“No universo digital das redes sociais a esquerda perde espaço” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“No universo digital das redes sociais a esquerda perde espaço”

Os resultados das pesquisas eleitorais são avaliados pelo economista e analista político Maurício Romão. Ele destaca a importância da comunicação eficaz nas redes sociais para conquistar os eleitores, mas adverte que o tempo de rádio e TV permanece tendo um peso relevante para a eleição de um candidato.

Mesmo em tempos do protagonismo da internet, a propaganda política na mídia tradicional (rádio e TV) ainda é muito importante para auxiliar um candidato a ganhar a eleição. Mas saber se comunicar com os eleitores pelas redes sociais também é fundamental. A avaliação é do economista e analista político Maurício Romão que, nesta conversa com Cláudia Santos, analisa fenômenos digitais como Pablo Marçal e ressalta que a esquerda ainda não conseguiu desenvolver uma boa performance nesse universo.

Em compensação, destaca que o prefeito João Campos tem o talento de mostrar as ações do seu mandato com “grande vivacidade nas redes sociais”. Mas, ressalva, que sua aprovação por mais de 80% dos recifenses deve-se também à escolha de seu secretariado e ao fato de priorizar áreas como habitação, infraestrutura e finanças. Romão analisa ainda o desempenho de candidatos em outras cidades pernambucanas, a ascensão da extrema direita no mundo e os motivos da queda na aprovação do Governo Lula, apesar do bom desempenho dos índices da macroeconomia no País.

A que se deve a boa avaliação do prefeito João Campos, que tem mais de 80% de preferência do eleitorado?

No meu trabalho com pesquisas, não tenho visto, numa cidade grande, principalmente numa capital, alguém com 88% de aprovação, como foi o caso de João Campos nesta última pesquisa. Em cidades pequenas, é possível encontrar uma aprovação dessa magnitude, mas numa capital, é muito difícil. No caso do prefeito do Recife, isso se deve, primeiramente, porque ele soube aproveitar o exercício do executivo e se comunicar muito bem com a sociedade.

Ele mostrou o que estava fazendo com grande vivacidade nas redes sociais e soube escolher um secretariado integrando a questão política, referente aos apoios recebidos, com a parte técnica. Soube mapear as expertises dos seus auxiliares e colocou pessoas de alto nível, cada uma em seu devido lugar. Então, embora jovem, conseguiu mostrar uma experiência inaudita que foi a de escolher bem o seu pessoal, saber se comunicar e priorizar algumas ações.

Quais seriam algumas dessas prioridades que ele acertou?

As áreas que mais se destacaram foram habitação, infraestrutura e finanças. João Campos conseguiu controlar as finanças de tal sorte que seus investimentos fossem canalizados para aqueles programas que ele tinha percebido como os mais relevantes para sua gestão. A área de finanças, me pareceu muito bem controlada, bem gerida numa cidade complexa, estruturalmente difícil, com desigualdades sociais, inclusive numa época de dificuldades como a pandemia.

Outras iniciativas relevantes são referentes à infraestrutura, habitação e lazer. Na Tamarineira, por exemplo, havia aquele hospital antigo, sem nenhuma utilização, em que se questionava se não deveria servir a outro propósito. O prefeito, com determinação, convenceu a sociedade de que aquilo poderia ser um equipamento social de muita utilidade, como está sendo agora com o parque. O secretariado foi importante para mostrar a situação da cidade do ponto de vista estético, mas também de inclusão social.

O que as pesquisas vêm indicando sobre as disputas eleitorais nas principais cidades da Região Metropolitana e do interior do Estado?

A disputa mais acirrada, com ligeira vantagem para o prefeito e com certas incógnitas de desdobramento é Caruaru. Lá, as pesquisas mostram um quadro de indefinição. Em Petrolina, me pareceu que a questão já está resolvida. Pode ser que haja mudança no percurso, mas Simão Durando, que é candidato à reeleição, é muito bem avaliado. Lá há uma oposição contundente mas, do ponto de vista das pesquisas, a distância numérica ainda está razoavelmente elevada entre a liderança de Simão e os outros candidatos.

