Maurício Ferreira, professor da USP, fala de estudos que comprovam os benefícios dos parques para a saúde dos moradores das cidades e para amenizar o calor. Destaca que pessoas mais vulneráveis têm menos acesso a esses espaços e explica a regra 3:30:300, que serve como um norteador para arborizar zonas urbanas.
Pesquisas científicas realizadas em várias partes do mundo demonstram que as áreas verdes das cidades proporcionam muito mais do que ambientes de lazer. Elas são verdadeiros remédios naturais por estimularem as pessoas a praticarem atividades físicas, além de contribuírem para prevenir uma série de doença – de hipertensão à diabetes, mas também beneficia a saúde mental e auxilia na redução do estresse. Não por acaso, hospitais como o Albert Einstein, em São Paulo, tem investido em ambientes com vegetação, devido aos benefícios proporcionados às pessoas hospitalizadas.
Espaços arborizados também amenizam o calor, um benefício nada desprezível nestes tempos de aquecimento global. “Uma árvore grande pode transferir, do solo para a atmosfera, entre 100 e 300 litros de água. Imagina uma praça, um parque inteiro, quantas toneladas de água não vão para a atmosfera?”, ressalta o biólogo e ecólogo Maurício Ferreira, professor da USP (Universidade de São Paulo).
Nesta conversa com Cláudia Santos, ele ressalva que essas vantagens dificilmente são usufruídas pelas populações mais pobres, já que os espaços verdes se concentram em maior proporção nos bairros mais nobres. E, mesmo quando há áreas arborizadas próximas a esse segmento populacional, elas não são qualificadas, isto é, não são acessíveis no formato de parques ou praças. Maurício Ferreira afirma, porém, que várias cidades do mundo estão atentas à necessidade de espaços arborizados e explica nesta entrevista o conceito da regra 3:30:300, usada como norteador para as zonas verdes urbanas.
Como estão as cidades brasileiras em relação às áreas verdes que dispõem?
Temos um retrato bastante heterogêneo. São Paulo, por exemplo, é uma megacidade e quase metade dela é só áreas verdes, mas extremamente mal distribuídas. Há um grande maciço florestal na Zona Sul, algumas manchas grandes na Zona Norte, bem como na Zona Leste, onde fica o Parque do Carmo, mas é uma distribuição muito heterogênea.
Outro exemplo é a cidade do Guarujá, que tem quase 67% de áreas verdes, duas áreas protegidas e está discutindo a criação de uma terceira área protegida. Esses instrumentos de conservação são muito importantes pois tornam a distribuição do verde urbano mais homogênea, trazendo benefícios para a saúde física e mental das pessoas que passam a usufruir desses espaços.
Já Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, tem um perfil diferente, é uma cidade que acabou de fazer o plano diretor de arborização, tem bastante espaço verde, mas com uma estrutura de distribuição de baixa densidade nos bairros. Assim, de uma forma geral, as cidades são muito heterogêneas, e o grande problema das áreas verdes urbanas é a distribuição. As áreas historicamente mais ricas são avantajadas em termos de verde urbano em detrimento das áreas pobres. Quando as áreas pobres têm bastante verde urbano, como na Zona Sul de São Paulo, são áreas não qualificadas, e as pessoas normalmente não usufruem desses espaços porque não há uma infraestrutura mínima. É uma área verde não qualificada para visitação.
Quais benefícios as áreas verdes proporcionam para as populações urbanas?
Há uma relação evolutiva de proteção dos seres humanos com as árvores no que se refere ao abrigo saudável, frescor, sombra, amenização de temperaturas. Áreas verdes, por si só, trazem benefícios diretos e indiretos. Um dos benefícios indiretos está na capacidade de frescor do ambiente, pois as árvores conseguem transpirar água. Uma árvore grande pode transferir, do solo para a atmosfera, entre 100 e 300 litros de água. Imagina uma praça, um parque inteiro, quantas toneladas de água não vão para a atmosfera?
Isso ajuda a manter menor a amplitude térmica, nas horas mais quentes do dia em relação às horas mais frias, trazendo benefícios, principalmente para idosos ou recém-nascidos, que são um público mais vulnerável a essas grandes variações de temperatura. Essa amenização térmica está associada a menores taxas de hospitalização. Já os benefícios diretos consistem na possibilidade de as pessoas usufruírem da sombra nos parques para atividades esportivas, religiosas, de espiritualidade, meditação, por exemplo.
Vale ressaltar essa relação de proteção e bem-estar da espécie humana com as árvores. Alguns hospitais em São Paulo, como o Albert Einstein, apresentam benefícios nos indicadores de saúde de pacientes tratados em quartos com vistas para árvores, tanto que o hospital passou a utilizar quadros de árvores nos quartos. Além disso, foi inteiramente repaginado, dispõe de muito verde, tem um jardim lindíssimo no ambiente onde as pessoas transitam, o que traz uma sensação de bem-estar maior. Daí a importância dos espaços verdes nas cidades. Estamos falando de equipamentos urbanos que podem oferecer, diretamente, um espaço para a prática de esportes, evitando o sedentarismo e as doenças dele decorrentes ou, eventualmente, para restauração de estresse, restauração mental e, assim, a pessoa tem mais qualidade de vida e mais saúde.
