Refúgio de milhares de pessoas que dispensam a agitação do Carnaval, o Garanhuns Jazz Festival consolidou-se como evento musical e atrativo turístico para a cidade do Agreste. Seu curador e produtor fala da atrações desta edição, dos desafios enfrentados e como concebeu o GJF.
Há mais de uma década, o Garanhuns Jazz Festival se consolidou como uma alternativa para aqueles que desejam passar o período carnavalesco longe do agito dos foliões. A edição deste ano, que vai de 10 a 13 deste mês, traz uma programação que une os diferentes estilos jazzísticos, ao rock, ao chorinho, ao blues e à soul music, com shows gratuitos na Praça Mestre Dominguinhos. São mais de 40 artistas entre atrações nacionais e internacionais, como Marcel Powell, Nasi, vocalista do Ira!, George Israel, Roberta Campos, Serial Funkers, Leo Gandelman, Uptown Band, Ivan Barreto — vencedor do The Voice Brasil 2023 — e a blueswoman Laretha Weathersby.
O curador e produtor do evento Giovanni Papaléo conversou com Cláudia Santos sobre as novidades desta edição do Garanhuns Jazz Festival, contou como surgiu a ideia do evento e como ele contribui para movimentar a economia da cidade.
Como e surgiu a ideia do Garanhuns Jazz Festival?
Está comprovado que mais de 50% da população no Brasil não quer brincar Carnaval. Ao mesmo tempo, a cidade de Garanhuns tinha uma ocupação histórica na sua rede hoteleira de 15% no período da folia. Todo mundo ia para as praias. Então, o pessoal da prefeitura, na gestão de Luiz Carlos de Oliveira (que agora é nome de praça) perguntou a meu irmão Francisco Papaléo que projeto pode atrair turistas para Garanhuns na época do Carnaval.
Eles já tinham tentado tudo: Garanheta, fuleiragem music e nada dava certo. Meu irmão falou comigo e eu disse uma frase que li nos Estados Unidos e se aplica no Brasil: “música de qualidade é um fator de aquecimento do turismo em nível mundial”. O prefeito, na época, não estava acreditando mas me apoiou pois nós tínhamos a paixão pelo Náutico em comum (risos). O produtor executivo do evento é meu sócio, Jackson Rocha Júnior. Logo na primeira edição do festival, em 2008, e na segunda e terceira edições conquistamos o prêmio Mestre Salustiano, do turismo estadual, superamos o Carnaval do Recife e de Olinda.
O prêmio era da Empetur, destinado a projetos que ajudassem a incentivar o turismo. Na primeira vez fomos segundo lugar, depois fomos primeiro lugar duas vezes. Isso foi importante porque a gente faz um projeto que nem sempre é apoiado pelo poder público, quer dizer, a prefeitura sempre apoiou mas só agora, por exemplo, depois de vários anos, o Governo do Estado voltou a apoiar, o que é uma coisa muito boa.
É um tipo de festival que, se por acaso, não tivesse razão de ser, não estava acontecendo mais porque a gente conseguiu sobreviver a vários fatores, como o humor do gestor político de outras épocas. O evento começou em 2008 e a gente fez todos os anos, até 2015, quando foi o ápice do sucesso, pois não tinha mais vaga na rede hoteleira naquele ano. Mas, o prefeito da época, por motivos que prefiro não comentar, resolveu achar que o evento não funcionava mais e aí tivemos o apoio de Felipe Carreiras que, na época, estava participando da intervenção na prefeitura de Gravatá e levamos o evento para lá, o Gravatá Jazz Festival, que funcionou de 2016 a 2020. Quando teve a pandemia, a gente parou.
Agora, em 2023, em Garanhuns, foi a retomada com a gestão de Sivaldo Albino que teve a coragem de trazer esse festival de volta à cidade. Não sou ligado à política, não tenho ideologia. Para mim, cultura não tem partido. O que eu quero ressaltar é uma coisa muito importante: tanto em Gravatá em 2020, quanto em Garanhuns em 2023, em função do festival de jazz, essas duas cidades tiveram a maior taxa de incremento de novos turistas durante o Carnaval de Pernambuco. Isso foi uma pesquisa feita pela Empetur.
Qual o atrativo que o jazz exerce para atrair turistas?