Em Olinda temos apenas três pesquisas, duas delas de antes das convenções, quando as candidaturas ainda não estavam definidas. A terceira, do Ipespe, mostra Mirella Almeida, a candidata do prefeito, na frente dos demais concorrentes, com Isabel Urquiza como vice-líder. De qualquer sorte, é preciso aguardar novos levantamentos para se ter uma ideia mais clara do quadro eleitoral na cidade. E em Jaboatão há um diferencial razoavelmente bom do prefeito Mano Medeiros em relação a Elias Gomes e Clarissa Tercio. Embora ela esteja aparecendo agora, com uma certa expressividade nos últimos levantamentos, o ambiente em Jaboatão também é de grande incógnita. Então, um mapeamento momentâneo dessas principais cidades mostra a reeleição do prefeito de Petrolina e que é preciso aguardar definição em Caruaru, Jaboatão e Olinda.

O presidente Lula teve votação expressiva em Pernambuco. Ele ainda tem capacidade de influenciar o voto no Estado?

Sim, porque Lula tem um histórico muito bonito do ponto de vista de uma pessoa simples, que se formou na vida e chegou a ser presidente pela terceira vez no País e é um líder inconteste. Mas, também, há uma corrente grande de antipetistas e antilulistas na sociedade. Então, muitas vezes, a influência se dá de forma menos acentuada, mas os candidatos, tanto das majoritárias, como das proporcionais procuram mostrar certa proximidade com Lula em função desse histórico, por ser um presidente da República, ser um líder.

Mas ele recentemente está perpassando uma fase de dificuldades no trato da coisa pública. Há uma sensação de que as entregas que foram prometidas não estão sendo materializadas em consonância com o que se esperava. Isso cria um desalento, uma certa distância do eleitorado com ele. Tanto é que as pesquisas têm mostrado que a sociedade está muito dividida na sua aprovação e desaprovação.

A que se deve essa divisão em torno da aprovação do Governo Lula?

Isso se deve também ao colapso gradual do nosso modelo de representação e de governança. Há uma crise na democracia liberal em que foi se formando um fosso entre o representante e o representado. Isso torna o eleitor muito cético, desesperançoso com o que pode ser feito por ele, em particular, e pelas circunstâncias em que ele se encontra. A relação entre macroeconomia e microeconomia também é importante. Em diversos países, como nos EUA, economia fraca representava uma aprovação do governo também fraca.

Entretanto, a economia começou a se recuperar, de acordo com um gráfico publicado no Financial Times, e a desaprovação do Governo Biden continua. Será que a economia não é mais fator tão predominante do país e, particularmente, das eleições? Isso é um fato novo que está acontecendo e vem sendo discutido também em relação ao Governo Lula. No Brasil, alguns indicadores macroeconômicos, como o PIB, o câmbio, os juros e a balança comercial, indicaram melhoras, entretanto, as pesquisas mostram o desalento da sociedade, diante da situação econômica das famílias.

Uma coisa é o ambiente macroeconômico, que é o PIB, o déficit público, a inflação etc. e outra coisa é o dia a dia das pessoas, onde a vida é vivida, a microeconomia. Esse derramamento das coisas boas da macroeconomia para a micro demora a acontecer. Enquanto isso, a pessoa está passando as mesmas dificuldades ou vendo os mesmos problemas que sempre teve antigamente. Outro fator que influencia a desaprovação do governo é a questão das redes sociais. O ambiente de digitalidade é um meio microeconômico, onde as pessoas expressam sentimentos, valores, colocações que, às vezes, encontram um eco na sua bolha, no seu ambiente de consonância cognitiva. Esses posicionamentos e sentimentos do dia a dia são o que as pessoas repercutem nas redes sociais digitais e não questões de PIB e balança comercial.

