Fundador da Zoom Social, Gilmar Dias explica o trabalho da agência que apoia projetos com recursos captados via leis de incentivo fiscal. Nos últimos cinco anos obteve a captação de R$ 117 milhões, numa parceria com 190 empresas. Mas ele afirma que ainda há potencial em Pernambuco, onde muitos empresários desconhecem as vantagens da destinação incentivada.
De origem humilde, Gilmar Dias teve sua vida transformada aos 14 anos por um projeto social. Uma experiência que o estimulou a atuar para que outras pessoas tivessem a mesma sorte que ele. Em 2017, funda no município de Lagoa de Itaenga, a Zoom Social, com o intuito de apoiar projetos sociais a obter recursos via leis de incentivos fiscais.
O primeiro sucesso da Zoom Social foi em 2019, com R$ 169 mil captados naquela cidade da Zona da Mata. Em 2020 o salto da captação foi para R$ 4 milhões e em 2021 para quase R$ 8 milhões. Durante os últimos cinco anos de trabalho da Zoom, foram estabelecidas parcerias com 190 empresas, o que culminou com R$ 117 milhões captados. Recursos que foram aplicados em uma diversidade de iniciativas, seja em projetos de agroecologia, na formação de idosos, no Hospital do Câncer ou na Associação de Pacientes de Fígado.
Apesar do êxito da Zoom, Gilmar afirma, nesta entrevista, que o vasto ecossistema de leis de incentivos fiscais no Brasil tem seu potencial de uso subaproveitado, principalmente no Nordeste e Norte. Ele explica que as barreiras são decorrentes, muitas vezes, da crença equivocada de que empresas subsidiadas pela Sudene são impedidas de destinar recursos para projetos por meio de incentivos fiscais. Ou que a destinação incentivada seja um processo difícil.
Para eliminar essas desinformações, a Zoom Social busca conscientizar e sensibilizar os empresários. Apesar das dificuldades, Gilmar está esperançoso na ampliação de projetos patrocinados por empresas. “Estamos confiantes, no ano passado, captamos R$ 42 milhões, nós temos expectativa de que a captação este ano vai aumentar”.

Como surgiu a Zoom Social?
Somos uma empresa que trabalha no ecossistema das leis de incentivos fiscais. Acreditamos que o desenvolvimento territorial é necessário e acontece quando costuramos um tecido social em que a participação é importante para incidir sobre as políticas públicas. Venho de família humilde. Meu pai foi trabalhador de corte de cana-de-açúcar. Ele e minha mãe não eram escolarizados e as circunstâncias de vulnerabilidade social que vivenciávamos influenciaram no surgimento da ideia da Zoom Social.
Aos 14 anos, fui selecionado para participar do projeto social Agente de Desenvolvimento Local, apoiado inicialmente pelo Instituto Ayrton Senna, Fundação Kellogg, Fundação Internacional BNDES e Fundação Odebrecht. Recebi formação para contribuir com transformações das circunstâncias de Lagoa de Itaenga e outros municípios da Zona da Mata de Pernambuco. Ao concluir a formação de agente de desenvolvimento local, passei a ser educador das turmas subsequentes e me especializei no processo de educador no campo do direito e da cidadania.
O projeto social abriu meu olhar para a responsabilidade das pessoas sobre o mundo e o papel que as organizações sociais têm em proporcionar formação, qualificação, desenvolver competências e habilidades para que as pessoas possam incidir positivamente no desenvolvimento do território. Estudei como elaborar projetos e apoiar organizações a inscreverem-se em editais. Essa demanda foi aumentando e fui apoiando projetos no campo da criança, adolescente e pessoa idosa e para agroecologia, com apoio da Fundação Kellogg.