É o estilo musical mais antigo da cultura pop ocidental em nível mundial mas, nem por isso, as pessoas, principalmente do Brasil, conseguem entender qual é a proposta do festival e no Nordeste não seria diferente. Quando falamos em festival de jazz, não nos referimos apenas à música alienígena, estrangeira ou música para intelectual, mesmo porque o jazz, na década de 1930, era a música que se usava para dançar, que tocava no rádio. Para você ter uma ideia, se não fosse o instrumento bateria, que foi criado para o jazz, não haveria, hoje em dia, a bateria do rock, do pop, e do funk, e por aí vai.
Mas quando falamos em festival de jazz, estamos dizendo que é um festival com música de qualidade. Isso é uma tendência em todos os festivais de jazz do mundo. Eu e minha esposa passamos 20 dias nos Estados Unidos percorrendo alguns dos principais festivais de jazz e vimos que não estamos longe do que eles estão fazendo. Eu fiquei muito feliz com isso pois, com o pouco recurso que temos, conseguimos fazer algo que tem uma repercussão muito positiva, um resultado muito bom. O nosso festival só não tem música apelativa, fuleragem music, isso aí a gente deixa para outras propostas.
Era justamente o que eu ia perguntar: o jazz é um ritmo que já há algum tempo tem acolhido outros ritmos. E essa parece ser uma característica também do festival cuja programação inclui nomes como Nasi, da banda de rock Ira!
Para montar um festival, não penso simplesmente naquela atração que vai trazer gente para a cidade ou vai animar o público. É tudo muito equilibrado, pois venho fazendo eventos há mais de 30 anos nessa área. Eu nunca me aventuraria a fazer uma coisa numa área musical que eu não domino como músico, como produtor. Então, tem uma coerência. O jazz e o blues são as raízes da música pop ocidental, tudo o que você pensar de música pop ocidental vem daí.
Você acha que Luiz Gonzaga na década de 1950 não escutava rádio? Ele estava preso aqui só falando da asa branca? Se você for observar direitinho até o frevo teve uma grande influência do jazz, isso dito até pelo maestro Edson Rodrigues que, na minha opinião, é a maior autoridade em frevo. Quando o frevo começou, os músicos improvisavam e improvisação é uma das principais características do jazz. Mas muita gente, infelizmente, acha que jazz só é música para intelectual, música triste, música chata de lamento.
Esse festival devia se chamar Garanhuns Jazz and Blues Festival, mas disseram que ia ficar um nome muito longo.
Quando montava a grade de agora, pensei em contemplar vários estilos que achava que eram bem-vindos para o nosso festival e que estivesse dentro da proposta. Criei uma noite do chorinho. E por que chorinho? Por ser o estilo musical mais virtuoso que temos na cultura brasileira, é o mais puro, é incrível e respeitado no mundo todo. Não se popularizou tanto quanto a Bossa Nova, mas é uma coisa que não fica a dever a americano nenhum. Convidei para tocar, além de grandes artistas do Recife, o filho de Baden Powell, Marcel Powell, que é um grande herdeiro dele, toca muito no exterior.
Já Nasi, do Ira!, é meu parceiro desde 2002, as pessoas não sabem, mas ele tem um trabalho paralelo chamado Nasi e Os Irmãos do Blues. Minha banda, a Uptown Band, desde 2002, toca com ele que se apresentará na primeira noite. Outro grande parceiro nosso é George Israel, do Kid Abelha. Acho que a gente já fez mais de 100 shows com ele aqui. Ele vem ao festival fazer uma homenagem ao Kid Abelha com as músicas que compôs com a Paula Toller e está chamando uma grande cantora, a Roberta Campos, que está em primeiro lugar em todas as rádios do Brasil com uma música chamada Grand’ Hotel do Kid Abelha. O bom é que também vai ter um fundo de jazz nisso, não vai ser só pop.
Também convidamos um dos melhores saxofonistas do Brasil, Léo Gandelman e junto com ele, está vindo Cláudio Infante, um dos maiores bateristas do País, que manda bem tanto no samba como no rock nacional e na música instrumental. É muito versátil. Ele tocou com Djavan e até com Kid Abelha. O principal grupo instrumental que ele tinha era com Léo Gandelman, por isso que coloquei os dois juntos.
Uma novidade é que faremos uma homenagem a Frank Sinatra e a Tom Jobim, ou seja, juntando essa coisa do jazz com a música brasileira, por meio da Bossa Nova feita por uma banda local de Garanhuns que é bem interessante: a BasSax. Outra novidade é o Ivan Barreto, que as pessoas não conhecem no Recife porque nunca fez show aqui, mas ele ficou famoso agora porque ganhou o The Voice Brasil. Se ele não fosse um grande cantor de soul music, não teria sido convidado porque tem muita gente do The Voice que faz todo aquele melisma (Trecho melódico com várias notas para a mesma sílaba da letra da canção), mas não toca na minha casa. Eu me identifiquei muito com ele, gostei muito do jeito dele e por isso a gente o convidou.
