Edgar Morin é um dos maiores pensadores do séculos 20 e 21. Aos 99 anos, o sociólogo e filósofo francês traz um livro que reflete sobre o maior problema do tempo presente, a pandemia e as suas consequências, a partir de tudo o que ele viu nas últimas décadas (inclusive das sequelas da sua própria família após a Gripe Espanhola). A globalização, o modelo de desenvolvimento econômico desenfreado, a desigualdade social e tantas características e pilares do mundo atual são expostos pelo novo coronavírus e ao mesmo tempo vítimas dele. Apesar de enfrentarmos um dos maiores traumas recentes da humanidade, Morin não é pessimista. O autor aponta alguns elementos que emergem em meio ao drama do isolamento social e da luta pela saúde coletiva que indicam algumas pontas de esperança para as próximas décadas. Diante da queda e das luzes de novos tempos, ele é taxativo desde o título: "É hora de mudarmos de via - as lições do coronavírus".
Morin elenca na sua obra 15 lições da pandemia para a sociedade global e aponta quais os desafios pós-corona que enfrentaremos. Mas antes das lições, fica evidente na publicação que o nosso antigo normal era muito anormal. Simplesmente voltar ao antigo normal quando a população estiver imunizada não é uma opção na leitura do sociólogo. "O isolamento foi uma reclusão, mas também uma libertação interior em relação ao tempo cronometrado, ao ritmo condução-trabalho-cama dos trabalhadores, à sobrecarga de horas de trabalho das profissões liberais. (...) Terminando o isolamento vamos retomar a corrida infernal?", provoca o sociólogo.
O mundo mais sustentável, com mais solidariedade, com cooperação global (mas menos centralização) são algumas das utopias apontadas por Morin na publicação. A pandemia e o seu consequente isolamento social duro mostrou que algumas dessas mudanças são possíveis e com resultados muito impactantes para a sociedade. A regeneração da natureza com poucas semanas de menos movimento dos transportes e das indústrias, a ação mais solidária em direção aos mais necessitados que ficaram desempregados e as inúmeras soluções criadas em diferentes países para fazer suas economias rodarem diante das restrições de circulação de aviões e navios pelo mundo são alguns sinais de que outros caminhos são possíveis.
A imprevisibilidade sobre o futuro imposta pela pandemia, a proximidade da morte e a parada forçada da humanidade colocaram em xeque muitas "verdades" e leis que pareciam sólidos na sociedade. Nesse momento de crise e para promover uma virada e um novo rumo à humanidade, ele propõe uma nova via que comporta revisões a partir de uma política nacional, uma política civilizacional, uma política de humanidade, uma política da terra e, finalmente o humanismo regenerado.
Morin defende novos dias a partir de um humanismo regenerado, que leve em conta toda a complexidade humana (não como o homem voltado apenas voltado para a conquista e para a dominação da natureza). Para além de grandes reformas sociais, ele defende também uma reforma pessoal e uma revitalização da nossa ética. "Solidariedade e responsabilidade são imperativos não só políticos e sociais, mas pessoais. Desde já deveríamos entender que a reforma da sociedade e a reforma pessoal são inseparáveis. Ghandi escreveu: Sejamos a mudança que queremos ver no mundo".
É hora de mudarmos de via - As lições do coronavírus (Bertrand Brasil, 2020) é uma leitura obrigatória para quem busca reflexão, inspiração e esperança para a humanidade em um tempo tão confuso e de desesperança.
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*Por Rafael Dantas, jornalista e repórter da Revista Algomais. Ele assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)