*Por Mariana Pontes
A urbanização desordenada e excludente se consolidou como um dos principais retratos da desigualdade social nas cidades brasileiras. A ausência de infraestrutura básica, a vulnerabilidade ambiental e o colapso dos sistemas urbanos são consequências da ausência de um planejamento integrado que, além de articular as políticas, deve integrar os desejos e necessidades da população. Segundo o Relatório de Riscos Climáticos da ONU (2022), as cidades que ignoram soluções integradas e a escuta ativa da população tendem a aprofundar suas desigualdades sociais e ambientais. Ainda assim, o Brasil insiste em repetir práticas baseadas em interesses de curto prazo, sem articulação entre setores e com pouca visão de futuro.
Essa lógica reducionista, que trata o planejamento urbano como um processo técnico isolado, enfraquece a capacidade transformadora das políticas públicas. No entanto, algumas experiências demonstram que é possível fazer diferente. No Recife, por exemplo, desde 2015 o pensamento do planejamento integrado de longo prazo tem orientado políticas públicas estruturantes da cidade. O Plano Recife 500 Anos se configura como uma bússola que direciona políticas e ações para a construção do futuro desejado.
Assim, antecipar esse futuro por meio de processos de criação coletiva é fundamental e urgente nas cidades. Exemplos como a implantação de espaços públicos voltados à primeira infância, que combinam urbanismo, educação e cuidado, só foram possíveis a partir de escutas comunitárias, articulação intersetorial e prototipação de soluções. Da mesma forma, projetos que utilizam infraestrutura verde para tratar águas de esgoto em áreas alagadas, como os jardins filtrantes, revelam o potencial de iniciativas que aliam sustentabilidade, requalificação urbana e educação ambiental. Essas ações, construídas a partir da inteligência coletiva e da colaboração entre diversos atores, mostram que o caminho da inovação urbana exige mais participação e menos verticalidade.

Superar o ciclo de intervenções paliativas requer romper com estruturas institucionais rígidas e ineficientes. É necessário instituir processos participativos permanentes, fomentar a escuta como ferramenta de planejamento. Planejar cidades para o futuro significa transformar profundamente a forma de relacionamento dos habitantes com o espaço urbano. Isso implica reconhecer os territórios e as pessoas que os habitam como protagonistas, compreender suas dinâmicas e articular saberes diversos na construção de soluções duradouras. Não basta pensar o urbano a partir de diagnósticos frios, é preciso agir com coragem, testar novas abordagens e aprender com os erros e acertos da prática.
Portanto, o Brasil só terá cidades mais justas, resilientes e sustentáveis quando a lógica do planejamento deixar de ser fragmentada e se tornar integradora, coletiva e orientada para o bem comum. É tempo de abandonar as fórmulas prontas e abraçar o desafio de reconstruir nossas cidades com escuta ativa, participação efetiva e inovação real. O futuro urbano que queremos precisa começar agora, e ele deve ser construído por muitas mãos.

*Mariana Pontes é diretora-presidente da Áries