Depois de quase 40 anos de trabalho cotidiano com planejamento estratégico, gestão, estratégia e governança, posso dizer que, se não já vi de tudo, pelo menos, vi muita coisa. E uma coisa que estou cansado de ver é o modismo que acomete ciclicamente esses temas, antigamente agrupados no bojo da autointitulada “ciência da administração de empresas”.
No que diz respeito à gestão, então, a coisa chega a paroxismos semelhantes àqueles que acometem a chamada moda do vestuário. Por desconhecimento de causa no que diz respeito à moda feminina, bem mais variada e complexa, me atenho à moda masculina. Existem tempos, como os atuais, em que paletós de dois botões com lapelas estreitas, camisas de colarinhos curtos, gravatas estreitas e calças apertadas e curtas, do tipo, como dizemos localmente, “caça caranguejo” (embora a denominação chique seja estilo “capri”), estão em plena moda como estiveram em décadas passadas. Mas já houve tempos também em que paletós de três botões com lapelas largas, camisas com colarinho longos, gravatas largas e calças “boca de sino” eram o que estava na crista da onda. E, em algum momento, com certeza, voltarão. Afinal, necessário se faz variar, ainda que ciclicamente, porque a indústria da moda precisa mudar o estilo e os gostos para aposentar as coleções antigas e vender a novas. Os filmes antigos que o digam.
Qualidade total, marketing de guerrilha, balanced scorecard, avaliação 360 graus, soft skills, six sigma, black belt, gerenciamento por objetivos, gerenciamento pelas diretrizes, metodologia ágil, coaching, BPM, tutoria, mentoring, dentre muitos e muitos outros. Mais recentemente: design thinking, OKR, ESG, growth… Afinal, assim como as grandes redes de varejo de vestuário ao redor do planeta precisam reciclar os estilos e as coleções, as empresas globais de consultoria também precisam reciclar as teorias e as metodologias para vender o seu arsenal de serviços de suporte à gestão e à governança…
Na contemporaneidade, um modismo, mais de âmbito local, que tem ganhado crescente protagonismo é o da tentativa de aplicação do conceito de governança, segundo um modelito pret a porter, a qualquer caso de algum porte, em especial naqueles de empresas familiares. E o resultado tem sido uma coisa um tanto pastiche, algo para “inglês ver”, tipo a lei promulgada em 1831 pelo Padre Feijó, ministro da Justiça do Império do Brasil, proibindo, de direito mas não de fato, o tráfico de escravos, para dar uma satisfação à Inglaterra que exigiu a iniciativa para reduzir a concorrência de custos entre o açúcar produzido no Brasil e o fabricado por eles na Antilhas. Como o contrabando continuava, a despeito da lei, sendo realizado por pessoas influentes e de posses, passou-se a dizer que a lei havia sido editada apenas para agradar os ingleses. Ou seja, apenas para “inglês ver”.
O que é uma pena porque práticas adequadas de governança são essenciais para a competitividade empresarial, em especial nos turbulentos e disruptivos tempos em que vivemos. Todavia, precisam ser confeccionadas sob medida, para cada caso, “taylor made” como se diz tecnicamente. Ou seja, é uma coisa mais de alfaiate (ou de estilista) do que “comprada pronta” para vestir. De fato, os manuais ou práticas estandardizadas, usados para tentar implantar a governança goela a baixo de clientes-vítimas, com ou sem worshops/seminários de motivação e/ou capacitação, mais parecem estratagemas para a criação forçada e como solução quase única de “conselhos de administração” e, junto com eles, vagas de conselheiros para os consultores-implantadores pós implantação.
O resultado é, com o frequente fracasso das soluções-padrão, a criação de uma espécie de resistência ao tema. “Governança? Já tentamos isso aqui e não deu certo”. E a governança (“do presidente executivo para cima”), uma vez bem implantada, é de onde deve emanar a estratégia que, por sua vez, deve ser desdobrada pela gestão (“do presidente executivo para baixo”), usando a ferramenta do planejamento estratégico para o seu desdobramento em ações, projetos, orçamento, indicadores e métricas. Em retorno para a governança, a gestão fornece prestação de contas (accountability, em língua inglesa). Quando esta salutar dinâmica se estabelece, cria-se o que se poderia chamar de “circulo virtuoso da estratégia”, conforme recomendado pelas melhores práticas competitivas.
Mas, para isso, indispensável se faz passar longe dos modismos. Afinal, não há mais necessidade de fazer nada para inglês nenhum ver. Eles já estão bastante ocupados com as consequências do Brexit e não estão ligando a mínima para inadequações tupiniquins. Vamos fazer certo o que precisa ser feito para não ter que refazer com gasto de muito mais tempo e dinheiro, além do comprometimento da capacidade competitiva. Vamos deixar os modismos para o vestuário aonde são mais aceitos e adequados.