Entre O Esgotamento Do Modelo E As Novas Oportunidades Globais Para A Economia De Pernambuco - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Entre o esgotamento do modelo e as novas oportunidades globais para a economia de Pernambuco

Revista Algomais

Economistas apontam que Estado precisa repensar sua estratégia de desenvolvimento diante do fim dos incentivos fiscais, da precariedade da infraestrutura e das transformações climática, tecnológicas e geopolíticas

*Por Rafael Dantas

O mundo está em uma rápida transição movido pelas mudanças climáticas e pela crise do multilateralismo. O Brasil faz um esforço para se industrializar – se conectar à economia sustentável e de baixo carbono – e o Estado precisa de um novo projeto de desenvolvimento para se inserir nessas mudanças. Esse foi o recado dos economistas da Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento), Tânia Bacelar e Paulo Guimarães, no evento Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo, projeto promovido pela Rede Gestão e pela Revista Algomais. Entre os aspectos críticos a serem superados estão a infraestrutura precária e a perspectiva de médio prazo do fim dos incentivos fiscais para atração de novos empreendimentos. Duas ameaças que podem se tornar oportunidades para os atores locais.

“As escolhas estratégicas que fizemos olharam muito mais para o Século 20; precisamos agora pensar o Século 21 com os pés no chão”, alertou Tânia Bacelar, sugerindo uma análise da herança da qual o Estado parte em 2025 para projetar o novo caminho para as próximas décadas.

Francisco Cunha, sócio da TGI, analisa que o ciclo de desenvolvimento traçado na década de 1950 pelo padre Joseph Lebret se esgotou e que é necessário repensar o novo horizonte estratégico para o Estado. Após tantos empreendimentos terem se consolidado, como o Porto de Suape e a Refinaria Abreu e Lima, praticamente o único projeto estratégico que não vingou foi a Transnordestina, destacou o consultor. “O redesenho do modelo exige a articulação da sociedade, do governo e da academia. O desafio não é apenas superar a crise, mas construir um novo paradigma de desenvolvimento para as próximas décadas”, sentenciou Francisco Cunha.

GRANDES TRANSFORMAÇÕES GLOBAIS

A economista Tânia Bacelar destacou que o Brasil e Pernambuco precisam se adaptar a quatro grandes transformações globais que já moldam o presente e definirão o futuro: um novo padrão de relação com a natureza, diante da crise climática; a mudança nos padrões técnicos, marcada pelo avanço da era digital, da biotecnologia e da genética; a reconfiguração geopolítica, com a transição de um mundo unipolar para um cenário multipolar; e a mudança demográfica, expressa no envelhecimento da população e na queda da fecundidade.

Diante desse cenário internacional, a economista ressalta que o Brasil enfrenta desafios centrais, como adequar seus padrões de produção e consumo a modelos de menor impacto ambiental, construir estratégias eficazes de interação entre múltiplos atores globais e adaptar negócios e políticas públicas às mudanças demográficas em curso. Além disso, o País precisa superar entraves estruturais como a elevada concentração de renda, a baixa produtividade, a polarização política e a dependência excessiva do crédito.

Ao mesmo tempo, ela ressalta que as transformações abrem oportunidades para o Brasil se reposicionar no cenário mundial, aproveitando sua biodiversidade, sua matriz energética relativamente limpa, seu potencial agrícola e a força de seu mercado interno para construir um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo. Todas as lições e desafios que servem também para repensar o futuro de Pernambuco. “O Brasil é parte da solução da crise climática mundial; não podemos esquecer que somos o único país com o bioma Caatinga”, ressaltou Tânia Bacelar.

Acerca do avanço dos empreendimentos em energias renováveis, que é uma das grandes transformações globais, Paulo Guimarães destacou que já existem investimentos fortes no Nordeste, que é o grande player do Brasil neste novo momento energético. “O Nordeste já instalou mais de três usinas de Itaipu em energia renovável e Pernambuco está nesse contexto.”

CRITICIDADE DA INFRAESTRUTURA E OPORTUNIDADES

Ao mesmo tempo que há todo esse potencial energético e da bioeconomia, o desenvolvimento de ambos demanda infraestruturas de distribuição – como as linhas de transmissão – e de logística, a exemplo de estradas e ferrovias. Dois fatores que se inscrevem como crônicos para o Estado. “Infraestrutura em Pernambuco é o nosso calcanhar de Aquiles. Fizemos um porto, mas a infraestrutura econômica de Pernambuco é muito ruim”, lamenta Paulo Guimarães.

