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Francisco Cunha

É a geopolítica, estúpido!

*Por Francisco Cunha

Conta a lenda política internacional que, quando da postulação eleitoral de Bill Clinton, em 1992, havia uma disputa entre os estrategistas sobre qual deveria ser o mote da campanha, se a guerra do Kuwait ou a economia. Foi quando o consultor James Carville escreveu no quadro de avisos do comitê central, em letras garrafais, a frase: “É a economia, estúpido!” Carville ganhou a discussão, foi dado foco na economia e Clinton ganhou a eleição.

Bem, isso foi em 1992, quando da então recente queda do Muro de Berlim, do desmoronamento da União Soviética com o consequente fim da Guerra Fria. Então, pensava-se que a história tinha “acabado” e os EUA seriam a única potência hegemônica para todo o sempre. Ledo engano! A China já estava amolando os cascos para galgar a vice-liderança econômica mundial e ameaçar a hegemonia dos EUA.

china predios

Desde então, o que se viu foi a ascensão da nova potência asiática com uma reconfiguração gradual da geoeconomia e da geopolítica internacionais. Em menos de três décadas, a situação mudou completamente da Guerra Fria original (capitalismo mundial, liderado pelo EUA, versus comunismo internacional, liderado pela União Soviética) para o que alguns autores chamam de Guerra Fria 2.0. Agora, colocando em contraposição, de um lado, os EUA com todo o aparato multilateral montado depois da Segunda Guerra Mundial e que considerava o mundo bipolar do meio século seguinte e, de outro, a China com o seu “capitalismo de estado”, praticamente monopolizando o comercio mundial.

Esta situação é ilustrada com clareza desconcertante quando se observam os dois mapas-múndi acima divulgados pela revista The Economist, que mostram em azul os países do mundo que têm os EUA como principal parceiro comercial e em laranja os que têm a China com destaque para a comparação entre os anos 2000 e 2020.

mapa china comercio

Com base no que se vê nos mapas, é legítimo inferir que toda essa confusão que o novo governo Trump está fazendo com as tarifas alfandegárias tem como objetivo primeiro atingir o seu principal rival comercial, atual e para o futuro, que é a China. Isso porque os EUA sabem mais do que ninguém que quem domina o comércio, termina por dominar a política, a diplomacia e, ao fim e ao cabo, as finanças internacionais.

Daí, ser possível compreender a fúria de Trump contra os Brics e mais especialmente contra o Brasil. Afinal, dentre os constituintes originais do bloco (Brasil, Rússia, China e Índia que formaram, inclusive, o acrônimo BRIC), o mais “frágil” ou mais “fácil” de atacar diretamente é o Brasil. Se não, vejamos: a Rússia tem o maior arsenal atômico, herdado da União Soviética, talvez até maior em número de ogivas do que o dos EUA; a China é a potência rival com a qual não convém bater logo de frente; e a Índia, além de possuir também a bomba atômica, têm, nos dias atuais, a maior população do mundo.

Quem sobra para efeito demonstração? O Brasil que, além de estar no mesmo continente (no “quintal” da América Latina como se referiram autoridades norte-americanas), ainda é o maior país latino-americano e na posição de liderança pelo tamanho populacional, econômico e institucional que têm. Não é à toa que circula informalmente no âmbito da diplomacia internacional a máxima de que “para onde o Brasil for, a América Latina vai também”.

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Diante deste quadro, essa história de supertarifação do Brasil por conta do julgamento “injusto” do ex-presidente Jair Bolsonaro tem toda a cara de pretexto para ocultar a razão principal (passar um claro recado aos demais Brics: “quem manda nessa joça ainda sou eu!”) ou, na mais psicanalítica das hipóteses complementares, para acusar de ilegítimo um rito processual democrático que se aplicado ao próprio Trump já o teria condenado. Em outras palavras: se a invasão do Capitólio que ele incentivou e, em linhas gerais, comandou, tivesse sido no Brasil, existem poucas dúvidas de que já estaria julgado e preso.

Em suma, enquanto Bill Clinton podia, em 1992, assumir que o tema da campanha era a economia norte-americana interna, hoje, para entender o interconectado e conturbado quadro mundial, teríamos que pedir a Carville que redefinisse o slogan. Certamente ele diria: “É a geoeconomia, estúpido!”.

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Afinal, como disse muito apropriadamente Camões, há quase 500 anos: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.

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