O programa eleitoral no rádio e TV ainda é fundamental numa eleição?

Ainda é muito importante, embora as redes sociais digitais tenham tido um grande protagonismo. Entre os especialistas, há um entendimento de que o tempo de rádio e TV é importante nas eleições. As pessoas ainda veem inserções de candidatos que as pegam de surpresa. Quem está com a TV ligada em casa ou ouvindo o rádio no carro, por exemplo. Há também candidatos como Pablo Marçal, em São Paulo, cujo partido não alcançou as cláusulas de barreira que foram impostas pela legislação e, portanto, não têm tempo de rádio e TV, e esse é um problema. Mesmo ele sendo um fenômeno que tem projeção expositiva por meio das redes sociais, houve uma desaceleração desse impulso recentemente, e algo se deve a essa ausência de rádio e TV. Embora ele tenha uma certa predominância na rede social, a presença nessas mídias tradicionais faz falta.

Como o senhor analisa o fenômeno de Pablo Marçal nas redes sociais?

Pablo Marçal é um fenômeno de comunicação que apareceu e balançou as placas tectônicas da política brasileira. Ele tem um caleidoscópio temático, trata de vários temas como família, religião, desigualdades, penetrando na camada social que tem uma temática muito variada e agressiva do ponto de vista da afirmação e domina uma técnica ímpar de comunicação pelas redes sociais. Ele conquistou parte da sociedade paulista por causa dessa forma como se apresenta, dispensando a estrutura de mediação. A igreja, por exemplo, precisa de mediação do pastor. Marçal, por sua vez, não é muito bem aceito na área evangélica, pois se comunica diretamente com as pessoas. Isso gera, no eleitorado, um sentimento de proximidade.

Ele trata de temas comportamentais, de tudo que pesa num eleitorado que é predominantemente conservador. A sociedade brasileira, aliás as sociedades em geral, são conservadoras, e ele sabe dotar isso de uma visão prospectiva muito aguçada, incisiva. Naturalmente, é um candidato de pouca expressividade política, por isso é chamado de outsider. Ele apareceu do nada. Bolsonaro também era chamado de outsider, mas já tinha 28 anos de mandato como deputado, tinha uma certa proximidade com o ambiente político. Não é o caso de Marçal, que nunca teve um cargo, mas já é um grande ganhador dessa eleição mesmo não indo para o segundo turno. Isso porque ele se apresentou para o Brasil todo e para o mundo. Ele tem a ousadia de, numa época de eleição, viajar para encontrar líderes mundiais como o argentino Milei. Isso me parece mais uma jogada de comunicação.

O senhor acredita que Marçal e Milei estão num patamar diferenciado de Bolsonaro? É um outro tipo de atuação da extrema direita?

Eles são muito parecidos porque têm como alicerce programático, filosófico e ideológico as questões comportamentais. São realmente conservadores, tanto na economia quanto no comportamento, esse é o traço comum. Bolsonaro tem um viés mais militarizado que Marçal e Milei não têm. Há diferenças, mas o vaso que eles cabem é repleto de flores conservadoras. Marçal tenta se diferenciar um pouco de Bolsonaro, até porque, como ele é ambicioso e notou que tem influência e pode fazer grande repercussão a médio prazo, está se colocando como uma nova liderança do conservadorismo e da direita. Se extremado ou não, não há um limite firme para definirmos, mas ele está se colocando como uma nova liderança e isso incomoda Bolsonaro. Entretanto, os dois estão evitando confronto, porque é muito ruim para a eleição. Acho que futuramente eles podem se aliar.

Como o senhor avalia a performance de Eduardo Paes que tem quase 60% das intenções de voto no Rio de Janeiro, um reduto do bolsonarismo. O que muda nessa dualidade entre a direita e esquerda?

