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Rafael Dantas

Fintechs: A inovação chega à conta bancária

*Por Rafael Dantas

Você já se aborreceu com o atendimento burocrático em um banco? Já reclamou das tarifas para um empréstimo ou de alguma operação de crédito? Ou já teve seu cadastro negado por alguma instituição financeira? Se a resposta for “sim”, você pode ser um cliente em potencial das fintechs. Elas são empresas que usam tecnologia de forma intensa e inovadora para oferecer serviços financeiros. Com as soluções que estão surgindo, essas startups prometem transformar o mercado dominado pelos bancos tradicionais.

Algumas das fintechs mais famosas do Brasil são o Nubank, o PagSeguro e o Inter. Entretanto este é um segmento que já possui mais de 500 startups, segundo o último radar da FintechLab. O estudo identificou empresas de pagamentos, empréstimos, gestão financeira, investimentos, seguros, bancos digitais, entre outros. Pernambuco é o nascedouro de alguns desses players como a Neurotech, a PagueBem e o Z.ro Bank.
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Obadias Silva não conseguiu ser atendido pelo sistema tradicional de crédito. Hoje, aceito por uma fintech, ele nem pensa em aderir a um banco tradicional. Foto: Tom Cabral

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Obadias Silva, 24 anos, morador da Comunidade do Iraque, no bairro da Estância, teve a solicitação de um cartão de crédito negada duas vezes. Trabalhador informal em um negócio familiar de fornecimento de refeições e lanches, ele era um dos 45 milhões de brasileiros desbancarizados. Até que um amigo o indicou para tentar uma instituição digital. “O banco aceitou meu cadastro e ofereceu apenas R$ 200 de crédito no começo. Quando fui usando o crédito e pagando em dia, esse limite aumentou muito”.
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Hoje, com um crédito de mais de R$ 2 mil, Obadias conta que esse acesso ao sistema foi muito importante para comprar os móveis da sua casa, quando se preparava para casar. Ele diz que nunca atrasou uma conta. Recentemente, a instituição que negou se acesso há uns dois anos tem insistido para que ele faça o cartão. Mas ele nem pensa duas vezes. “Não preciso mais. O meu atendimento hoje é superprático. Resolvo quase tudo pelo aplicativo do celular e não tem tarifas”, conta.

Os primeiros clientes dessas empresas são justamente pessoas das classes C, D e E, de acordo com a pesquisa Fintechs de Crédito 2019, elaborada em parceria pela PwC e pela Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD). “Esse ainda é o principal público das fintechs. Mas há uma aceitação crescente de outras camadas sociais. O grande nicho que está sendo atendido neste momento é de um pessoal mais jovem e também dos excluídos do sistema bancário tradicional”, afirma o presidente da ABCD, Rafael Pereira.

A empresária Beatriz Braga, 30, está no perfil dos que aderiram às fintechs pela qualidade dos serviços. Desde 2017, ela e a empresa em que é sócia, a Stay Hall, possuem uma conta em um banco tradicional e outra em um digital.

“Há dois anos tive um problema que tinha que ser resolvido numa agência. Fui três vezes e não consegui. Estava cansada das tarifas e de enfrentar burocracia. Daí vi uma propaganda e decidi experimentar um banco digital. Hoje perco menos tempo e não pago mais por várias transações. O atendimento é fácil e muito ágil”, relata a empresária.

Mesmo quem não tem uma conta em um desses novos bancos, provavelmente já usou algum serviço de uma fintech. Contribuir com uma vaquinha virtual em um site de crowdfunding ou passar o cartão em uma maquininha de pagamento são alguns exemplos. Muitas empresas do varejo ou mesmo seguradoras usam serviços dessas startups para fazer a análise de crédito de forma mais rápida dos seus clientes.

Elas estão em todos os lugares, movimentando milhões. Só em concessão de empréstimos, os números de apenas 43 organizações entrevistadas pela PwC e ABCD apontam um volume aproximado de R$ 1,2 bilhão. Apenas o Nubank já possui uma carteira com 20 milhões de clientes e já é o sexto maior do País.

