Fragmentos da eleição proporcional no Recife – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Fragmentos da eleição proporcional no Recife

Rafael Dantas

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*Por Maurício Costa Romão

Pandemia e quociente eleitoral

Com o uso da urna eletrônica no Brasil, a partir do ano 2000, a evolução do quociente eleitoral (QE) tornou-se mais estável, no geral. Nas últimas três eleições do Recife, por exemplo, o QE teve variações apenas marginais: 22.756; 22.531 e 22.063, em 2008, 2012 e 2016, respectivamente.

Neste ano, principalmente devido à abstenção ao redor de 20%, os votos válidos diminuíram e o QE teve oscilação mais abrupta, baixando para 20.826 votos.

Sobras de voto

A democratização das sobras de voto determinada pela legislação eleitoral de 2017, segundo a qual todos os partidos podem participar da distribuição de sobras mesmo que não tenham atingido o QE não beneficiou nenhuma sigla em 2020 no Recife.

De fato, para usufruir da abertura propiciada pela legislação, os partidos teriam que ter votação: (a) relativamente elevada, mais próxima possível do QE (condição necessária) e (b) entre as maiores médias nas rodadas de distribuição de sobras (condição suficiente).

Dentre os partidos que não alcançaram o QE o PDT teve razoáveis 14.108 votos, mas que não foram suficientes para figura entre as maiores médias (vide Tabelas do Apêndice).

QE continua imperando

Com o advento da democratização das sobras de voto qualquer partido pode ascender ao Legislativo sem atingir o QE (satisfeitas as condições necessária e suficiente).

Então o QE deixou de ser uma barreira à entrada no Parlamento para se tornar um parâmetro de referência. Mas, se não houver votações expressivas no pelotão de baixo do QE como, por exemplo, no caso deste ano no Recife, o parâmetro se transforma numa barreira à entrada.

Partidos e fim das coligações

Estimativas preliminares de antes das eleições proporcionais de 2020 apontavam a possibilidade de 50% dos partidos que concorressem a Câmara Municipal do Recife não fizessem nenhum vereador, reproduzindo o resultado de 2016. O percentual foi bem menor, cerca de 38%. Foram 10 partidos que ficaram de fora, em 26 que concorreram (contra 34 em 2016).

O grande teste do fim das coligações, todavia, dar-se-á em 2022. Para deputado federal e estadual em Pernambuco, por exemplo, os partidos individualmente têm que cabalar votos na faixa de 173 mil votos para eleger um parlamentar federal e 92 mil votos para fazer um estadual. Abaixo dessas votações, correm o sério risco de ficar de fora do Legislativo.

Cláusula de desempenho individual

De acordo com a Lei 13.165/15, só ascendem ao Legislativo candidatos com votação igual ou superior a 10% do QE.

Embora o sarrafo seja baixo (apenas 10% do QE), a eleição de 2018 para deputado federal em São Paulo chamou à atenção da classe política. Na ocasião, o PSL, na esteira da candidatura Bolsonaro, saiu em vôo solo e fez 17 deputados, mas só 10 assumiram o mandato, já que o restante não alcançou individualmente a cláusula de desempenho.

No pleito de 2020 no Recife nenhum candidato eleito foi preterido pela aplicação da lei. O menos votado foi o candidato Doduel Varela do PSL, eleito com 2.302 votos (o sarrafo foi 2082 votos, uma diferença de 220 votos).

Regra da quota

A literatura especializada assevera que um método justo de repartição proporcional, conhecido como regra da quota, é o que consegue distribuir cadeiras legislativas entre partidos em quantidades iguais ao quociente partidário (QP) mínimo ou máximo. O método D’Hondt, ou das maiores médias, viola a regra da quota, não obedecendo esse critério e favorecendo as grandes votações.

Vê-se na primeira Tabela do Apêndice que o PSB teve a expressiva votação de 202.018 votos, o que gerou um QP de 9,7003. Pela regra da quota o PSB deveria ter elegido no mínimo 9 ou no máximo 10 vereadores. Elegeu 12, graças à sua boa votação e à benevolência do método D’Hondt.

(Nem pensar em trocar o método D’Hondt por outro qualquer! Existe uma maldição nos métodos de divisão proporcional. Não há nenhum perfeito, justo, ideal, conforme demonstrado por dois matemáticos americanos, M. Balinsky e H. Young, o que ficou conhecido como “Teorema da Impossibilidade de Balinsky e Young”).

