Sérgio Vilanova: “Eu sei pintar alegria porque escutei muito frevo” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Sérgio Vilanova: “Eu sei pintar alegria porque escutei muito frevo”

Artista plástico Sérgio Vilanova conta como a paixão por Olinda o inspirou a criar um universo fantástico povoado por figuras alegres e cheias de cor. Também fala dos planos de fazer um livro e de como acompanhar a banda de seu pai – o maestro José Alves – no Carnaval olindense influenciou a sua arte.

Estar no ateliê/casa do artista plástico Sérgio Vilanova é sentir a atmosfera de Olinda. A começar pelo próprio imóvel, uma construção secular, na cor vinho, típica da Cidade Alta. Ao entrar na sala, o visitante logo recebe o impacto de seus diversos quadros (que tomam as paredes), cheios de cores, movimentos e ludicidade. É como se as figuras alegres e coloridas no estilo naïf estivessem num ambiente carnavalesco sob a vibração do som de uma orquestra de frevo.

“Gilberto Gil disse ‘a Bahia me deu régua e compasso’, e eu acho que Olinda me deu as cores”, compara o artista. E não é para menos. Afinal, Sérgio, desde criança, quando morava na mesma casa da Rua do Amparo, não só observava pela janela a brincadeira dos foliões, como também acompanhava seu pai, o maestro José Alves, comandando uma banda de frevo, pelas ladeiras arrastando a multidão. Ele também exercia uma função importante: desenhava as partituras. Mas, se não seguiu a carreira paterna de músico, a vivência carnavalesca acabou por influenciar a inspiração da sua obra com imagens que esbanjam animação e festividade.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, o artista falou da sua trajetória que tomou impulso ao ser premiado no Salão de Arte do Museu do Estado. Ele participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, como Laumeier Sculpture Park, em Saint Louis, nos Estados Unidos; Het Domein, Holanda; Cassino do Estoril, Portugal; e Museu Internacional de Art Naïf do Brasil. Apesar de viver da sua arte, Sérgio Vilanova lamentou as dificuldades para concretizar o projeto de realizar um livro sobre sua produção artística. Também conversou sobre seu processo criativo e a convivência com outros artistas em Olinda.

Como você começou a se interessar pelas artes plásticas?

Meu pai era músico no início dos anos 1970, e tinha uma orquestra de frevo. Isso foi, para mim, uma verdadeira escola de arte. Na música, eu fazia de tudo. Escrevi muitas partituras – eu que desenhava as partituras da banda, porque não tinha xerox – já veio daí o talento para desenhar. A banda, essa coisa gostosa do Carnaval, está entranhada na minha pintura e eu acho isso maravilhoso.

Uma vez um amigo do meu pai disse para ele: “olha, Zé Alves, seu filho não vai ser teu sucessor na música, não”. Passou um tempo, meu pai comprou para mim uma paleta de cores e me perguntou: “é isso que você gosta?” E respondi que sim, e ele disse: “então, toma e segue”. Foi o maior presente para mim.

E como foi sua trajetória? Você sempre viveu da arte?

Depois que meu pai fechou a banda, em 1977, tentei fazer outras coisas para sobreviver. Trabalhei numa gráfica, cheguei a fazer a parte gráfica para agências de publicidade, mas não era minha praia. Minha praia mesmo era o desenho. A arte sempre foi a minha razão de ser. Quando tinha tempo livre, fazia uns rascunhos, e as pessoas gostavam, então, criei coragem e, em 1982, quando ainda havia salões de arte do Museu do Estado, coloquei uma pintura minha e fui premiado.

Então decidi deixar a gráfica e virar artista. Aí eu fui caminhando, criando e, graças a Deus, fazendo exposições. Tenho trabalhos na Itália, na Holanda, em museus na América. Apareci em muitas matérias de jornal e programas de TV, por exemplo, Globo, Discovery, BBC. Hoje eu consigo viver da minha arte. Minha casa fica em Olinda, tem três andares, moro no segundo e no primeiro, exponho meu trabalho.

Não sou um cara de tanto luxo, mas consigo me manter porque não estou fazendo clientes, estou fazendo amigos. E isso é melhor, pois um amigo te ajuda, se estou com um quadro exposto em casa, ele vai querer. Eu não perdi a essência do que eu sou. Tereza Costa Rego me dizia: “quando eu te conheci você estava amadurecendo e hoje você não perdeu sua essência”.

Então é basicamente Olinda que inspira a sua arte?

Olinda é meu referencial até hoje. Essa cidade me conquistou desde o dia que eu nasci. Gilberto Gil disse “a Bahia me deu régua e compasso”, e eu acho que Olinda me deu as cores. Estou sempre buscando algo novo dentro da natureza de Olinda, sempre buscando algo que remeta ao Carnaval. Desde quando acompanhava meu pai na banda, eu via passistas, a La Ursa, os Papangus e isso me dava um giro de cores. Quando estou triste eu saio, vejo uma mulher com roupas coloridas, eu digo “isso é a cor que eu quero”, volto para casa correndo e pinto.

Sua pintura tem movimento, ludicidade e muitas cores vivas também.

É um combo de cores e, justamente por isso, eu não sei pintar triste, eu não sei pintar deprimido. Uma vez Marianne Peretti (artista plástica vitralista, falecida em 2022 e que morou em Olinda) trouxe Oscar Niemayer aqui. Ele olhou, olhou, olhou e disse: “rapaz, gostei muito do seu trabalho, você é o poeta das cores”. Fiquei emocionado, só tinha visto o homem num livro de escola. E realmente é um colorido que eu busco no dia a dia da cidade, do cotidiano, das coisas simples, dos quintais com os pássaros, da simplicidade da Macuca, da felicidade dos moradores. Eu sei pintar alegria porque escutei muito frevo, vi muita gente se divertindo, com fantasias na cabeça feitas de papel machê, e isso me alegrava. É essa coisa que eu observo dentro do meu olhar.

