Na produção da matéria sobre a atuação política de Miguel Arraes durante o período do exílio, conversamos com o cientista político Túlio Velho Barreto, que discorreu sobre o legado do ex-governador pernambucano. Confira a entrevista.
Qual o maior legado deixado por Miguel Arraes?
Em um estado secularmente dominado pelas oligarquias políticas, socialmente excludentes, o maior legado de Miguel Arraes foi, ao aliar-se com setores da esquerda, romper com essa tradição e colocar no centro das prioridades do governo estadual políticas que favorecessem os setores mais carentes da população. Com isso, terminou por contribuir, por um lado, para a modernização das relações de trabalho no campo, nos início dos anos 1960. Por outro, já nos anos 1980, ao criar a Facepe, uma das primeiras, senão a primeira, das fundações de apoio às pesquisas científicas do País, contribuiu para impulsionar no âmbito local. Com tais medidas forçou o gestores públicos a dar mais atenção a essas questões, esses segmentos sociais e essas áreas de atuação do estado.
O que o tornou um dos políticos mais relevantes da esquerda brasileira?
A centralidade que Miguel Arraes deu ao atendimento das carências das camadas mais desassistidas da população, sobretudo das localidades mais necessitadas, a relação dele com os atores e movimentos sociais, por exemplo, fizeram dele uma liderança muito identificada com a esquerda e bastante respeitada pelas pessoas comprometidas com as causas sociais. Por outro lado, contribuíram para isso a postura que adotou quando ocorreu o golpe civil-militar de 1964, quando se negou a negociar com os golpistas e terminou por ser preso, cassado, exilado, tendo optado, inclusive, por um país do então chamado terceiro mundo, de onde apoiou a resistência à ditadura e a luta pelo retorno do Estado Democrático de Direito.
O relacionamento com os artistas, das diversas manifestações, auxiliou que mesmo distante e em período de ditadura, suas ideias e sua luta permanecessem vivas aqui no Brasil?
A relação com os artistas é apenas uma das consequências da importância que Miguel Arraes deu às manifestações culturais quando foi governador do estado ainda nos anos 1960. Aliás, antes mesmo, quando foi prefeito do Recife, cargo para o qual foi eleito em 1959, já demonstrara sensibilidade no trato e na atenção que dispensava ao segmento artístico. Então, o impulso que deu à cultura e aos artistas com o Movimento de Cultura Popular e, em particular, às iniciativas em torno da alfabetização de jovens e adultos, que unia, por exemplo, o método Paulo Freire às preocupações sociais de Josué de Castro, dois dos maiores intelectuais brasileiros, por si só já dá uma ideia do que Antonio Callado chamou de “revolução sem violência” que seu governo promovia à época. Assim, sua relação com artistas e movimentos de cultura popular resulta de algo concreto, mas, penso, as ações sociais contribuíram mais para a sua permanência no imaginário popular.
Há algum aspecto que você considera pouco explorado na imprensa sobre biografia de Arraes, que tem tantos livros e pesquisas?
Diferentemente da maioria de seus biógrafos, favoráveis e críticos, penso que Miguel Arraes foi um político moderno. Rompeu com as oligarquias política locais, criou ou impulsionou um movimento cultural de corte popular e inclusivo, que foi copiado em todo o País, preocupou-se em combater o analfabetismo com um programa de grande alcance, contribuiu decisivamente para introduzir no campo os mesmos direitos dos trabalhos urbanos, já garantidos pela CLT, criou uma, senão a primeira, fundação de apoio à pesquisa científica do país… Enfim, sendo inegavelmente uma pessoa de seu tempo conseguiu, ainda assim, ficar à frente da maioria de seus contemporâneos.