Em 2018, o SUS gastou R$ 3,5 bilhões no tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, que são hipertensão, diabetes e obesidade. Se tivéssemos mais espaços verdes qualificados, isso poderia ser reduzido em até 15%. Enfim, é uma situação mais confortável democratizar o verde urbano para que ele possa oferecer o seu serviço ambiental à população.
O senhor poderia detalhar a relação entre algumas doenças e a ausência de verde nas cidades?
Existe a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), que está muito associada à poluição, mas também é uma doença ligada ao tabagismo. Ou seja, não se pode culpar a poluição, principalmente se a pessoa é fumante ou mora em uma casa com outras pessoas que fumam. Mas também já há estudos mostrando que, nas cidades mais poluídas, a incidência dessa doença é alta em não fumantes.
Além da poluição do ar, existe um estudo da cidade de São Paulo que mostra vários outros fatores, inclusive sociais. Segundo esse estudo, as pessoas que moram na Zona Leste, que é o lugar mais cinza da cidade e com menor renda per capita, podem viver até 23 anos menos do que quem mora na Zona Oeste, que tem a maior renda per capita e é um lugar mais arborizado. Como a vegetação tem papel fundamental em atenuar a poluição atmosférica e essa atenuação é essencial em lugares com grande tráfego veicular, as cidades acabam sendo mais um fator relacionado à questão da DPOC.
Já em relação à saúde mental, um outro estudo mostra que, em lugares de extremos climáticos – quando a temperatura máxima ultrapassa a média histórica ou a temperatura mínima cai abaixo da média – há um aumento da taxa de suicídio. Esse estudo, que foi feito em vários países e reproduzido na cidade de São Paulo, mostra uma tendência global. Assim, os lugares com menos arborização são os que têm as temperaturas médias mais altas e maior número de suicídios. É difícil estabelecer uma relação de causa e efeito, mas existe uma associação numérica que traz fortes impulsos para que possamos debater e compreender cada vez mais essas questões.
Qual o segmento da população que mais sofre com a falta de áreas verdes? Há algum estudo a respeito?
Há um estudo que analisa um público determinado de uma população e diz que, entre homens e mulheres que residem longe dos espaços verdes, as mulheres são as mais atingidas. Segundo esse estudo, quando moram a 400 metros ou mais de distância de áreas verdes qualificadas, as mulheres são mais prejudicadas do que os homens. Isso está associado à baixa oportunidade de usufruir desses serviços que uma área verde pode oferecer para a população de uma forma geral.
Como as mulheres normalmente têm mais afazeres do que os homens, consequentemente têm menos tempo para práticas de restauração mental e atividades físicas. Ou seja, isso está muito associado ao dia a dia. As mulheres hoje, além de atuarem no mercado de trabalho, em muitos casos, ainda continuam com o papel doméstico. Esse modelo oferece menos tempo para que elas possam buscar os espaços verdes para uma melhor qualidade de vida.
Como esses espaços verdes urbanos nem sempre estão localizados em áreas próximas, acabam ficando em segundo plano na rotina. Quando o verde está próximo das residências, há mais possibilidades de trazer benefícios para a saúde física e mental. Se a pessoa precisa pegar um ônibus para ir a uma praça ou parque, por exemplo, para fazer uma corrida, isso acaba se tornando complicado. Daí, a importância de distribuir o verde urbano de forma homogênea para que todos tenham a oportunidade de usufruir desses benefícios da natureza.
A regra 3-30-300 trata dessa questão da melhor distribuição do verde urbano. Você poderia explicá-la?
Essa regra é uma síntese de diversos trabalhos científicos publicados ao longo da história. Ela foi postulada, em 2021, pelo professor Cecil Konijnendijk, da British Columbia University, e presidente do Instituto de Soluções Baseadas na Natureza. A regra diz que cada pessoa deve ver, num raio de 15 metros na frente da sua casa, pelo menos três árvores sadias e que, no seu bairro ou no seu território, haja 30% de cobertura verde olhada pelo satélite, e que seja um grande maciço florestal ou um conjunto de parques e praças, uma arborização urbana bem distribuída. Por fim, a regra estipula que a pessoa deve morar a 300 metros de uma praça de um hectare.
No Brasil, estamos adaptando para meio hectare ou mais, mas que seja um espaço onde essa pessoa possa usufruir dessa área verde para práticas esportivas, reflexões, piqueniques, para trabalhar, enfim, usar esse espaço como uma identidade. Então, a regra 3-30-300 fundamenta-se em ter 3 árvores na frente de casa, 30% de cobertura do bairro verde e cada pessoa morar a 300 metros de uma praça. Claro que isso é uma tendência. Agora, imagina São Paulo ou o Recife, cidades que já estão estabelecidas? É difícil, mas é um número norteador, não é uma regra a ser postulada por uma gestão pública, mas é um número orientador e que traz uma mensagem muito simbólica.
