Uma década do polo automotivo de Goiana
Quais as mudanças e o que não mudou na cidade que recebeu um dos maiores investimentos industriais de Pernambuco no século? A Algomais inicia hoje a série de reportagens Uma década da chegada do polo automotivo. O projeto teve apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Meta Journalism Project, em parceria com o International Center for Journalists (ICFJ). *Por Rafael Dantas, repórter da Algomais (rafael@algomais.com) Há 10 anos, o solo que por séculos foi destinado ao plantio da cana-de- -açúcar passou receber as obras de um conjunto de fábricas que em pouco tempo estariam produzindo veículos com tecnologia de última geração. Encabeçada pela Stellantis (fusão da Fiat Chrysler com a montadora PSA Group), o polo automotivo emprega mais de 13 mil pessoas, promovendo uma série de transformações em Goiana. Com um investimento bilionário, o empreendimento impactou também um cinturão de cidades vizinhas e mexeu até na balança comercial de Pernambuco. Os primeiros veículos só saíram da linha de produção há sete anos, mas as mudanças na economia e na rotina local começaram desde que os primeiros tijolos foram erguidos. A virada de chave da secular atividade agrícola praticada na região para dar lugar a um dos parques industriais mais avançados do mundo teve como um dos principais efeitos a mudança da perspectiva profissional dos jovens. Além da chegada de um grande player internacional, o município assistiu ao encerramento de duas grandes empregadoras do setor agro, as usinas Maravilha (no final de 2011) e Santa Tereza (2017), além da fábrica de Cimento Nassau (2017), essas duas últimas pertencentes ao Grupo João Santos. Uma mudança brusca de cenário que abriu caminho para a transição da matriz de empregos e da oferta de profissionais. Hoje, 85% dos trabalhadores que atuam na Stellantis são mão de obra local, de Goiana e de cidades vizinhas, como Igarassu e Itambé. Muitos filhos de pequenos comerciantes, agricultores ou pescadores passaram a integrar a linha de produção da empresa ou dos sistemistas, que fornecem peças e equipamentos. O polo emprega ainda profissionais das capitais do Recife e de João Pessoa. Weslley Vasconcelos (foto abaixo), 25 anos, é um dos jovens que aproveitou a oportunidade de ter uma multinacional na região para dar seus primeiros passos profissionais. Morador de Igarassu, município que fica a 30 quilômetros do polo, ele entrou aos 18 anos na fábrica. Em sete anos, foram sete promoções até sua posição atual de supervisão de logística. “Meu pai sempre trabalhou em indústrias, mas nunca teve formação. Minha mãe era camareira de um hotel. Eu saí do ensino médio direto para a planta e nesses anos eu só pude crescer. Fiz uma faculdade de administração. Sou a primeira pessoa da família com ensino superior. Hoje faço a gestão de 73 pessoas, sendo 80% delas daqui da região”, afirmou Weslley, que agora participa de um programa de desenvolvimento de jovens talentos da empresa para prepará-lo para os próximos passos na multinacional. Como morador da região, ele comenta que percebeu uma transformação forte principalmente em Goiana. “Tudo mudou na Mata Norte. Vemos hoje uma nova Goiana, com muito investimento em comércio, valorização das moradias, novos hotéis na região. Estamos num processo de transformação da capacitação também. Antigamente tudo era voltado para o setor agrícola, hoje está se voltando para a área industrial e automobilística. Há muito interesse dos jovens em investir neles mesmos, de se qualificarem para as oportunidades de emprego no polo”. Junia Morais, 21 anos, teve a oportunidade de viver uma experiência profissional no setor industrial e retornou para Goiana. Com formação técnica na área de segurança do trabalho, ela atuou em uma terceirizada do polo por um ano e três meses, antes de dar passos profissionais para fora do Estado. “Isso foi bom, me abriu um leque de oportunidades e networking. Surgiu uma oportunidade de trabalhar na Heineken em São Paulo, onde passei um tempo. Mas voltei agora para tentar um trabalho próximo de casa, da família. A principal mudança na cidade foi a movimentação, o comércio mudou bastante, temos hoje oportunidade de fazer novos cursos. Trouxe oportunidade para os goianenses”. A chegada do polo automotivo e de outros grandes empreendimentos, como a CBVP (Companhia Brasileira de Vidros Planos) e, em menor escala, a Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados), gerou empregos industriais e um efeito renda para o comércio e serviços que ampliou muito o estoque de vagas na cidade. Em 2011, último ano antes do início das obras de construção civil, eram 12.766 mil postos de trabalho registrados em Goiana. O dado mais atualizado, da Relação Anual de Informações Sociais, elaborado pela Agência Condepe-Fidem, no ano de 2020, foi de 21.733. Mesmo considerando a crise econômica, que se arrastou no Brasil a partir de 2015, o fechamento de grandes empregadores da região e a pandemia, o aumento no período foi de 70,2%. “Chegamos numa região onde não havia uma cultura automotiva. A região da cana-de-açúcar se abriu para o novo, com muita vontade de aprender e de crescer. Trabalhamos muito o desenvolvimento das pessoas para estabelecermos essa cultura automotiva, que é muito singular dentro da indústria. Hoje estamos em uma fase de consolidação, porque é um conhecimento que conseguimos formar. A gente tem a planta, mas é um polo que envolve diversas pessoas, outros produtos e tecnologias que compõem o carro. Os nossos produtos mostram a força da transformação que foi feita na região”, afirma Mateus Marchioro, o plant manager na Stellantis Goiana. Essa consolidação do polo, em paralelo às outras novas atividades que chegaram ao município, fizeram o PIB de Goiana crescer de R$ 1,2 bilhão em 2012 para R$ 10.2 bilhões em 2019. O crescimento registrado do primeiro ano das obras da fábrica em 2012 para 2019, que é o último ano com dados fechados do PIB municipal pelo IBGE, foi de 754%. “Em 2010, a participação da indústria da Mata Norte representava 4,4% do PIB industrial de Pernambuco. Em 2019, ela pulou para 19,1%. A região passou a participar com quase um quinto do valor agregado industrial. Hoje … Continue lendo Uma década do polo automotivo de Goiana
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