"Ter a Transnordestina concluída é o desafio que nós todos do Nordeste precisamos enfrentar" - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

"Ter a Transnordestina concluída é o desafio que nós todos do Nordeste precisamos enfrentar"

Revista algomais

O deputado federal Pedro Campos diz ser preciso “muita luta, muita força política” para que a obra da ferrovia seja finalizada. Ressalta que mesmo o Ceará, que continua na concessão do projeto, está apreensivo quanto à sua conclusão e propõe um diálogo amplo para buscar a melhor alternativa para concluir o empreendimento. (Foto: Lula Carneiro)

P ara que o transporte de carga pelos vagões da Transnordestina torne-se finalmente uma realidade, o deputado Pedro Campos (PSB-PE) entende ser preciso ainda “muita luta, muita força política”. Ele analisa que a apreensão sobre a conclusão do projeto – que deveria ter acontecido em 2010 – é um sentimento compartilhado tanto pelo Ceará quanto por Pernambuco. Após o ministro dos Transportes Renan Filho ter assegurado a construção da linha para Suape, o parlamentar acredita que o momento agora é de diálogo com todas as partes interessadas no empreendimento e de vislumbrar as soluções para que seja construído da maneira mais breve possível. Por isso, organiza uma audiência pública para tratar do tema na Câmara Federal.

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Nesta entrevista a Cláudia Santos, Pedro Campos ressalta que a Transnordestina deve ser vista como um projeto de integração e desenvolvimento do Nordeste, que vai beneficiar vários Estados nordestinos. O parlamentar também fala de outras obras estruturadoras da região e ressalta a importância de implantar uma política de incentivos para a industrialização e a geração de emprego e renda.

O que o senhor achou do pronunciamento do ministro Renan Filho assegurando que a conexão da Transnordestina até o Porto de Suape está mantida, podendo ser construída com recursos públicos ou privados?

Esse pronunciamento, na verdade, já é uma constatação feita desde a eleição do presidente Lula e do compromisso que ele tem com o projeto da Transnordestina por inteiro. Está claro que essa missão foi passada para o ministro dos Transportes para poder viabilizar a obra por inteiro. Estamos ainda na mesma situação de avaliar os cenários.

O ministério está avaliando a possibilidade de fazer a autorização ferroviária para o Grupo Bemisa realizar essa construção, ou o plano B, que seria colocar o recurso público diretamente por meio de uma obra pública que poderia ser executada pela Infra S.A. ou algum outro órgão do Governo Federal. Acredito que o ponto que se avança em relação ao cenário anterior é a constatação de que o retorno à concessão não é uma das possibilidades colocadas.

E como foram as articulações na Câmara em prol da conexão da ferrovia com Suape e quais os próximos passos da Frente em Defesa do Nordeste?

Tivemos o lançamento da frente firmando o compromisso de lutar por obras estruturadoras no Nordeste. Estamos falando da Transnordestina e algumas outras obras como a ferrovia Oeste-Leste da Bahia, ou a duplicação de algumas BRs importantes. Depois, na reunião da bancada, tivemos a oportunidade, junto com a ministra Simone Tebet, de poder discutir as questões mais voltadas ao planejamento e à política de incentivos ao desenvolvimento da região.

No mesmo dia da reunião da Comissão de Integração Nacional, na Câmara, tive a oportunidade de apresentar um requerimento, que foi aprovado, para a realização de uma audiência pública sobre a Transnordestina. Esse será o próximo passo a ser dado até para contribuir neste estágio atual de análises dos cenários. Estamos chamando a TLSA, a Bemisa, o Ministério dos Transportes e organizações dos governos locais para que seja feito um debate sobre esses cenários e que fique mais fácil a construção do melhor caminho para que possamos ver a Transnordestina ser construída como um todo.

É importante ressaltar que, antes disso, foi feita uma reunião com os deputados federais de Pernambuco, convocada pela governadora Raquel Lyra, em relação a essa questão. A Bancada Pernambucana, desde o governo anterior, vem apoiando e se mobilizando. O coordenador da bancada, Augusto Coutinho, continua muito ativo em relação a essa participação.

A bancada de deputados estaduais também tem se movimentado. Participei de uma audiência pública realizada por essa bancada, pela Frente de Defesa da Transnordestina, liderada pelo deputado João Paulo. Vemos uma sinergia muito forte dos atores políticos de Pernambuco para lutar por essa ferrovia por inteiro, especificamente do trecho de Salgueiro até Suape.

A audiência pública já tem data prevista?

Ainda não foi marcada a data. Há uma dificuldade regional em razão do período dos festejos juninos, que a gente sabe que acaba demandando muito dos parlamentares e dos governadores. Mas a expectativa é que logo após o período junino e antes do recesso parlamentar, marcaremos essa audiência pública.

Qual a importância da Transnordestina para Nordeste?

