*Por Pedro Paulo Procópio
É possível notar ao longo da história da Medicina, desde os remotos tempos de Hipócrates um olhar biocêntrico em torno dos tratamentos de saúde aos quais os indivíduos eram submetidos. Esse olhar, típico não apenas no campo médico, mas de diferentes segmentos da saúde, foi a regra por séculos.
A preocupação com o corpo, com o órgão, com a doença, e não com o sujeito, no entanto, vem sendo pouco a pouco substituída por um comportamento mais humanizado. Um dos precursores desse movimento foi o médico estadunidense Patch Adams – criador de um alegre movimento em meio às paredes sem cor dos hospitais e à tristeza frequente nas diferentes alas. Patch Adams criou a palhaçoterapia na segunda metade do século XX e por meio do riso, do afeto e, sobretudo da comunicação, buscou acolher as crianças internadas, expandindo esse cuidado posteriormente a diferentes públicos.
Seria no mínimo imprudente discutir humanização e comunicação em saúde e não citar Patch Adams, cujo movimento repercutiu tão positivamente na área médica, que ganhou inúmeros adeptos ao redor do mundo, chegou aos noticiários, além de ter ocupado as telas dos cinemas em 1998, causando comoção global com o filme “Patch Adams: O amor é contagioso”, protagonizado por Robin Williams e dirigido por Tom Shadyac.
Conforme os estudiosos Carlos Campos e Izabel Rios no artigo científico “Qual o Guia de Comunicação na Consulta Médica é o Mais Adequado à Realidade Brasileira?” Publicado na Revista Brasileira de Educação Médica em 2018, é da década de 1990 o primeiro protocolo de comunicação médica da história. É graças a esse e a outros protocolos, que a comunidade médica e demais profissionais da saúde passam a estabelecer parâmetros comunicacionais capazes não só de facilitar a compreensão de pacientes e acompanhantes, mas sobretudo de elaborar escuta ativa, acolher e mesmo construir um elemento terapêutico dos mais valiosos.
O Protocolo Calgary-Cambridge, criado em 1996, foi o pioneiro. Ainda em conformidade com Campos e Rios, o citado protocolo “nasceu” de um estudo conjunto desenvolvido pela docente de comunicação das faculdades de Medicina e Educação da universidade canadense de Calgary, Suzanne Kurtz e Jonathan Silverman, médico de família e diretor de estudos de comunicação na escola de Medicina de Cambridge, no Reino Unido.
Depois do trabalho conjunto dos professores/pesquisadores, surgiram novos guias foram construídos em Portugal, o chamado “sete passos”, o MAAS Global 2000, na Holanda, o SEGUE nos EUA, dentre outros. Diferentes formatos de comunicação, mas um só propósito: o acolhimento ao paciente por meio de uma abordagem holística, de caráter biopsicossocial.
Carlos Campos e Izabel Rios, defendem que um dos aspectos mais relevantes do citado protocolo pioneiro, ou seja, o Calgary-Cambridge, é a guinada do interesse médico (ou mesmo de outras áreas da saúde) para algo que vai além da doença física e se aproxima de aspectos aparentemente subjetivos; ignorados por séculos: o bem-estar do paciente. O referido bem-estar é uma preocupação que acompanha o próprio conceito de saúde preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), já que de acordo com a entidade a saúde deve estar associada a um conjunto de fatores, envolvendo o bem-estar físico, mental e social.
Diante de tais aspectos, em meio a uma sociedade com um ritmo cada vez mais acelerado de acesso à informação, de disputa por espaço no mercado de trabalho, além de uma eterna busca não só pela sobrevivência, mas também pela “conquista” de padrões os mais diversos, o indivíduo está mesmo envolto na “cegueira afetiva”, apontada pelo escritor e pesquisador Daniel Goleman, da Universidade de Harvard. É um universo no qual as pessoas tocam sem sentir, olham e não veem… Humanidade adoecida. Escuta terapêutica, olhar acolhedor, comunicação afetiva, eis os elementos que fazem da interação paciente profissional de saúde um espaço efetivo de cura e esperança: o verdadeiro antídoto contra a cegueira afetiva.