Consagrado como um dos maiores especialistas do mundo em Estudos Críticos do Discurso, Teun Van Dijk lança a sua mais nova obra intitulada Discurso antirracista no Brasil: da abolição às ações afirmativas, pela editora Contexto. Traçando um percurso histórico, o autor apresenta personagens que, desde o período colonial até os dias de hoje, levantaram sua voz contra o racismo, em um país onde a escravidão perdurou por mais de 300 anos, tendo a maior população de ascendência africana fora da África, que segue sofrendo preconceito e discriminação racial.
Sobre a motivação para abordar o tema, Van Dijk explica que, nos últimos anos, tem crescido o interesse em analisar discursos dissidentes. “Há inúmeras pesquisas e obras sobre a marginalização e formas abusivas de poder, como o machismo e o racismo, mas ainda são poucos os estudos sobre os discursos de resistência”, explica. Embora não seja uma tarefa simples, o autor considera que postular uma teoria sobre o contrapoder é essencial. “É uma empreitada multidisciplinar, que envolve linguagem, psicologia, história, sociologia, linguística e outras ciências. Mas é indispensável formularmos alternativas e propostas que contestem injustiças e desigualdades sociais”, defende.
Nessa tarefa, a noção de resistência é a peça-chave. Segundo Van Dijk, cada época e contexto têm seus conhecimentos, ideologias e valores para resistir às formas de dominação vigentes. “Não é que o antirracismo tenha sido sempre igual. Em um determinado período, era um argumento de não-maltrato à pessoa escravizada, por exemplo. Embora relacionadas, muitas práticas da resistência antirracista, da cognição antirracista e do discurso antirracista têm sua própria dimensão histórica”, esclarece.
Ainda a esse respeito, o professor explica que o antirracismo se desenvolve e muda, em função das mudanças nas condições sociopolíticas e ideológicas na sociedade. “A forma de resistência pode ser a mesma, mas o contexto varia e tem critérios diferentes. Você nota, por exemplo, que o antirracismo vai se consolidando e que os textos e os argumentos também vão mudando com o passar do tempo”.
Ou seja, como o discurso está relacionado com a sociedade e com a cognição das pessoas, ele também vai mudando através da história, operando na construção de um discurso dissidente, que contesta e desconstrói formas abusivas de poder. “O discurso é algo que resiste em si mesmo. Uma prática social, como a fala, a escrita e outras formas semióticas em que nossas lutas políticas se expressam. Por exemplo, cada vez que a linguagem feminista contesta o masculino universal, no fundo está resistindo. E cada vez que usamos a linguagem feminista, estamos construindo um discurso de resistência, contra o machismo”, afirma.
ANÁLISE – Nesta obra, Van Dijk analisa uma ampla gama de exemplos que vão de textos literários a documentos históricos, além de discursos de religiosos, intelectuais e políticos brasileiros. Dentre eles, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Chiquinha Gonzaga, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e muitos mais.
O autor também discorre sobre o debate parlamentar, em torno da temática antirracista, e analisa propriedades discursivas do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei das Cotas, na Câmara dos Deputados, entre 1999 e 2008. “A ideia é contribuir com o estudo da vasta discussão sobre as ações afirmativas, no Brasil, focando como o discurso político oficial pode expressar atitudes e ideologias antirracistas”, comenta Van Dijk.
Sustentada no tripé sociedade-cognição-discurso, a análise do discurso antirracista é sistemática, detalhada e explícita, para evitar impressões vagas do leitor. “O discurso se relaciona com as estruturas sociais e suas formas de exclusão e marginalização. Então, não podemos compreender o discurso antirracista, por exemplo, se não entendemos o que é racismo. Levamos também em conta a dimensão cognitiva dos seres humanos, englobando conhecimentos, ideologias e outras formas de interpretar e construir o mundo”, esclarece. Em uma instância maior, nesta obra, Van Dijk evidencia a proeminência do discurso antirracista e sua importância na defesa da democracia, igualdade, justiça e paz social, no Brasil.