Em 2019, fizemos o primeiro chamamento público em Lagoa de Itaenga que resultou na aprovação de alguns projetos na política da criança e do adolescente e numa captação de recursos de R$ 169 mil. Então, percebi ser possível contar com o apoio da iniciativa privada para desenvolver ações de impacto social. Essa primeira oportunidade de sucesso gerou um engajamento de outras organizações que também se prepararam para ter projetos aprovados, para estarem aptas a captar.

Em 2020, pulamos para R$ 4 milhões captados com presença significativa em Lagoa de Itaenga e Glória do Goitá. Em 2021, captamos quase R$ 8 milhões. A Zoom foi ganhando musculatura, conhecimento e os resultados foram se propagando, no campo do terceiro setor, de que a lei de incentivos era uma oportunidade para desenvolver e fortalecer trabalhos. Apoiamos outras empresas a enxergar que, no interior de Pernambuco, há organizações preparadas para receber recursos, executar projetos com eficiência, gerando impactos positivos na transformação da sociedade.
Quando os indicadores sociais no Brasil melhoraram, houve a avaliação internacional de que o País vivia um boom do ponto de vista de educação, saúde e geração de renda. Então, os investimentos internacionais diminuíram e tivemos que pensar como ampliar ou manter as atividades desenvolvidas. Encontrei no ecossistema das leis de incentivos fiscais uma oportunidade que era pouco difundida no Nordeste, tanto por parte das organizações que poderiam ter projetos aprovados e financiados, quanto pelas empresas que estão no lucro real e que poderiam destinar recursos.
Durante esses cinco anos de trabalho da Zoom, conseguimos estabelecer parcerias com 190 empresas, culminando numa captação de aproximadamente R$ 117 milhões para diversas iniciativas. Hoje, prioritariamente em Pernambuco, mas também espalhando-se para outros estados nordestinos.
Qual sua avaliação do cenário de captações em que a Zoom Social está inserida? Esse mecanismo de arrecadar recursos e mobilizar empresas precisa ser mais conhecido?
Sim, sobretudo no Nordeste e Norte do Brasil. Segundo dados da Receita Federal, em 2024, cerca de 5.500 empresas destinaram parte do seu imposto de renda para projetos apoiados nas leis de incentivos fiscais. A Receita Federal estima que haja mais de 30 mil empresas em condições de destinar. Há um universo de aproximadamente 25 mil aptas a destinarem recursos, mas nunca destinaram nada.
Esse quadro é mais agravante no Nordeste. Mais de 80% das empresas que destinam hoje, no Brasil, encontram-se nas regiões Sul e Sudeste e, historicamente, esses recursos captados permanecem nessas regiões. No Nordeste, apenas 3% das empresas que podem destinar recursos incentivados o fazem de forma regular. Há um potencial de crescimento no intuito de provocar um sentimento de responsabilidade social, para que as empresas possam impactar positivamente os territórios onde atuam de forma mais efetiva por meio de recursos incentivados.
A Zoom Social deseja conscientizar o empresariado nordestino a destinar parte do seu imposto de renda de pessoa jurídica para projetos no Nordeste, também queremos conscientizar as empresas do Sul e Sudeste a nacionalizarem, encontrando resultados em projetos na região nordestina.

Você poderia citar projetos significativos apoiados pela Zoom?
Em 2021, em Lagoa de Itaenga, a Zoom Social apoiou a elaboração do projeto Nos Trinques, para a Associação de Produtores Agroecológicos, do Sítio Marreco e comunidades vizinhas. O projeto foi aprovado no Fundo da Pessoa Idosa e inicialmente conseguiu captar mais de R$ 3 milhões, possibilitando um conjunto de formações para que idosos e suas famílias fizessem transições agroecológicas de suas propriedades, fortalecendo o processo de beneficiamento da produção para comercializar em feiras da Região Metropolitana de Recife.
Atualmente o projeto presta assistência técnica a mais de 200 produtores agroecológicos, apoiando o processo de conversão da agricultura tradicional à agroecológica, possibilitando que essa produção seja comercializada em mais de 18 feiras agroecológicas da RMR. Cada produtor envolvido consegue ter lucro de aproximadamente dois a três salários mínimos por feira.