De alguma forma Paes conseguiu quebrar a hegemonia bolsonarista no Rio de Janeiro e o candidato de Bolsonaro está muito fraco. Mas, não acredito que seja um grande baque para Bolsonaro porque o perfil do Paes, embora não seja de extrema direita, é também conservador. Isso mostra que a transferência potencial de votos não é automática como nunca foi até para Lula que, em alguns lugares, apoiou candidatos que ficaram longe de ser eleitos. Na eleição de 2022, ele perdeu em todas as regiões menos no Nordeste. Nas pesquisas de agora, está acontecendo a mesma coisa.

Porém, noto que há uma certa descontinuidade da sua aprovação massiva. Em Natal e em Maceió, por exemplo, Lula perde em aprovação. O resultado dessa eleição municipal, que normalmente é a antessala para se ter uma visualização da eleição presidencial, vai ser muito contrária ao PT e aos partidos de esquerda, mesmo se Boulos for eleito em São Paulo. Até no ABC Paulista, os números de Lula estão definhados, é um indício de que aquela aura de que ele desfrutava já não é a mesma. E a própria modificação social, as novas aspirações, o efeito emulação da internet, que faz as pessoas seguirem as mesmas tendências, todo esse contexto trazido pela convivência digital muda as aspirações e as cabeças dos eleitores.

Nesse contexto de reconfigurações trazidas pelas mídias digitais, a esquerda parece estar mais atrasada?

Uma pesquisa recente perguntava ao eleitor em qual mídia ele se informa sobre política e, por incrível que pareça, os eleitores de Lula buscam informações sobre política mais por rádio e televisão, enquanto os de Bolsonaro recorrem às redes sociais digitais. No universo digital das redes sociais a esquerda perde espaço. Há uma ausência de investimento da esquerda na busca dessa consonância cognitiva, que é quando se espera que o receptor de uma determinada mensagem tenha as mesmas afinidades de quem a emitiu. Assim, se a mensagem não gera um link com a sociedade, se não agrada a todos e não é compartilhada, acontece uma dissonância cognitiva.

É preciso haver algo que compartilhe desse inter-relacionamento. Nesse sentido, acho que a esquerda abraçou causas relevantes como diminuição da desigualdade, inclusão social, mas não mostrou aderência com os novos tempos. Para assumir o poder, é preciso se moldar. Alguns estudos apontam que expoentes de ideologias distintas que não entregaram o que prometeram à população ou não souberam divulgar o que fizeram tiveram as mesmas dificuldades em relação à aprovação. Ou seja, a ideologia tem sua importância para a população, mas não é fundamental.

Para além da ideologia partidária, o que influencia a decisão dos eleitores?

Nem sempre o eleitor se baseia no fato de o candidato pertencer à direita ou à esquerda, o importante é estar entregando resultados e comunicar bem essas entregas. João Campos, como mencionamos anteriormente, é um exemplo no Recife. Ele tem 88,1% de aprovação não pelo fato de ser aliado de Lula, mas porque todos estão gostando do que ele está fazendo. Da mesma forma em Maceió, onde o prefeito do PL JHC (João Henrique Caldas), aliado a Bolsonaro, tem 70% de aprovação.

Isso significa que, entre os fatores que influenciam a decisão de voto do eleitor, a questão ideológica tem o seu peso, mas muito restrito a um segmento pequeno da sociedade. A maioria quer boas coisas para seu ambiente e para suas circunstâncias. Como diria o pensador José Ortega y Gasset, o homem é suas circunstâncias, as circunstâncias do seu meio, da sua convivência. Faço parte do Instituto de Estudos e Pesquisa para o Fortalecimento da Democracia, onde discutimos essa questão e nos perguntamos por que as sociedades às vezes aderem a uma filosofia que, em princípio, foge um pouco do ideal de democracia? Será que tem a ver com essas mudanças proporcionadas pela época digital? São questões que merecem ser estudadas.

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