Marco Alves: “Pernambuco peca em política externa”

Especialista em direito internacional e fellow do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia) analisa o impacto de uma recessão global e da guerra na Ucrânia e as perspectivas do Brasil no cenário internacional.

Num mundo a caminho de uma recessão global, que vive o acirramento da disputa entre China e Estados Unidos pela hegemonia econômica mundial e o impacto da guerra na Ucrânia, o fortalecimento dos Brics e do Mercosul é um fator positivo para o Brasil, segundo Marco Alves. Mestre em Ciências Políticas, em Direito Internacional e Europeu e em Relações e Negócios Internacionais, Alves afirma que esses agrupamentos evitam a dependência econômica com outros países e cria novas oportunidades, como a possibilidade de os Brics formarem uma área de livre comércio. “Já pensou uma zona comercial de 3,2 bilhões de habitantes? Seria simplesmente a maior zona de livre comércio do mundo, com duas superpotências, líderes mundiais em matérias-primas e hidrocarbonetos e um dos celeiros do mundo”.

Com a experiência de ter atuado em 27 países (incluindo o Brasil, onde trabalhou para o Governo de Pernambuco), Marco Alves é fellow do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia), mora na França e atua no continente africano como especialista na retomada econômica em zonas complexas para organizações humanitárias. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele analisou a redução da influência política e econômica da Europa, como consequência da guerra na Ucrânia, ressaltou a importância do presidente Lula para a inserção do Brasil no cenário internacional e lamentou que Pernambuco não aproveite a rede consular de que dispõe, como estratégia para se destacar no mercado externo.

O mundo caminha para uma recessão global? Quais seus reflexos no Brasil e em Pernambuco?

Muitas das agências internacionais anunciam o risco de recessão para boa parte do mundo. O Banco Central Europeu já fala [que pode atingir] metade dos países da Zona do Euro, incluindo Alemanha e Itália, duas principais potências industriais do conjunto. Nos Estados Unidos, esforços do Banco Central estão reduzindo o aumento da inflação, mas terá impactos na atividade econômica do país pela limitação do acesso ao crédito. Eles só vão se segurar graças a uma economia extremamente subvencionada em detrimento do resto do mundo.

A União Europeia está disposta a ir pelo mesmo caminho e aceitar que empresas fechem e o desemprego suba para controlar a inflação. A grande diferença é que na Europa vamos pagar mais caro a energia do que os EUA e vamos importar o gás deles. Na China, vamos ver como o país se recupera da crise da Covid e a abertura total de todas as restrições, o que impactará a economia mundial.

Ou seja, vamos todos pagar a conta dessa crise que é de vários níveis (econômica, energética, geopolítica), alguns mais do que outros. Penso no continente africano dependente das compras chinesas de matéria-prima e das ajudas internacionais ocidentais. No Burkina Faso, país que conheço bem, a inflação atingiu mais de 20% este ano, e teve falta de gasolina (tal como em outros países vizinhos). Isso, cumulado às situações de ataques terroristas, dois milhões de deslocados no território, secas e insegurança alimentar agregam dificuldades a uma situação já extremamente complicada.

O Brasil vai sentir os impactos, mas, como é costume, um pouco depois dos demais. Não está garantido que haja crescimento para 2023, segundo dados oficiais. A inflação continua presente, apesar de a taxa Selic ter aumentado umas setes vezes (se não estou enganado). O País priorizou vender commodities – em detrimento de um desenvolvimento industrial consolidado – mas como vendê-las se a maioria dos compradores está limitando seus gastos? Qual vai ser a variação do valor das commodities neste contexto internacional? Qual será o valor do barril de petróleo que terá um impacto tremendo no custo das exportações e importações brasileiras? Como equilibrar os desafios externos e internos?

São perguntas essenciais e tenho a sensação de que, devido à campanha presidencial, não estão em pauta ainda, mas têm que vir logo. A vantagem que o Brasil tem em relação a outros países é sua capacidade de resiliência e sua reatividade em termos macroeconômicos. Ē um país que reage muito rápido às políticas instauradas. Veremos rapidamente se o que será executado funciona ou não.