Além das conexões com o Sertão e o Agreste – que ainda não receberam a duplicação da BR-232 após São Caetano – e do déficit secular de ferrovias, mesmo os deslocamentos dentro da RMR (Região Metropolitana do Recife) e para o Litoral são críticos. Na palestra, Tânia Bacelar exemplificou a dificuldade de levar os turistas para Porto de Galinhas, que é um dos principais balneários do País.

A ausência de infraestrutura hídrica limita o crescimento do polo de confecções no Agreste, a falta da ferrovia compromete o desenvolvimento do polo gesseiro no Araripe, reduz a competitividade do potente polo avícola e encarece toda a logística do Polo Automotivo de Goiana. São apenas alguns exemplos de como esse entrave, que está conectado às demandas do século passado, limita a conexão do Estado com as oportunidades do futuro.

Ao mesmo tempo que se trata de um desafio, a possibilidade de atração de investimentos nas estradas, nas linhas de transmissão, na ferrovia e nas grandes obras hídricas são simultaneamente oportunidades. Esses empreendimentos além de serem estruturadores, ampliando a competitividade nos territórios beneficiados, geram empregos no curto prazo nas regiões com economia menos dinâmica do Estado.

A atração desses investimentos seria fundamental para haver uma reversão no cenário do mercado de trabalho local. Pernambuco continua liderando o ranking nacional de desemprego, com taxa de 10,8% em 2024, quase o dobro da média brasileira, segundo dados do IBGE. Apesar disso, o Estado vem apresentando uma trajetória de queda: em 2023, o índice era de 13,4% e, em 2022, chegava a 15,9%. Ainda assim, a situação permanece distante de realidades como a de Santa Catarina, que registra apenas 2,2% de desocupação.

“Pernambuco tem 5% da população e 2,5% do PIB. Então, está faltando PIB para botar a população [para trabalhar] também. Um dos grandes problemas de Pernambuco é a dinâmica do mercado de trabalho”, afirmou Tânia Bacelar.

Além da redução de oportunidades, há uma concentração de empregos e do PIB no Litoral e na Zona da Mata. Segundo dados expostos pela Ceplan, 75% da economia de Pernambuco está numa faixa muito pequena do território do Estado. Parte desse subdesenvolvimento e da falta de oportunidades está relacionada justamente à ausência de infraestrutura.

A economista destacou que as regiões beneficiadas pela duplicação da BR-232 nos anos 1990 conseguiram reduzir a diferença em relação à RMR nas últimas décadas. Nas extremidades do Estado, onde ao menos essa infraestrutura rodoviária não foi melhorada, as mudanças são muito tímidas.

Em 2002, por exemplo, a Zona da Mata representava 10% do PIB pernambucano e passou para 14,6% no ano de 2021, segundo dados do IBGE, elaborados pela Ceplan. O Agreste pernambucano, também diretamente beneficiado pela duplicação da rodovia, saltou de 13,7% para 17,6% de participação na economia do Estado. No Sertão, a participação apresentou uma leve variação de 5,8% para 6,2%, indicando uma alteração muito singela da sua dinâmica produtiva. O Vale do São Francisco, especificamente, em quase 20 anos, variou apenas de 6% para 6,1%.

HERANÇA JÁ INSTALADA EM PERNAMBUCO

Além dos fatores naturais – energias renováveis e a Caatinga – que podem beneficiar o Estado nesse esforço de se conectar com as oportunidades contemporâneas, há investimentos realizados nas últimas décadas que dialogam com as tendências globais. Dois deles são o polo tecnológico do Porto Digital, no Recife, e o polo farmoquímico, que está mais distribuído no Estado, tendo a Hemobrás como uma das estrelas da potente indústria de medicamentos.

Na palestra, Tânia Bacelar destacou o papel do Porto Digital como um dos maiores ativos de Pernambuco para projetar seu futuro. Segundo ela, o Estado foi ousado ao apostar, ainda no início dos anos 2000, na criação de um polo de tecnologia e inovação em um momento em que a transição digital era apenas incipiente. Hoje, o Porto Digital reúne quase 500 empresas, mais de 21 mil colaboradores e um faturamento de R$ 6 bilhões, consolidando-se como referência nacional e internacional.

Para Bacelar, o desafio agora é espalhar esse conhecimento por todo o território pernambucano. “O Porto Digital hoje é um ativo importantíssimo para pensarmos o futuro de Pernambuco, porque precisamos disseminar no Estado o conhecimento que está ali.” A Ceplan ressalta o potencial de integração do parque tecnológico com outros setores da economia. O plano estratégico estabelece como objetivo fomentar a inovação em cadeias produtivas relevantes nos territórios de atuação do Porto Digital e, como ação prioritária, ampliar a transformação digital das atividades centrais de pequenas e médias empresas de segmentos prioritários, fortalecendo sua competitividade e modernização.