PSB e os vereadores com mandato

O PSB elegeu 8 vereadores em 2016 mas, devido à sua força político- centrífuga, logo incorporou mais 10 (4 antes da janela partidária e 6 durante). Tinha então o desafio de eleger 18 vereadores de mandato em 2020.

Para isso, e contando com o beneplácito do método D’Hondt, o partido teria que ter o mínimo de 312 mil votos, caso em que elegeria 15 pelo QP e eventualmente 3 por sobras. Não deu. Teve uma votação alta, de 202 mil votos, mas apenas o suficiente para eleger 12 dos 18.

Poucos votos importam

O PCdoB, com 32.008 votos, o Republicanos, com 31.604 votos, e o Democratas, com 31.464 votos, tiveram votações muito próximas umas das outras, com diferenças de 404 votos do segundo para o primeiro, de 544 votos do terceiro para o primeiro.

Quando se observam os QP dessas siglas os resultados são praticamente iguais, diferindo em centésimos e milésimos (vide Tabela).

Além de ser meio que intuitivo inferir, pode-se, também, demonstrar matematicamente que se dois ou mais partidos tiverem a mesma parte inteira do QP, aquele que apresentar a maior parte fracionária obterá a maior média na distribuição das sobras.

De fato, nas rodadas de distribuição das sobras, o PCdoB ficou com a maior média (a última de todos os cálculos, vide Tabela): 16.004 votos, maior do que a do Republicanos (15.802 votos) e do que a do Democratas (15.732 votos). Assim, o PCdoB ganhou uma cadeira adicional àquela conquistada pelo QP.

Renovação coincidente

Na eleição de 2016 para a edilidade recifense, 17 novos vereadores foram eleitos, resultando numa taxa de renovação de 43,5%. Neste pleito agora de 2020, a taxa foi a mesma.

Votações campeãs

Entre as mulheres, a vereadora Michele Collins (PP), com 15.357 votos, em 2016, segue sendo a mais votada desde a redemocratização, na história da Câmara Municipal do Recife, tanto em termos absolutos, quanto em relativos (1,78% dos votos válidos).

Irmã Aimeé (PSB), também em 2016, com 14.338 votos, detém a segunda colocação em termos absolutos, mas perde em termos relativos (sua votação equivale a 1,67% dos votos válidos) para a segunda mais bem votada no retrospecto das eleições da edilidade recifense: a vereadora Dani Portela (PSOL), que obteve 14.114 votos nesta eleição de 2020, o que representa 1,74% dos votos válidos.

Registre-se, por oportuno, que Luciana Azevedo (PT), em 2004, recebeu 14.147 votos, cerca de 1,70% dos votos válidos. Então, Luciana seria a terceira mais bem votada, tanto em termos absolutos, quanto em termos relativos.

Independentemente do gênero, Gustavo Krause (PFL) é o campeão de votos da Câmara Municipal do Recife em toda a sua história. Ele conseguiu em 1988 o total de 21.142 votos, equivalentes a 4,91% dos votos válidos.

Humberto Costa (PT) chegou a ter mais votos que Krause, no ano 2000, logrando 27.815 votos, mas à época essa votação representava uma proporção menor, de 3,82% dos votos válidos.

Sobras e médias

Note-se no Apêndice que quando se soma as partes inteiras do QP o resultado dá 30, que é o número de vereadores eleitos diretamente por esse quociente. Como são 39 as vagas na edilidade, segue-se que 9 delas serão preenchidas em função das sobras de voto, sobras estas representadas pelas partes fracionárias do QP.

Inicia-se assim, através do método D’Hondt das maiores médias o processo de verificação de quais partidos têm direito a ocupar as vagas restantes. Serão realizadas 9 rodadas de verificação (distribuição das sobras). Os partidos que lograrem alcançar as maiores médias ficarão com as vagas.

As médias são calculadas dividindo-se a votação de cada partido pela parte inteira do QP mais um, na primeira rodada, pela parte inteira do QP mais dois, na segunda rodada, e assim sucessivamente.

O resultado está exposto no Apêndice. O PSB foi o primeiro agraciado, com uma média de 20.202 votos e o PCdoB ficou com a última vaga, a nona, ao alcançar a média de 16.004 votos.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

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