Doença Sexualmente Transmissível), pois pode ser transmitida por meio do contato com sêmen, saliva ou secreção vaginal; outras formas de transmissão ocorrem por via sanguínea, com o compartilhamento de seringas e material perfurante contaminados, ou por via vertical, quando a mãe portadora do vírus B passa para o filho durante o parto.

Das três hepatites mais comuns, a considerada mais grave é a C. Ela também pode ser transmitida por contato com sangue contaminado. Hoje em dia, tanto a hepatite B quanto a C podem ser tratadas de forma eficaz. Nos últimos seis anos surgiram novas drogas que conseguiram uma taxa de cura bem elevada para os pacientes com hepatite C. “Os inibidores de protease são novos medicamentos que tratam efetivamente a doença. Com isso prevemos que em alguns anos, a cirrose causada por esse vírus deixe de ser a maior causa de indicação de transplante de fígado no Brasil, como já ocorre nos Estados Unidos”, esclarece Cláudio Lacerda, hepatologista do Hospital Jayme da Fonte.

Cláudio Lacerda é hepatologista do Hospital Jayme da Fonte.

O hospital hoje é o responsável pelo maior número de transplantes de fígado em Pernambuco, com mais de 1.300 cirurgias realizadas. A equipe de Cláudio Lacerda fez 65 procedimentos somente neste ano. O médico também destaca a importância da vacinação. “Contra a hepatite A é indicada para toda a população. Contra a hepatite B para grupos de risco (profissionais de saúde e do sexo). Não existe vacina para a hepatite C”.

Café, quem diria, um aliado

Existem muitos remédios que são usados para proteger o fígado que não possuem muita eficácia, como os famosos xaropinhos de farmácia. Mas, algumas coisas ajudam sabidamente a proteger o fígado, e uma delas é o café. A ingestão regular e moderada da bebida por dia pode proteger o fígado do desenvolvimento da esteatose.

Segundo pesquisa do NIH (Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos), realizada em 219 indivíduos, foi estimado que a relação entre mortalidade e consumo de café é inversa. Ou seja, aqueles pacientes que consumiam café viviam mais do que os que não consumiam. Em outro estudo com 740 pacientes diagnosticados com doenças do fígado, por causa do consumo excessivo de álcool, demonstrou que os que bebiam café tinham uma redução considerável do risco de desenvolver cirrose hepática. “Mas o melhor remédio pra proteger o fígado da esteatose e de outras doenças hepáticas é a mudança de hábitos de vida (alimentação saudável, não ingerir álcool), e a prática de exercícios”, reforça César Lyra.

*Por Laís Arcanjo, da Revista Algomais (redacao@algomais.com)

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