Outro projeto importante é o Alô Comunidade. Foi aprovado no Fundo da Criança e do Adolescente e na Organização Cedili (Centro de Desenvolvimento Integral de Lagoa de Itaenga). É desenvolvido numa comunidade que antes chamava-se Matadouro e hoje chama-se Nascedouro. Ele proporcionou, no contraturno escolar, formação de crianças e adolescentes em várias modalidades esportivas e mobilizou famílias para reconstruir o bairro. Realizaram-se mutirões para recuperar a quadra poliesportiva, escadarias, construir muros de arrimo, requalificar espaços que antes eram lixão ocioso.
Esse projeto tem muito impacto, envolve duas políticas públicas importantes: direito à cidade e à moradia, além de proporcionar lazer e educação de forma integral de comunidades em vulnerabilidade. É um projeto muito significativo que mudou a realidade da comunidade. Há quase três anos, lá havia toque de recolher. Hoje é uma comunidade plural, viva, com os espaços ocupados, com iluminação de LED em todo o bairro. Casas e áreas públicas foram pintadas por meio de mutirão.
Também em Lagoa de Itaenga, há outros dois projetos importantes sendo executados: Passaporte Digital e Conecta Vidas que são da Instituição Conexão Social. A partir dos recursos captados, foi construído um centro tecnológico para formação e qualificação profissional de adolescentes de escolas públicas em diversas trilhas tecnológicas, preparando-os para inserção no mercado de trabalho.
É executado em parceria com o CESAR School, que capacitou educadores da organização social e tem feito o acompanhamento sistemático das ações desenvolvidas. Nesse centro tecnológico, idosos têm acesso à formação no letramento digital, combate à fraude bancária, aprendem a utilizar aparelhos celulares e redes sociais digitais, também acessam uma piscina para hidroginástica.
Anualmente, é realizado o Tech Fest, uma exposição pública com tecnologias, palestras e oficinas para dar visibilidade ao que vem sendo desenvolvido no projeto, na comunidade e na Mata Norte, muito parecido com o Rec’n’Play. Outra organização de base comunitária que tem recebido apoios importantes em Lagoa de Itaenga é o Centro Raio de Luz. Ela desenvolve projetos com crianças atípicas e pessoas idosas, tem bases na cultura popular, utiliza reciclagem para geração de renda, confeccionando acessórios para maracatu, ciranda, coco de roda. Tem envolvimento forte do público e das comunidades rurais nesse processo de transformação do território.

Além de Lagoa de Itaenga, onde mais vocês atuam?
Até 2021, trabalhávamos apenas com Lagoa de Itaenga. Com a repercussão dos resultados, outras organizações nos procuraram. No Recife, há um projeto desenvolvido junto ao Hospital do Câncer de Pernambuco, que é a principal unidade de referência de tratamentos complexos de câncer, atende mais de 50% de todos os casos diagnosticados do SUS no Estado. Conseguimos, nos últimos quatro anos, captar mais de R$ 10 milhões para o HCP. O prédio novo do hospital foi completamente estruturado a partir da mobilização de recursos da Zoom Social, em termos de equipamento, mobiliário, insumos para tratamento e medicamentos.
Também no Recife, captamos recursos para três projetos da APAF (Associação de Pacientes de Fígado de Pernambuco), que tem relação com o Hospital Oswaldo Cruz, que é a terceira unidade mais importante de transplante de fígado do Brasil. Todos os casos identificados com necessidade de transplante de fígado do Norte e Nordeste são encaminhados pelo SUS para a APAF.
É um tratamento longo e quem vem de outros estados precisa de rede de apoio ou uma casa de acolhimento em Pernambuco. A partir do trabalho da Zoom, elaboramos os projetos e captamos mais de R$ 2 milhões para essa organização. Hoje a casa de acolhimento da APAF está completamente reformada, com equipe multidisciplinar contratada para receber, acolher, realizar atividades pedagógicas e garantir refeições diárias a pacientes e familiares.