De acordo com Luís Ruivo, sócio e líder de serviços financeiros da PwC Brasil, o movimento das startups acontece principalmente para resolver necessidades não atendidas pelo serviço tradicional e para gerar vantagens competitivas para os clientes. “Elas estão focadas na melhoria dos serviços e na redução de custos e de tarifas”.

Com a aceitação crescente dos brasileiros e com a melhor regulação do setor, Ruivo aposta em algumas tendências para os próximos anos que deverão mudar ainda mais a forma como usamos os serviços do sistema financeiro. “O open banking, que está em discussão no Brasil, traz a expectativa de termos uma maior competição no mercado, com o crescimento dos bancos digitais. Outra tendência é de uma transformação nos meios de pagamentos, com o uso mais forte do QR Code por intermédio dos smartphones. No Brasil já há algumas experiências iniciais, mas essa já é uma forma de pagamento vastamente usada na China”, afirma o sócio da PwC.

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A implantação do open banking no Brasil foi submetida à consulta pública pelo Banco Central. Trata-se do compartilhamento de dados e serviços do sistema financeiro por meio de uma camada de tecnologia padronizada. Na prática, isso permitirá que o cliente autorize a portabilidade ou histórico de crédito para uma nova instituição em que ele tenha interesse em abrir uma conta, por exemplo. Para os especialistas, isso abrirá caminho para uma série de novas startups criarem inovações e prestarem serviços.

Os bancos tradicionais também se movimentam, de olho na dinâmica das fintechs em busca de inovação. Os maiores cases foram o lançamento do Cubo, pelo Itaú, e da inovaBra, pelo Bradesco, que são grandes espaços dedicados ao empreendedorismo e à inovação. “É um movimento claro dos bancos tradicionais se aproximarem das fintechs e empresas de inovação. Eles querem ter por perto possíveis futuros desafiantes para adquiri-los ou se reposicionar com novas alternativas. Além disso, muitos têm criados seus próprios bancos digitais ou comprado essas empresas para seu portfólio”, afirma Domingos Monteiro, CEO da Neurotech.
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Domingos Monteiro estima crescimento de 40% da Neurotech. Foto: Tom Cabral

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Outros concorrentes nesse mercado são as grandes empresas de tecnologia, como a Amazon, o Google, a Apple e o Alibaba. “Essas gigantes estão atacando o mercado financeiro. Elas têm criado suas empresas de meio de pagamento e financiamento e já desempenham um papel importante. Está sendo cada vez mais comum elas se posicionem para combater os bancos, como empresas de tecnologia, não de crédito ou de pagamento”, informou Domingos.

O setor bancário também sofre o impacto do atual cenário econômico do País – caracterizado pelas baixas taxas de juros e de inflação, gasto público controlado e novas regulações pró-competitividade. A expectativa do professor de economia da UFPE José Carlos Cavalcanti é de que “o mercado financeiro será mais exigido por um consumidor mais exigente e informado, e por um investidor que, antes acostumado a um ambiente de baixo risco e alto retorno, terá que procurar novas alternativas de retorno num contexto de risco mais elevado”. O economista aposta que nesse novo terreno emergirão soluções que sejam mais simples (do ponto de vista do acesso e do uso) e mais seguras (em termos de proteção dos ativos).

DNA PERNAMBUCANO
Com um polo tecnológico em crescimento, o Recife também conta com empresas com resultados expressivos no setor, como a Neurotech, e startups já em operação com alto potencial de decolarem. “O cenário atual das fintechs de Pernambuco é ainda de descoberta e prospecção, no contexto de uma região periférica do mercado financeiro brasileiro. Como nosso mercado é pequeno, essas startups ainda são em número reduzido e em áreas de pouca relevância estratégica. Quem tem relevância nesse mercado tem escala, e escala é um dos nossos maiores gargalos. No entanto, nossas fintechs são ambiciosas e têm grandes expectativas”, analisa Cavalcanti.

Uma das gigantes do Porto Digital, a Neurotech teve um crescimento de aproximadamente 45% em 2019, fechando com um faturamento de R$ 52 milhões. Para 2020, a expectativa é de avançar mais 40%, alcançando o patamar de R$ 72 milhões. A empresa usa inteligência artificial para conectar dados e tornar o futuro mais previsível para seus clientes. Os principais usuários das soluções da empresa são de três setores: bancos e instituições financeiras, varejo e seguradoras.

