É frevo, meu bem! (por Joca Souza Leão) – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

É frevo, meu bem! (por Joca Souza Leão)

Setembro de 1980. Chegamos ao estúdio da produtora, em São Paulo, para acompanhar as gravações dos jingles e trilhas sonoras dos filmes da campanha Viva o Recife. Fomos apresentados à equipe pelo dono, Carlinhos: “Jairo (Lima) e Joca, das agências Staff e Abaeté, do Recife.”

Lembro bem de dois dos apresentados. Um deles tinha uma mancha (ou sinal) no rosto, como uma máscara na altura dos olhos. Não por acaso, chamado de Zorro. Argentino. Técnico de som. E o outro, um cara mais ou menos da minha idade, com uma jaqueta de moletom, como se tivesse acabado de fazer cooper (como se dizia na época) no Parque do Ibirapuera. “Este é César, pianista e maestro.”

Tudo pronto. Músicos a postos. Headphones nos ouvidos. Instrumentos à mão, aguardando o gesto do maestro para o ataque do naipe de metais. Frevo rasgado (nós já tínhamos ouvido a gravação do “monstro” com os outros instrumentos). Arranjos do tal César, citando trechos melódicos de Vassourinhas aqui e ali, ao longo da trilha.

“Silêncio no estúdio. Gravando!” – anunciou Zorro. César interrompeu. Pegou o microfone do suíte e perguntou aos seis músicos que estavam no estúdio: “Quem, aí, é de Pernambuco?” Todos levantaram a mão. E César comentou, dirigindo-se a Jairo e a mim: “São os melhores músicos de sopro do Brasil. A escola é o frevo.”

Primeiro dia de trabalho. Sanduíche no almoço. Dez horas de gravação. À noite, fomos jantar num restaurantezinho decente. Ninguém é de ferro. César tomou um uísque e se desculpou: “Minha mulher tá me esperando pra jantar.” Carlinhos nos perguntou: “Sabem quem é a mulher dele? Elis. Elis Regina.” Pois é, o César era o César Camargo Mariano. Paulista. Mas que frevos! Que arranjos! De arrepiar.

E Francisco Nascimento Filho também não era pernambucano. Era amazonense, mas, do final dos anos 50 ao início dos 70, ninguém dançou frevo no Recife como ele. Ganhou todos os concursos de passo. Ganhou fama e nome: Nascimento do Passo. Fez escola. Com ele, o pernambucano Antônio Carlos Nóbrega aperfeiçoou seus passos de frevo: tesoura, parafuso, ferrolho, dobradiça, pontilhado, urubu malandro, caindo-nas-molas… Artista criativo, músico, mímico, brincante e dançarino genial, Nóbrega acrescentou ao que aprendeu. Novos passos, dramaturgia, coreografia, colorido, volúpia, malícia e humor.

Bem, modéstia à parte, eu vi Nascimento do Passo, o mestre, fazendo o passo na Pracinha do Diário e no palco da PRA-8; vi Nóbrega muitas vezes – e não canso de vê-lo. Neste Carnaval que passou, recebi um zap emocionante. Uma passista daqui, do Recife, se apresentando no Teatro Brincante, de São Paulo. No sax, Pitoco, pernambucano de Cupira. E a menina, fenomenal. Chama-se Flaira Ferro, cria de Nóbrega e do Balé Popular do Recife. E mais não digo. Veja-a você. No palco ou na internet. E me diga.

É frevo, meu bem!

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