Ou seja, a literatura fala 300, mas o essencial é que a população deve ter esses espaços perto de casa, seja a 100 ou 500 metros, mas que haja acessibilidade, principalmente para que pessoas com limitação de mobilidade, como idosos ou cadeirantes, possam acessar esses locais. Em São Paulo, por exemplo, nos bairros mais pobres que nós estudamos, a condição das calçadas é lamentável, estreitas, com buracos, árvores com raízes inadequadas para o tipo de arborização de vias, dificultando a caminhabilidade.
Essa regra já é conhecida pelas autoridades governamentais? É algo divulgado e discutido para além da comunidade científica?
Os números, a gente já conhece da literatura científica. Enquanto regra, está sendo muito debatida nas cidades da Europa. Lembrando que as cidades europeias, como Londres, Estocolmo, Madri, são cidades milenares. No Brasil, esse debate está começando, pois, o Recife por exemplo, há cerca de 200 anos, era uma cidade predominada por uma grande área rural, a Av. Paulista, há 250 anos, era um grande cafezal. De forma pioneira, a cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo, está colocando em prática a regra 3-30-300 no seu plano de arborização. A cidade de Campo Grande já colocou essa regra seu Plano Diretor de Arborização.
Nossa ideia é que o Ministério do Meio Ambiente trabalhe junto com o Iphan e as universidades para trazer esse debate para o Plano Nacional de Arborização Urbana. Ou seja, trabalhar para que uma das diretrizes não seja exatamente esse número, mas que a regra seja uma mensagem norteadora para todo o Brasil, principalmente para que a vegetação alcance as populações mais pobres. Hoje, nos modelos de médias e grandes cidades, as populações pobres são mais excluídas desse verde urbano, da oferta desses espaços qualificados. Normalmente as periferias fazem margem com esses fragmentos, aqui no nosso caso de Mata Atlântica, que trazem benefícios em razão da amenização térmica, mas não é um espaço qualificado como a população necessita.
Nesse aspecto, temos o Projeto Recife Cidade Parque. O que o senhor acha dele?
Acho incrível. O Recife é uma capital histórica, a capital mais antiga do País, e a convivência com os elementos da natureza faz parte da história da cidade. Então a região de mangue da cidade do Recife é inerente à vida urbana, as pessoas cresceram nesse espaço e isso é muito importante. É incrível ter um projeto de cidade que traz o verde para o título do programa, da iniciativa, e pensa no desenvolvimento de uma cidade que não prioriza apenas os mais ricos, pois é uma cidade dos mais pobres também, é uma cidade-parque para todo mundo.
Claro que existem inúmeros desafios para se desenvolver, para chegar aos resultados esperados, mas é um modelo a ser seguido por outras capitais e médias cidades que ainda vão crescer mais e, mesmo, por cidades pequenas que têm uma ideia de se desenvolverem a partir de uma perspectiva de homogeneização do verde urbano, de democratização dos espaços públicos qualificados, visando saúde pública e bem-estar. Quer dizer, é um modelo a ser seguido. Então, pelo que conheço do projeto, é fascinante e muito sedutor, pois é uma proposta que visa à equidade, à democratização dos espaços, ao bem-estar onde a maior parte da população vive. É uma iniciativa que está de parabéns e todos nós esperamos que os grandes objetivos desses programas, desses projetos, sejam alcançados e atinjam todos de forma igual, os mais ricos e, obviamente, os mais pobres.
O senhor participou de um evento do SIMAclim (Centro de Síntese em Mudanças Ambientais e Climáticas da Rede Clima), no Recife, com o propósito de sugerir políticas públicas, em especial ao Programa Cidades Verdes Resilientes. Como foi essa experiência?
Foi uma iniciativa incrível da Rede Clima e do Ministério do Meio Ambiente. Esse núcleo de sínteses, que já é uma política pública, um programa lançado há pouco tempo, é um casamento muito feliz em trazer uma proposta de cidades verdes resilientes, pois hoje quase 90% da população brasileira habita em cidades. Então, é extremamente importante que se entenda a síntese do conhecimento de uma cidade resiliente principalmente para enfrentar esses eventos climáticos extremos, imprevistos que já estão acontecendo no Brasil, como as queimadas e, alguns meses atrás, o Rio Grande do Sul estava embaixo d’água.
Claro que todos os outros temas são importantes, mas essa é uma iniciativa muito feliz e assertiva em pensar o que é uma cidade resiliente? Quais são as lacunas a serem preenchidas? Quais os desafios e as oportunidades para elaboração de políticas de transformação do território? Acho que organizar bons temas, boas pautas e trazer pessoas para debater aquilo que deve ser devolvido à sociedade é uma obrigação da academia, de quem está na universidade, de quem é financiado, e o núcleo de síntese está proporcionando essa chance de nós devolvermos para a sociedade aquilo que a sociedade nos financia, que é a pesquisa e o ensino de uma forma geral.