“Temos notado um crescimento grande nos últimos anos do nosso segmento, com uma maior demanda para a Neurotech também. Nossas metas são altas, mas os planos têm nos mostrado que são muito viáveis. Em janeiro, que em geral é um mês muito tranquilo, já tivemos uma agenda muito concorrida. Todos estão querendo se preparar para uma retomada da economia”, afirma o CEO Domingos Monteiro.

Uma grande novidade no segmento, no Recife, será a inauguração no dia 28 de fevereiro do primeiro Banco Digital de Pernambuco, o Z.ro Bank. O empreendimento do Grupo B&T é dirigido pelo empresário Edísio Pereira Neto. Ele é fundador da Europa Câmbio e do BitBlue, que opera como uma corretora de criptomoedas entre clientes brasileiros e estrangeiros.
O Z.ro Bank nasce com a proposta de zerar taxas, papel e desperdício de tempo. O aplicativo do banco digital terá como diferenciais o uso de QR Code para pagamento de contas, já apontado como uma tendência global, a transação de criptomoedas (com a possibilidade de conversão automática de qualquer moeda para bitcoins e vice-versa, por exemplo) no mesmo aplicativo e a integração da plataforma com o Telegram para facilitar alguns serviços.

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Edísio Pereira Neto lança em fevereiro o banco digital pernambucano Z.ro Bank. Foto: Tom Cabral

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Até o final do ano, o Z.ro Bank tem a expectativa de alcançar uma base de 500 mil usuários no País. “É um número bem agressivo. Mas como é um produto digital, que atinge o público nacionalmente, acreditamos que muitos entusiastas de criptomoedas vão baixar rapidamente”, afirma Edísio.

Na fase de estruturação, a empresa teve um aporte de R$ 5 milhões. A equipe de profissionais do banco antes do lançamento era de 40 pessoas, mas a previsão é de contratações em 2020 para dar suporte à expansão das suas atividades.
A PagueBem Brasil, que funciona dentro do Cesar, também projeta um crescimento exponencial em 2020. Tendo seus primeiros boletos faturados em fevereiro de 2019, a startup conquistou 23 clientes no ano passado. Para 2020, a expectativa do CEO Álvaro Leal é multiplicar por 10 vezes o faturamento e oferecer seus serviços a 200 corporações. “Nós nos posicionamos como um hub de soluções digitais para combater e prevenir a inadimplência dentro das empresas”.

A fintech já criou serviços como o PagueBem Protege (comunidade de proteção ao crédito para publicação e consultas de mau pagadores), o PagueBem Recupera (uma plataforma de cobrança self service e 100% automatizada), o PagueBem Boleto (uma solução para emissão de boletos sem custos e cancelamento que automatiza a negociação online) e o PagueBem Localiza (um serviço para enriquecer banco de dados das empresas usuárias no intuito de aumentar a eficiência das campanhas de cobranças). A empresa foi apontada como uma das cinco mais atraentes pelo movimento 100 Open Startups. Ela foi classificada no top 5 do País no setor de financial services.

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Acima, equipe da PagueBem Brasil planeja atingir 200 clientes neste ano. Foto: Tom Cabral

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“Sou empresário, sofri vários problemas com inadimplência. Da dor, resolvi criar uma solução. A princípio os nossos clientes são credores, mas nossas tecnologias também atenderão os devedores. Nosso propósito está no nome: fazer com que as pessoas paguem melhor as contas e que os credores possam resolver melhor problemas de cobranças”, explica Leal. Entre os clientes da fintech estão o Grupo NeoEnergia, o Grupo Asa e o Grau Técnico.

O ecossistema de fintechs do Brasil e de Pernambuco tem se movimentado rápido. Para os especialistas e empreendedores, o segmento ainda enfrenta gargalos, como a captação de mão de obra qualificada e a adequação às novas regulações do mercado. O horizonte, no entanto, sinaliza principalmente para melhores serviços aos usuários e uma maior descentralização e concorrência do setor.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina a coluna Gente & Negócios (rafael@algomais.com)

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