Além das tecnologias, ela destacou também o potencial da economia criativa do Estado. Pernambuco é reconhecido nacionalmente e globalmente pela sua produção cultural em diversos campos: cinema, música, dança, artes plásticas. São diversas as manifestações que têm um valor que se conecta com as “indústrias” do entretenimento e com o turismo. “Isso precisa ser um dos eixos econômicos do Brasil e de Pernambuco. É uma força importante”.

E se Pernambuco já tem um forte polo médico na sua capital, o polo de medicamentos e biotecnologia é um dos ativos mais estratégicos na economia atual e do futuro. Paulo Guimarães destacou que esse segmento está inserido no que ele chama de “Complexo Econômico-Industrial da Saúde”. O economista ressaltou que Pernambuco consolidou, nas últimas duas décadas, um polo relevante no setor de medicamentos e biotecnologia, impulsionado por investimentos privados e pela inauguração da Hemobrás. Segundo ele, essa estrutura representa um avanço estratégico para além das fronteiras estaduais, pois garante inovação e produção de insumos essenciais à saúde. “Temos no Estado um complexo instalado, seja por meio de investimentos privados, seja com a Hemobrás, que finalmente foi concluída, com R$ 1,9 bilhão investidos. É um projeto difícil, mas estratégico para o Brasil, não só para Pernambuco”, afirmou Guimarães.

TIMIDEZ INDUSTRIAL E FIM DOS INCENTIVOS FISCAIS

Apesar de experiências bem-sucedidas, como o desenvolvimento do Complexo de Suape e do Polo Automotivo de Goiana, Pernambuco está caminhando bem atrás na captação de recursos do programa Nova Indústria Brasil (NIB). Do total do volume de recursos distribuídos pelo BNDES dentro dessa política de modernização industrial do Governo Federal, apenas 1% foi aportado no Estado.

A razão dessa posição mais tímida na atração de investimentos ocorre, segundo o sócio da Ceplan, pela baixa competitividade dos projetos locais, que ainda não estão suficientemente alinhados a um plano sustentável de longo prazo e à estratégia nacional da política industrial. Ele destacou ainda a necessidade de melhor articulação entre governo, setor produtivo e universidades para transformar o potencial existente em propostas que atendam aos critérios do programa.

“É necessária uma mobilização. Tenho certeza que São Paulo já entregou no outro dia [após o anúncio do programa] um pacote de projetos para ser inserido nesse processo. É óbvio que a capacidade de São Paulo, do ponto de vista de entrega de projetos e de mercado, é muito maior. Mas será que a gente não tem projeto aqui? As demandas existem, mas elas têm que ser transformadas em projetos”, alertou Paulo Guimarães.

A corrida por maior infraestrutura e competitividade tem outra urgência. Além de aproveitar as oportunidades do NIB, todo o Nordeste deve estar atento ao final da era dos incentivos fiscais, que serão extintos com a implantação da Reforma Tributária. “Com o fim dos incentivos fiscais, a atração de investimentos dependerá de infraestrutura, inovação e qualificação de pessoas”, disse o economista.

Grandes indústrias como a Stellantis, dificilmente chegariam ao Estado sem os robustos incentivos fiscais. Durante décadas, a política de atração de investimentos da região foi fortemente lastreada nesses benefícios, que funcionaram como contrapeso à distância dos grandes mercados e às fragilidades de infraestrutura. Com a transição definida em lei, o mecanismo perde força gradualmente e obriga estados a repensarem sua competitividade em novas bases.

Nesse cenário, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional ganha centralidade. A expectativa é que o instrumento alcance R$ 40 bilhões anuais até 2033, destinado a financiar projetos de infraestrutura, inovação e desenvolvimento científico e tecnológico. Para aproveitar essa oportunidade, será indispensável elaborar e priorizar projetos de impacto, capazes de substituir a lógica dos incentivos fiscais por um modelo mais sustentável de atração de investimentos.

As análises apresentadas no Pernambuco em Perspectiva deixam claro que o Estado chegou a um ponto de inflexão: ou enfrenta de forma articulada os desafios da infraestrutura, da baixa competitividade industrial e da desigualdade territorial, ou perderá espaço nas novas dinâmicas globais. A transição energética, a bioeconomia e os polos tecnológicos já consolidados em Pernambuco revelam que há ativos estratégicos capazes de impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento. Mas, para transformar esse potencial em resultados, será indispensável a cooperação entre governo, setor privado e academia, com projetos bem estruturados que coloquem o Estado no mapa do Século 21.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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