*Por Marco Alves
Dia 2 de Junho, feito inédito os diplomatas franceses entraram em greve pela primeira vez em 20 anos. O movimento foi lançado a pedido de seis sindicatos e de um coletivo de 500 jovens diplomatas.
Essa greve é uma resposta a reforma que o presidente Macron está querendo instaurar e que segundo os funcionários da categoria põe em risco a eficiência e o prestígio da diplomacia francesa e seu modelo. Muitos deles afirmam que “suas funções correm o risco de desaparecer”.
Algo incrível, diplomatas de alta patente, embaixadores, diretores de regiões saíram do habitual “dever de reserva” e assumiram no Twitter o apoio ao movimento e muitos fizeram também greve, tais como o embaixador do Kuwait e o diretor dos assuntos políticos do Quai d’Orsay (nome dado ao ministério das relações exteriores na França).
Desde o seu primeiro mandato o Macron está tentado reformar a chamada “alta função pública”, da qual fazem parte as carreiras diplomáticas. Essa nova reforma que o presidente quer implementar tem por objetivo de acabar com a especialização dos funcionários públicos e criar um novo corpo de administradores do Estado. Estes não estarão mais vinculados a uma administração específica, mas, pelo contrário, serão convidados a mudar regularmente ao longo de sua carreira. Com esses futuros funcionários “inter trocáveis” entraríamos então, de fato, no fim do corpo diplomático tal como ele existe até então e qualquer um poderá ser nomeado embaixador sem experiência prévia.
A entrada progressiva da reforma até 2023 afetará em torno de 700 diplomatas e acabará com o cargo de ministro plenipotenciário (embaixador) e de conselheiro dos negócios estrangeiros.
O presidente da comissão de relações exteriores do Senado, deu seu apoio aos diplomatas e muitos dos seus membros que devem transmitir recomendações sobre a reforma temem “um enfraquecimento da diplomacia francesa”.
Porém mesmo se essa reforma foi o detonador, o mal estar e o descontentamento já está presente a muitos anos. O ministério está sim enfraquecido.
De 2007 até 2019, ele viu diminuir de 10% o total das suas equipes, além de sofrer cortes importantes em seu orçamento. O orçamento de 2022 com um aumento de 12%, para chegar a 6 bilhões de euros, é inédito e tem motivo, já que este ano a França assumiu a presidência a União Europeia e onde seu dever de representação deve estar no auge.
O ministério é responsável pela representação da França pelo mundo, pelo o apoio e a ajuda aos cidadãos franceses morando no exterior, pelo a divulgação e a promoção da língua e cultura francesa, e por último pela diplomacia económica. Ele é um centralizador do Hard Power (pelas suas representações diplomáticas no exterior) e Soft Power (por ser promotor da cultura francesa) por isso sua perda de influência é dramática. Temos por prova que o ex Ministro Jean-Luc Le Drian estava com pouco peso e, segundo algumas fontes anônimas da casa, também pouco caráter para se opor a reforma, quanto os primeiros esboços foram apresentados.
Com a desvalorização da atuação do ministério, a França vem perdendo espaço internacional. Ela que era a segunda maior rede diplomática do mundo, passou a ficar em terceiro lugar, atrás da China e do Estados Unidos. Também perdeu espaço em vários países do continente Africano, para os Russos, como no Mali, na República Centrafricana e no Senegal, sem esqueceremos o seu recuo também no Oriente Médio. Os erros estratégicos dos presidentes sucessivos, conjuntamente com o alinhamento cada vez mais marcado com a política internacional americana e pela escolha de defender sempre uma “voz Europeia”, faz com que a França deixou de ter e precisar da “sua voz própria”.
Esta reforma surge depois de dois anos muito tensos com a crise da Covid e a gestão dos expatriados franceses pelo mundo afora, a saída precipitada de Cabul e do Afeganistão, a guerra na Ucrânia e expulsão dos diplomatas russos. No total são cerca de 13 500 agentes (entre titulares, comissionados e recrutamentos locais) que compõe as equipes do ministério e todas elas se dizem cansadas e inquietas.
A nova ministra oriunda do corpo diplomático, tenta reatar o diálogo com os sindicatos e representantes dos agentes, e garantir alguns compromissos ainda poucos claros que muito provavelmente não serão respeitados, já que o Presidente Macron tende a demonstrar que todas decisões que ele toma devem ser aplicadas tal e qual, mesmo deixando seus ministros e sua maioria parlamentar em dificuldade.
Marco Alves é Fellow França do Iperid e responsavel da internacionalizaçao