Em relação a Pernambuco, o Estado tem uma vantagem geográfica tremenda que continua mal aproveitada. Existe, no meu ver, um déficit estratégico por parte do Governo Federal que não soube valorizar o território, mesmo com os investimentos recentes. Existe também uma falta de coerência entre Estados do Nordeste, cada um puxando para seu lado para se tornar hub regional, quando um ponto focal forte traria mais resultado e poderia se espalhar para os demais.

E último ponto: Pernambuco peca em política externa, aliás, não há política externa. Nada é coordenado para atuar como um pivô comercial no panorama internacional. Quantos acordos firmados e efetivos temos com outros portos do mundo? Quantas rotas marítimas diretas estão em funcionamento? Acredito que poderíamos ter feito mais, apesar de ter reduzido um pouco essa desvantagem. Acho que os dirigentes sucessivos não dimensionam o quão importante seria colocar Pernambuco no mapa, de fato. Temos uma das maiores redes consulares do País e não sabemos fazer diplomacia econômica. Vamos ter que aprender e fazer.

Nesse cenário global, como fica a polarização entre China e EUA pela hegemonia econômica mundial?

A guerra na Ucrânia permitiu aos EUA revitalizar a Otan, que estava parada, e fazer com que a Europa queira estar submissa à defesa americana em detrimento de construir uma Europa da Defesa. O segundo impacto da guerra é e será a perda de força da Alemanha. Ela construiu seu modelo econômico com o gás russo barato, agora vai tentar manter sua indústria comprando um gás americano quatro vezes mais caro e sem real possibilidade de reatar com os antigos parceiros, se a situação geopolítica o permitisse, porque foram sabotados os dois gasodutos Nord Stream 1 e 2. Os vencedores deste conflito, do ponto de vista político e econômico, são os EUA.

A Rússia, vai reorientar suas vendas de energias fósseis para China, Índia e para um mercado paralelo, como vem fazendo: petróleo e diesel russo são vendidos para Arábia Saudita e Índia, que refinam os hidrocarbonetos e os vendem para outros sem terem o carimbo russo. O petróleo e gás também são encaminhados para alguns países onde são transvasados para outros barcos (inclusive em alto mar) com outras bandeiras e deixam de ter “uma origem” russa.

Hoje, o motor econômico da Europa está com soluços e os investidores e empresários alemães já estão tomando medidas. Para não pagar uma energia cara, a Basf vai construir uma fábrica de US$ 10 bilhões na China. A Alemanha é dependente das matérias-primas chinesas para seus setores estratégicos (química, farmacêuticos). Acaba sendo mais lógico estar perto da fonte do que gastar fortunas em energia localmente. Fabricantes de automóveis alemães, diante das novas legislações estadunidenses (como a impossibilidade de vender um carro elétrico no país, cuja bateria não fosse construída nos EUA) e dos subsídios avassaladores, vão se orientar para terras americanas.

Está sendo pedido aos países para escolherem entre China e EUA. O Ocidente já fez sua escolha, mas a grande maioria dos países, não. Como vimos na Assembleia das Nações Unidas, países que representam 75% da população do mundo votaram contra ou se abstiveram de apoiar as sanções destinadas à Rússia em retaliação à guerra na Ucrânia. Não optam por uma visão tão maniqueísta que os EUA querem impor.

Chamo a atenção para o que tenho denominado “países piratas”, aqueles que conseguem fazer valer protagonismo dos dois lados conforme seus interesses, e são imprescindíveis no cenário atual: Turquia, Índia e Arábia Saudita. Veja o caso da Turquia, membro da Otan, com mísseis americanos em seu solo, mas comprando material russo, ou a Arábia Saudita que negou aumentar a produção de petróleo para não baixar os preços do barril após visita de Biden, favorecendo, assim, os russos.

