Era uma vez uma ferrovia: Pernambuco luta pelo ramal para Suape que ficou fora da Transnordestina
*Por Rafael Dantas A história da Transnordestina, desde 2006, segue com obras atrasadas e muitas controvérsias, a última delas refere-se a um aditivo assinado pela ANTT e a empresa TLSA de excluir o trecho até Suape, preservando o de Pecém. Há interpretações de que essa alteração também pode prejudicar a construção do ramal ou de uma outra ferrovia até o porto pernambucano pela empresa Bemisa. Especialistas rechaçam os critérios técnicos da escolha e alertam que somente uma ação conjunta dos políticos pernambucanos pode reverter a situação. A construção do ramal ferroviário Salgueiro-Suape sofreu uma derrota no apagar das luzes de 2022. Um aditivo ao contrato de concessão assinado entre a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a Transnordestina Logística SA excluiu o trecho pernambucano do projeto. A partir de agora, a ferrovia seguirá apenas para o Porto de Pecém, no Ceará, deixando o maior porto do Nordeste sem uma conexão ferroviária. O projeto lançado em 2006, pelo então presidente Lula em seu primeiro mandato no Governo Federal, tinha previsão de ser concluído em 2010. Com uma sequência de atrasos e uma suspensão de repasse de recursos do Tribunal de Contas da União por indícios de irregularidades, a Transnordestina chega a 2023 sem um vagão em operação. A amputação do ramal pernambucano do projeto, apesar de frustrante principalmente para o Complexo Industrial e Portuário de Suape, não é uma surpresa. Em 2021, o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, afirmou em um evento realizado pelo jornal Valor que Pernambuco não teria mais um ramal da ferrovia Transnordestina. Na ocasião, ele justificou que não havia viabilidade para fazer a conexão até Suape, indicando que não havia demanda para as duas pernas do projeto. Questionada pela redação da Algomais sobre a razão de optar por Pecém, a empresa TLSA respondeu que as definições que constam no aditivo ao contrato foram avaliadas por vários anos por diversos entes, como a Valec (atual Infra S.A.), Ministério dos Transportes, ANTT, TCU (Tribunal de Contas da União) e a própria Transnordestina Logística. “Estes estudos consideraram de forma técnica as diversas interferências ocorridas no traçado aprovado, bem como uma minuciosa avaliação técnica e comercial de cargas origem x cargas destino realizada por consultoria internacional que, ao final, apontou como a melhor opção a solução detalhada no aditivo e referendada por unanimidade pelo TCU”, informou a assessoria de imprensa da TLSA. Essa justificativa técnica, no entanto, é contestada por vários especialistas. A distância entre Salgueiro, que é o ponto de entroncamento entre os dois ramais, e Suape é aproximadamente 100 quilômetros a menos que o percurso até Pecém. Além da diferença de investimentos para a construção, a operação de qualquer trem teria um custo agregado na verdade de 200 quilômetros, somando os trajetos de ida e volta. Mas as contestações não param por aí. O fato de Suape ter não apenas um porto, mas também um complexo industrial, as composições da ferrovia que trariam para o litoral os grãos e minérios da região de Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), levariam de volta para o Sertão nordestino diversos produtos que são fabricados em Pernambuco ou que chegam ao Estado nos diversos centros de distribuição instalados na sua região metropolitana. “Tecnicamente é uma questão equacionada. Suape tem o trajeto mais curto e de menor custo operacional. O problema são interesses particulares da concessionária, que opera o terminal privativo do Porto de Pecém. Pernambuco está sendo prejudicado”, afirmou o doutor em engenharia civil e professor aposentado da UFPE, Maurício Pina. O engenheiro critica inclusive o fato de abrir mão de um dos ramais. Pina explica que a concepção dessa ferrovia é ainda dos tempos de Dom Pedro II, que tinha a perspectiva de integrar o Litoral e o Sertão do Nordeste. Inicialmente, inclusive, o projeto seguia até Petrolina, onde também se conectaria à Hidrovia do Rio São Francisco. “Para a região será péssimo não construir os dois ramais e não tem nenhum sentido de construir só o do Ceará”, avalia. Sobre as referidas alterações de traçado, mencionadas na resposta da TLSA, Francisco Martins, ex-presidente do Complexo de Suape, explica que foram três mudanças. A primeira foi a Variante Serro Azul, uma necessidade devido à construção da Barragem de Serro Azul, realizada após as enchentes da Mata Sul há mais de uma década. A segunda chamada Variante das Cidades retirou o traçado dos centros urbanos, por não se tratar de uma ferrovia de passageiros. “Como é um trem expresso de cargas, o projeto o desviou dos centros urbanos para evitar transtornos. Essa mudança, inclusive, encurtou o traçado original”, conta Francisco Martins. Essas duas já foram apresentadas e aprovadas pela ANTT. A terceira é a Variante do Convida, um projeto que prevê um pequeno desvio para não seccionar um empreendimento privado. Um outro aspecto de contestação dos especialistas sobre a “justificativa técnica” de exclusão de Suape é o fato de os estudos realizados nunca terem sido publicizados. A pesquisa encomendada pela Valec à Consultoria McKinsey permanece em sigilo. UMA ALTERNATIVA À TRANSNORDESTINA Francisco Martins, que também é engenheiro e ex-diretor de Planejamento e Gestão do Complexo de Suape, defende que Pernambuco persiga outra alternativa de construção do ramal Salgueiro-Suape e que pare de falar de Transnordestina. “Existe uma solução para Pernambuco e ela passa por esquecer a expressão Transnordestina. Prefiro chamar de conexão ferroviária de Suape. Essa concessionária nunca levou Pernambuco a sério. Frente às diferenças competitivas entre Suape e Pecém não dá nem para conversar. O porto cearense não tem carga de retorno. Do ponto de vista ambiental, em cada viagem de ida e volta são mais 200 quilômetros de locomotivas movidas a óleo diesel indo para o Ceará. A opção por Suape é muito menos poluente”, comparou o ex-presidente de Suape. Um dos fatores que comprova a maior competitividade do ramal pernambucano foi a opção da Bemisa, empresa detentora de uma mina de minério de ferro no Piauí, por construir uma ferrovia ligando Curral Novo (PI) até Suape. Em anúncio realizado no ano passado no Palácio do Campo … Continue lendo Era uma vez uma ferrovia: Pernambuco luta pelo ramal para Suape que ficou fora da Transnordestina
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