22ª edição da alegoria gigante irá reinar na Ponte Duarte Coelho e resgata matrizes africanas
(Da Prefeitura do Recife)
Um galo majestoso que flerta com o futuro, ao mesmo tempo que reverencia suas origens carnavalescas e traz a representatividade da etnia brasileira e, sobretudo, da população negra, do nascimento dos brinquedos populares e do frevo. Estas são algumas das inspirações que o artista plástico, designer e consultor pernambucano Leopoldo Nóbrega bebeu para criar o “Galo Ancestral”, alegoria que irá reinar absoluto na Ponte Duarte Coelho durante o Carnaval 2023. A aposição da obra de arte gigante na ponte matará as saudades dos brincantes e encerrará o hiato de dois anos de suspensão da folia devido às causas sanitárias.
Para o secretário de Cultura do Recife, Ricardo Mello, o encontro com o Galo Ancestral reverencia a cultura popular basilar inerente ao ciclo momesco recifense. “Quando falamos em uma volta ‘com todos os Carnavais’, estamos atentos à diversidade, à pluralidade única desse ciclo cultural, no Recife, mas também às referências temporais, das várias épocas, encontrando assim as origens da folia. Isso nos remete à necessária reverência feita à cultura popular, ao surgimento de tudo, a quem está na base de um Carnaval singular, construído pela alegria e pela resistência das nossas manifestações originais, que norteiam e inspiram a Cidade da Música e da Cultura Patrimônio, o Recife, a ser o que ele é. Essa foi a fonte conceitual, traduzida claramente nas homenagens a Zenaide Bezerra e Dona Marivalda, mulheres negras que dedicaram a vida a um ofício apaixonado, no qual estão desde sempre. O frevo e o maracatu são, para elas, muito mais do que expressões culturais ou festa, são afirmações de luta, história, resistência e identidade, com a marca da paixão pela arte, a dança, a música, além de reconhecimento à ancestralidade. Assim nos encontramos com o Galo Ancestral”, pontua Mello.
Leopoldo Nóbrega, que assina a escultura, ressalta o empoderamento social presente na obra de arte. “Em reconhecimento à História e toda riqueza do legado afrodescendente para a formação multiétnica nacional, evocamos a nossa ancestralidade africana e brindamos um novo tempo colorido, de paz, igualdade, inclusão e valorização das diferenças como potência cultural e estímulo ao fortalecimento das identidades através do empoderamento social, das narrativas humanistas e práticas sustentáveis presentes na escultura gigante do Galo da Madrugada”.
Ao todo, serão mais de 7 toneladas de insumos utilizados, incluindo – além da estrutura de ferro – todos os revestimentos que sintonizam as tendências de moda e arte da obra. Toda a estrutura da alegoria é feita sob medida para ser encaixada no guindaste de 70 toneladas que garante a estabilidade do Galo na ponte. São cerca de 20h de trabalho na Ponte Duarte Coelho, que deve ser iniciado na noite do dia 16 de fevereiro. Quando pronto e montado, a alegoria chegará a 28 metros de altura. A obra de arte também traz traços cubistas e angulosos inspirados em Picasso que, por sua vez, também se inspirou na arte africana no início do século passado, e terá 90% de materiais e resíduos recicláveis.
Assim como suas duas últimas edições, também assinadas por Leopoldo Nóbrega e a designer e arquiteta Germana Xavier, a sustentabilidade e upcycling são fundamentais no processo de confecção da obra de arte gigante. A indumentária vem de descartes de tecidos como malhas e jeans coletados em cidades como Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe e também de revestimentos de pisos em eventos. “A gente vem com um galo pós-moderno, inclusivo e que dialoga com a redução de impactos ambientais”, ressalta Nóbrega, que manteve a co-criação da escultura gigante em parceria com mulheres artesãs de comunidades periféricas, como Bomba do Hemetério, Morro da Conceição, Santo Amaro e Ponto de Parada. É pelas mãos delas que a indumentária do Gigante da Ponte ganha vida. A formação das artesãs é fruto de metodologias próprias para Eco Arte Educação, idealizada pela Professora e Artista Plástica Maria do Carmo da Silveira Xavier, e vem acontecendo em oficinas permanentes através dos Núcleos Produtivos voluntários e solidários Arte Plenna, a exemplo do projeto Sonhar e Bordar, em parceria com a Artesã e Ativista Ester Bispo.
Pela primeira vez, o Galo reverencia pretos e pardos, pilares da cultura carnavalesca e do surgimento dos brinquedos populares tão caros à população, como o próprio frevo. É pelas mentes e mãos da classe trabalhadora que surgiram todas as manifestações que permeiam o ciclo momesco. Maracatus são ligados às casas de santo, Caboclinhos idem, com suas reverências e referências afro-ameríndias, assim como os Ursos. Sejam Escolas de Samba, ou Afoxés, as ligações com a cultura de matriz religiosa africana e indígena corre e pulsa nas veias dos brincantes e suas manifestações únicas no Recife. Pois são justamente as manifestações populares que fazem da festa no Recife um Carnaval único, inclusivo, plural e popular.
A indumentária do Galo bebe na fonte de padronagens e paletas de cores africanas e Pernambucanas (ou AfroPernambucanas) e traz tons quentes, como as tonalidades presentes na bandeira de Pernambuco. “Teremos também tons flúor e metálicos. O Manto Sagrado do Galo terá uma cartela de cores vibrantes, com influências afropunk. A roupa será um caleidoscópio em Patchwork de inspirações étnicas”, antecipa Leopoldo Nóbrega. As pontas das asas serão douradas, em franca reverência a Oxum, deidade das águas, que também é reverenciada na cidade, cuja padroeira vem a ser Nossa Senhora do Carmo, em franco sincretismo com a ancestralidade negra. No pescoço, mais dourado, desta vez com um colar no estilo gargantilha africana. A cauda, por sua vez, traz todas as cores da paleta do arco-íris para rememorar que o Carnaval é, sim, de todos, todas e todes. Mosaicos de espelhos tecnológicos serão confeccionados com descartes de DVDs, iluminando a importância do consumo consciente e compondo a indumentária, reforçando o sagrado que reflete e transmuta as energias, presentes na gola e partes do figurino do gigante.
Na roupa, Leopoldo também mascarou alguns símbolos sagrados da folia. A exuberância de cores e texturas esconderá verdadeiros talismãs, simbologias que fazem referência ao Frevo e Maracatus, como coroas, escudos e sombrinhas de frevo, que farão as vezes de proteção. A cabeça do Galo Ancestral será um espetáculo à parte. Pinturas africanas em cor branca irão adornar o rosto do Gigante, cuja crista passa a adotar dreadlocks, embelezados com fitas de múltiplas cores. Sua majestade, o Galo Ancestral, promete reinar na Ponte Duarte Coelho a partir da sexta-feira que antecede o Sábado de Zé Pereira, dia 17 de fevereiro.