A Transnordestina foi pensada como um projeto de integração e desenvolvimento do Nordeste, para ligar Piauí, Pernambuco e Ceará e, obviamente, impactar os estados vizinhos. Sabemos que, por exemplo, a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), vai poder escoar os grãos pela ferrovia. Sabemos que existe a possibilidade de integração com a Norte-Sul, uma importante ferrovia que cruzará o Maranhão. E sabemos também que Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas poderão se beneficiar com a Transnordestina. A ferrovia foi pensada como um projeto estruturador de integração e desenvolvimento do Nordeste, que pode fortalecer a industrialização e a logística da região que permite que os negócios possam ter maior viabilidade econômica e financeira em serem implantados.

Acredito que é essa mesma visão que faz com o que o presidente, hoje, diga ao seu ministro que ele quer ver a Transnordestina realizada por inteiro para que se mantenha essa visão de integração e fortalecimento do Nordeste, que não seja pensada com uma visão estreita de simplesmente escoar um produto específico do Piauí através do Porto do Ceará.

Qual das alternativas o senhor acha mais promissora: a autorização ou a execução pública?

Acredito que ainda devam ser aprofundadas as questões em torno de cada uma dessas soluções. A autorização ferroviária já daria solução para a implantação e operação da ferrovia, tendo em vista que a empresa autorizada, além de construir, teria também autorização para operar a Transnordestina. A execução da obra pública é uma solução emergencial muito mais focada na questão da implantação da ferrovia e que depois seria necessário ver como se daria a sua operação.

Acredito que o que deve ser feito é o caminho que possa levar à construção da ferrovia com a maior brevidade possível, e com o menor uso de recursos públicos possível, tendo em vista que a própria concessão, como foi feita, já demandou um investimento grande de recursos públicos. São dois vetores importantes para serem levados em conta nesta decisão.

O ministro está buscando fazer os estudos pelo Ministério dos Transportes, temos mantido contado com a sua equipe técnica que a todo momento vem se colocando à disposição e mostrando os estudos que estão sendo feitos. E que esses estudos sejam feitos na maior brevidade possível, para que seja tomada uma decisão em cima desses critérios e que possamos ver o quanto antes a retomada da obra no trecho de Salgueiro até Suape.

Já existem resultados parciais desses estudos?

Eles estão sendo realizados, até porque são estudos que requerem um entendimento do ponto de vista econômico-financeiro e do ponto de vista jurídico. Existe a questão da remuneração dos investimentos que foram feitos nesse trecho. Tudo o que foi investido pela TLSA de Salgueiro até Suape deve ser remunerado à concessionária. Essa questão precisa ser vencida, independente do caminho que vai ser dado.

Também há o entendimento do ponto de vista jurídico de como funcionaria esse arranjo da autorização. Um terceiro ponto é a situação econômico-financeira. As informações que temos é que o Grupo Bemisa busca um parceiro investidor para poder viabilizar a ordem de grandeza dos investimentos. Esse seria o entrave dessa solução. O ministério está levantando essas outras questões para poder encontrar uma saída para que seja viável do ponto de vista econômico-financeiro e jurídico. Acredito que a própria declaração do ministro deixa claro que esses estudos estão avançados, que estão sendo estudadas as duas possibilidades.

Como estão as articulações dos parlamentares dos outros Estados, em especial do Ceará? Qual o posicionamento deles?

Tenho conversado com o líder da bancada do Ceará, o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) e com o líder da bancada do Piauí, deputado Flávio Nogueira (PT-PI) e também com o líder da bancada do Nordeste que é líder da Frente Parlamentar em Defesa do Nordeste, o deputado Júlio César, do Piauí, um Estado diretamente interessado na ferrovia. Claramente, o desejo de toda a bancada do Piauí é que se encontre uma solução o quanto antes, sem nenhum tipo de predileção por qual caminho que será dado, porque o interesse do Piauí é escoar tanto a sua soja quanto o minério de ferro por porto. Não existe uma predileção, na verdade existe uma preferência de que as duas saídas possam ser viabilizadas porque isso facilita ainda mais a questão do custo do frete.

Do ponto de vista da bancada do Ceará, existe um entendimento de que é preciso continuar lutando para que essa obra se torne realidade. Tive a oportunidade de conversar na Comissão de Integração Nacional com outros deputados e a bancada do Ceará não vê como situação resolvida a Transnordestina. Eles continuam brigando por ela. Eles conhecem essa obra, conhecem essa concessão, conhecem a concessionária e sabem que é preciso brigar muito até que essa obra aconteça.

Eles vão focar a energia política, obviamente, em defesa do trecho do Ceará, mas que existe sinergia nessa demanda de Pernambuco e Piauí, porque todos querem ver a Transnordestina pronta. Não estamos falando de uma ferrovia que está concluída do Piauí até o Ceará e queremos que ela seja até Pernambuco. Falamos de uma ferrovia que não foi concluída para ninguém ainda.

Inclusive, tive a votação favorável de alguns deputados do Ceará em favor da audiência pública, que foi solicitada na Comissão de Integração Nacional, exatamente com essa ótica de saber que ter a Transnordestina concluída é o desafio que nós todos do Nordeste precisamos enfrentar.