Vários desses projetos são realizados com o apoio de empresas privadas. Como tem sido a sensibilização do empresário de Pernambuco?
Há algumas barreiras que, nem sempre, são institucionais, são de desinformação. Em Pernambuco, muitas empresas recebem recursos da Sudene para ampliar seus negócios, há um sentimento de que, pelo fato de receber esse subsídio, não podem destinar recursos incentivados. Isso não procede. Na verdade, as empresas que recebem subsídio diminuem parte do imposto de renda que devem pagar. Temos casos de empresas que já fazem isso de forma regular.
Esperamos que esses sentimentos dos empresários que levaram essa iniciativa possam, de certo modo, se disseminar para que outros compreendam os benefícios da destinação dos recursos e seus impactos. O Grupo Cornélio Brennand, o Grupo Parvi, e até Suape, são empresas exemplos do ponto de vista da destinação de recursos. Elas o fazem a partir de uma estratégia de ESG, compreendendo os territórios, as causas que vão ser apoiadas, a regularidade de manter os apoios, acompanham os resultados do trabalho desenvolvido somando as estratégias de fortalecer o social.
Mas ainda temos desafios de formar os empresários, conscientizar os contadores. Também há um sentimento de que esse processo é difícil de fazer, mas ele é simples, de fácil compreensão, que traz resultados para as marcas. Inúmeras pesquisas mostram que uma empresa que desenvolve uma ação social tem capacidade de ser mais bem compreendida e aceita pelos consumidores. O papel da Zoom é trazer segurança a esse processo porque apresentamos um projeto aos empresários já aprovado pelos órgãos reguladores, que passou por processo de compliance, de conformidade, de análise de documentação, com todas as certidões, documentações em dia. Isso diminui os riscos de realizar um investimento em um projeto que possa macular a imagem da empresa.
Conseguimos fazer esse conjunto de atividades e dar visibilidade a essa ação. Isso tem nos permitido furar a bolha e, a cada ano, conquistar outras empresas pernambucanas para destinarem parte do seu imposto de renda. Afinal, desejamos transformar impostos em impactos sociais. É melhor para o empresário compreender que o seu imposto está sendo executado em projetos como tratamento de câncer, formação profissional, desenvolvimento da cultura local, apoio ao esporte educacional no contraturno escolar. Significa ser capaz de saber onde seus impostos serão aplicados e quais resultados proporcionam à sociedade.
Quais suas perspectivas para 2025? O que esperar desse segmento com amadurecimento e mais conhecimento das empresas em projetos e captações?
É difícil prever o resultado da captação porque vários fatores podem impactar, como a macroeconomia, já que empresas que destinam continuarão destinando ou ampliando a destinação caso lucrem mais. Mas estamos confiantes. Em 2024, captamos R$ 42 milhões, temos expectativa de que a captação este ano vai aumentar. Temos um portfólio de projetos muito maior, diversificado, que atende várias causas importantes de interesse do empresariado local.
Fazemos exercícios, seminários, fóruns, encontros, onde os empresários pernambucanos estão, para falar um pouco mais sobre esse assunto, para que compreendam seu potencial e façam destinações de forma correta, segura e responsável. Colocamos muita energia no processo de monitoramento dos projetos que já receberam recursos, mostrando resultados, relatórios, a evidência das execuções, para que possamos manter os apoios que foram realizados e ampliar recursos disponibilizados anteriormente para que esses projetos possam continuar sendo executados com visibilidade e responsabilidade. É importante participar dos espaços, divulgar nosso trabalho, fazer dessas experiências que já estão sucedidas, cases de sucesso e, assim, conscientizar as pessoas de que suas empresas podem fortalecer potencialidades de Pernambuco e diminuir a vulnerabilidade social.
				