Seja como for, “a guerra invisível” entre a China e os EUA já começou. Vemos isso na luta sobre os componentes eletrônicos e semicondutores. Muitos não têm noção da briga feroz que está acontecendo e Taiwan, responsável por mais de 70% da produção mundial, está no meio disso tudo. A TSMC, empresa do país, vai abrir uma fábrica nos EUA.

Outros exemplos dessa guerra: a Nvidia (empresa com sede nos EUA) recebeu ordem de não vender chips de inteligência artificial para a China, e há ainda as alianças com Japão e Coréia do Sul para limitar o aprovisionamento de semicondutores. Como também não interpretar a proibição de empresas de telecomunicações de adentrar o mercado americano tais como Huawei (com a tecnologia 5G), ZTE, China Mobile e China Teleco, ou as empresas de equipamentos rádio e monitoramento Hytera, Hangzhou Hikvision e Dahua?

Também queria chamar a atenção que a visita da Nancy Pelosi a Taiwan foi uma provocação e a China respondeu com um exercício militar de grande porte. As novas orientações da Otan falam claramente em se preparar para o risco chinês.

Eu, como internacionalista, que sabe que o que prevalece é a realpolitik e o diálogo meliano, o mais forte irá se impor aos outros. Veremos.

Lula se elegeu com um discurso de revitalização do Mercosul e de integração latino-americana. Quais as perspectivas dessa aproximação com países da região se efetivar de maneira a impulsionar a economia e reduzir as desigualdades sociais e econômicas dessas nações?

A integração regional é fundamental para evitar as dependências econômicas de outros países que historicamente trouxeram muitas situações ruins. Em conjunto, pode-se criar um espaço econômico mais forte com muitas opções a fazer valer. Agora, do ponto de vista histórico, a união das Américas sempre foi difícil de se realizar. Bolívar que o diga. Se o conjunto econômico realmente se faz, ele trará mais valia para todos seus membros e poderá permitir atacar problemas de desigualdade social. Integração regional permite cooperação financeira para lançar projetos transnacionais, no setor energético, e financiar políticas de maior impacto na educação e saúde. Foi assim que a União Europeia conseguiu crescer e reduzir as desigualdades em países mais pobres, como eram Portugal, Irlanda e outros.

Neste momento, com vários líderes políticos com aproximação ideológica, temos a oportunidade ímpar para que isso se concretize e ter o Brasil como motor principal. A imagem do Lula e seu poder de negociação com os parceiros vizinhos talvez possa facilitar esse projeto. Veremos se os EUA deixarão isso acontecer. A China, com a Rota da Seda e seu banco de desenvolvimento, está disposta a financiar projetos estruturadores que permitam essa integração.

Com a eleição de Lula, como ficam os Brics?

Primeiro, o Brasil vai “reviver” a nível internacional. A atuação do governo anterior foi negativa em termos de imagem e de assentar o País como um interlocutor internacional de relevo. O novo cenário internacional faz com que os Bric possam evoluir de forma muito forte. Temos uma radicalização das tensões China-EUA, a marginalização da Rússia, a emergência de países piratas e o momento de escolher seu lado. Diante disso, a questão dos Brics se torna uma alternativa credível e forte. Já existem demandas de outros países para integrarem o grupo, já falamos em Brics+. Arábia Saudita e Turquia estão interessadas em participar, mais adiante, talvez, o Egito.

A imagem de Lula a nível internacional é muito forte, os brasileiros talvez nem dimensionam o quanto, e os países desse conjunto estão todos na expectativa de trabalhar com ele, já que o presidente anterior se alinhava às demandas de Trump. Esse conjunto queria criar um banco de desenvolvimento próprio e pode também se tornar uma zona de livre comércio. Já pensou, uma zona comercial de 3,2 bilhões de habitantes, sem contar os países que querem aderir? Seria simplesmente a maior zona de livre comércio do mundo, com duas superpotências, líderes mundiais em matérias-primas e hidrocarbonetos e um dos celeiros do mundo… muito promissor!

Leia a entrevista complenta na edição 202.4 da Algomais: assine.algomais.com

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