A conclusão deveria ter sido em 2010…

Exatamente. E o problema de Pernambuco não foi nem ter saído da concessão, mas que, ao sair, deveriam ter sentado à mesa o Governo Federal, o Governo de Pernambuco, a Bemisa para poder já sair da concessão com um plano B traçado e viabilizado. Isso não foi feito pelo governo Bolsonaro em dezembro passado. E era um momento em que os governos federal e estadual estavam saindo. Esse foi o grande problema dessa condução, foi dar esse passo sem sentar na mesa e discutir quais seriam as alternativas e as soluções que seriam dadas.

E vemos quem está e quem não está dentro da concessão com a mesma apreensão, até porque essa concessão não é de hoje, ela tem mais de uma década que está em vigência e ainda não foi entregue a ferrovia a nenhum dos estados. Precisamos entender que é preciso muita luta, muita força política para que essas obras sejam realizadas e concluídas.

Como o ex-governador Paulo Câmara, que hoje é presidente do Banco do Nordeste, pode ajudar nesse processo?

Paulo Câmara é peça fundamental nesse arranjo da viabilidade da Transnordestina, até porque boa parte dos recursos necessários à execução da ferrovia serão oriundos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste gerido pelo BNB. Tanto a viabilidade da atual concessão (que já demonstrou a necessidade de um maior aporte de capitais com custo barato que seria dessa linha do BNB e do BNDES), quanto a viabilidade do trecho Salgueiro-Suape (quer seja pela Bemisa ou por obras públicas), passam, necessariamente, por um sistema de financiamento do Banco do Nordeste.

Paulo Câmara tem um papel fundamental nessa construção. Eu até brinco dizendo que ele é a melhor pessoa para resolver essa situação, porque ele é um pernambucano, num banco que é do Nordeste, sediado em Fortaleza. Então ele está exatamente dentro dessa visão da região e com certeza isso vai ajudar muito na construção de um caminho que seja bom para o Ceará, para Pernambuco e principalmente para o Nordeste.

Quais são os outros projetos estruturadores do Nordeste para os quais vocês da bancada estão atuando?

Cada Estado tem seus projetos estruturadores mas podemos citar a Transnordestina junto com a Transposição do Rio São Francisco como os projetos que integram mais estados. Na transposição, vemos Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco diretamente afetados e, na Transnordestina, Piauí, Ceará e Pernambuco. Do ponto de vista de obras estruturadoras e integradoras, temos a ferrovia Oeste-Leste, que afeta diretamente a Bahia, e a Norte-Sul, no Maranhão. Temos um ramal rodoviário ainda muito forte. Todos os estados têm demandas quanto à duplicação de algumas BRs e algumas que também são estruturadoras para cada um deles.

Outra questão importante é a necessidade de uma política de incentivos para a região, para a geração de emprego e renda, para a industrialização e, assim, avançarmos em algumas outras áreas importantes. Essa discussão também deve integrar todos os estados do Nordeste. Sabemos que existe a área de incentivos da Sudene, que serão mantidos, mesmo com essa reforma tributária. Existe também a questão dos fundos constitucionais que serão mantidos, o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste e a operação que ainda são recursos do Finor (Fundo de Investimentos do Nordeste) que também continua com essa reforma tributária.

Mas a reforma faz uma redução dos incentivos estaduais que hoje ainda são muito importantes dentro do contexto de industrialização do Nordeste. Queremos discutir qual é a melhor forma de fazermos isso. A maneira como foi feita essa política no País, aonde todos os estados acabaram dando os mesmos incentivos, que passaram a não ser mais um elemento de competitividade, acabou diminuindo a arrecadação simplesmente por causa de uma guerra fiscal.

Esse não era o caminho. Mas também nos preocupa não termos alternativas para a industrialização do Nordeste e para continuar gerando emprego e renda para a população da região. Esse é um tema também que, apesar de não ser de pedra e cal, é estruturador e foi por isso que a gente chamou o Bernard Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária) e a Simone Tebet para discutir essas questões. O desejo é que, no próximo café da manhã da Bancada do Nordeste, possamos conversar diretamente com o ministro Fernando Haddad sobre essas questões de incentivos.

Queremos dialogar do ponto de vista financeiro, para termos os fundos que vão garantir financiamento com juros mais baixos para a implantação dessas questões estruturais do Nordeste, e do ponto de vista da existência de incentivos fiscais que não sejam desse formato da guerra fiscal que existiu nos últimos anos. Mas que possam garantir a atração de empresas e indústrias para o Nordeste e vencer a barreira que temos hoje: dos 10 Estados mais pobres do País, 9 são do Nordeste.

Também temos que olhar até um terceiro ponto na frente, que é a questão dos projetos sociais: 50% dos beneficiários do Bolsa Família estão no Nordeste. Então, não adianta o Governo Federal olhar para o Nordeste achando que é caro dar incentivo fiscal ou fazer obra de infraestrutura ou promovendo a geração de emprego e renda. Se o governo não pagar a conta desse jeito, vai ter que pagar na forma do auxílio, do programa social.

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