E você sempre foi autodidata? Nunca frequentou um curso de artes plásticas?

Não. Mas não podemos afirmar que, em Olinda, a pessoa é autodidata, porque aqui há muitos artistas que nos ensinam um monte de coisa.

De fato, você está em Olinda que, além do Carnaval, tem muitos ateliês e a tradição de movimentos como a Oficina Guaianases. Em termos de artes plásticas, quem o inspirou?

Todo mundo, Bajado, Gina, João Câmara, Delano, todos eles. Antigamente, havia mais encontros entre os artistas. Antes da pandemia e do avanço da internet e das novas tecnologias de comunicação, a gente se encontrava com mais frequência. Outro dia, estive numa exposição de João Câmara e recordamos que havia, inclusive, um joguinho de futebol dos artistas.

Era uma felicidade a gente se encontrar. Às vezes um deles chegava a dizer: “está fazendo essa tela usando o quê? Ah, usa essa tinta que é melhor”. Ou seja, havia troca, havia comunicação. Em Olinda ainda existem muitos artistas, mas o contato não é como antes. Entretanto, meu respeito pela cidade permanece, ainda é muito grande.

Como você define a sua arte?

Minha arte é muito naïf, que é uma terminologia francesa que quer dizer ingênuo. Esse estilo de pintura tem como precursor o francês Henri Rousseau e vem do fauvismo. Então, eu acho que minhas obras são arroubos de cores, e cores primárias, por isso têm esse traço naïf. Mas, ao mesmo tempo, é muito contemporânea, porque eu faço um pássaro com quatro cabeças, por exemplo, aí junta uma loucura meio geométrica, uma disciplina. A gráfica me deu isso: disciplina. Ou seja, tem umas coisas meio surrealistas dentro do meu trabalho e, ao mesmo tempo, tem um traço bem delicado, como as Borboletas de Júlia, que fiz para minha filha quando ela nasceu.

Também fiz um painel de 8m e 20cm, é minha “Guernica do Picasso”. É um trabalho muito interessante que foi inspirado numa conversa sobre o casamento do Homem da Meia-Noite com a Mulher do Dia. Nessa conversa, estávamos fazendo um lanche e eu usei um papel de pão e um lápis e ia desenhando enquanto conversávamos.

Saí de lá com esse projeto todo pronto na cabeça. Nele tem o “Homem da Meia-Noite com a Mulher do Dia, “Entre Cobras e Lagartos”, “Chama- -se o Carnavalesco”, “Avisa ao Povo”, tem a “Benção da Mamãe Olinda” e a cena do casamento na igreja Nossa Senhora do Carmo com a trilogia Mulher do Dia, Homem da Meia-Noite e Menino da Tarde. Eu tenho um carinho muito grande por esse painel. Espero que vá para um museu.

Você não assina suas obras?

Eu não quero mais ser determinado por uma assinatura. Por isso, assino atrás dos quadros.

Com quais materiais você costuma trabalhar?

Eu trabalho com óleo sobre a tela, mas também trabalho com madeira. Tenho obras que são de madeira de demolição. Eu sou pior do que cupim (risos). Certa vez encontrei, numa reforma de um casarão cedro rosa, amarelo vinhático e jacarandá. Tenho obra feita com um tipo de madeira que aguenta desde o calor do Brasil até o frio da Suíça.

Também tenho uma obra feita com madeira que tem cerca de 200 anos. Era o balcão da Loja Azul, que foi um dos primeiros armarinhos de Olinda. Geralmente eu entalho a madeira e depois pinto. Mas, em respeito à essa madeira antiga, eu não pintei. Tenho coisas com ferro também. No geral, experimento muito dentro do meu trabalho, apesar de ainda não ter um ateliê grande. Eu gostaria de ter um ateliê enorme para fazer grandes esculturas, usar cerâmica, sou louco para fazer vitrais. Mas isso tem que ter um espaço, tem que ter uma estrutura, que ainda não tenho, mas vou chegar lá.

Como você vê a obra dessa nova geração de artistas?

Eu tenho uma mente muito aberta. Eu sempre fui a favor do ateliê livre. Ou seja, não sou do tipo de artista que fica restrito ao ateliê de outros mestres, aguardando o “cartão verde” de um mestre para assinar determinada obra. Eu gosto de gente livre, eu sou livre. Então experimentar na arte é uma obrigação. Atualmente, temos um celeiro de artistas regionais, gente de boa qualidade, tanto no artesanato, na arte com peças únicas, na arquitetura. Então, acho que é preciso dar mais espaço e seguir artistas como Janete Costa, que tinha um olhar muito voltado para a arte regional.

Quais são os seus próximos planos?

Tenho vontade de produzir um livro. Acho que está na hora, já estou com 60 anos. Gostaria de fazer também uma boa exposição. Mas não é fácil dentro do Brasil fazer cultura, a gente termina voltando àquele velho sistema de “precisa ser classificado para ver se consegue”. Era assim com o salão de arte, que toda artista temia, mas tinha que participar para ver se era o melhor e ser classificado. A mesma coisa de qualquer Lei Rouanet atual. Mudou o nome, mas o percurso é o mesmo. Mas estou aberto aos empresários que queiram conversar para investir na cultura, na minha arte.

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