Um dos filhos do jazz, um lado mais comercial, é a soul music que começou a ser solidificada na década de 1960 por gravadoras, tipo Stax Records e Motown que tinham aqueles nomes todos como Marvin Gaye, Diana Ross, Michael Jackson, o próprio James Brown. A gente está trazendo a melhor banda, na minha opinião, de soul music do Brasil, a Serial Funkers. Eu vi essa banda nascer num estúdio lá em São Paulo há uns 10 anos, sou amigo deles, toco com eles em eventos, e acredito que vai ser a grande surpresa desse festival em nível musical.
O festival tem também o Guitar Night, um show onde a gente reúne guitarristas do Nordeste e do Brasil. Este ano, tem gente do Rio, São Paulo, Minas Gerais, Caruaru e do Recife. E nessa noite o homenageado vai ser Greg Wilson, que faleceu semana passada, era um grande amigo meu, líder vocal e guitarrista da maior banda de blues do Brasil, o Blues Etílicos. A gente fez vários shows com ele.
Quem são as atrações estrangeiras?
Estamos trazendo nomes dos Estados Unidos: o Omar Coleman está vindo com Igor Prado, que é o guitarrista brasileiro mais bem-sucedido hoje em dia no exterior. Omar Coleman é um grande gaitista americano e um cantor incrível e estará pela primeira vez no Nordeste. Está vindo uma cantora americana Laretha Weathersby que é aquela cantora no estilo Chicago blues, tipo Koko Taylor, Big Mama Thorton, que influenciou até o próprio Elvis Presley, aquele tipo de blues bem rasgado. O estilo Chicago, que é o mais forte do blues, é o pai do rock.
Qual é o perfil do público que vai ao festival?
O público é muito variado, a depender da atração que a gente coloca. Por exemplo, no dia em que eu trouxe Kiko Loureiro, que tocou naquela banda Megadeth, a principal banda de heavy metal do mundo, e o Andreas Kisser, do Sepultura, o que teve de adolescente nesse dia, você não imagina! E eles vieram tocar blues, não vieram tocar heavy metal, eu não abro mão de manter essa identidade musical.
A guitarrista de Michael Jackson, Jennifer Batten, veio dos Estados Unidos só para tocar no Garanhus Jazz Festival, ela não passou nem pelo Rio nem por São Paulo. Muitos artistas vêm direto tocar aqui com a gente. Então, se a gente for pensar numa faixa etária mais básica do festival, a gente pode falar em torno de 35 até uns 70 anos.
É bem abrangente. E a classe social?
Engraçado. Apesar de ser um festival com música de qualidade, você vê também aquele pessoal humilde que bota sua roupa de domingo, junta a família e vem assistir aos shows. Eu diria que é um pessoal de alto nível cultural, mas nem sempre social, porque o nosso povo gostaria de música de qualidade se os políticos oferecessem isso para ele, se não houvesse tanto pão e circo.
Bandas e músicos de Garanhuns também se inscreveram para se apresentar no festival. Existe um nicho de jazz na cidade? Isso foi influenciado pelo festival?
Sim. Eles tocam mais jazz, mas também há bandas de blues lá. Isso é influência do festival. Existe uma banda chamada Mobile Jazz Band, que vai tocar no primeiro dia, e o estilo musical é o jazz de rua, street jazz band, que tem um pessoal que toca andando, por isso que é mobile. É uma banda móvel, que toca naquele estilo de Louis Armstrong, o dixieland, da década de 1930.
Garanhuns é uma cidade que tem uma grande vocação turística, é chamada a Cidade dos Festivais e eu acredito que essa tradição ajudou a gente a viabilizar o projeto. A cidade tem uma estrutura muito boa, uma boa rede hoteleira, tem um comércio interessante, uma boa cadeia de restaurantes. O local que a gente faz o festival tem também uma estrutura muito legal, que é a praça Mestre Dominguinhos.
O que acontece é que Garanhuns tem várias cidades satélites ao redor, não só daqui de Pernambuco, como também de Alagoas. Então, muita gente de Alagoas vem para o festival e também de outros Estados do Nordeste. Vem também muita gente do Recife, de Gravatá. Infelizmente como esse trabalho foi interrompido em 2016, a gente teve que retomar do zero e se não tivesse sido interrompido naquela época, a gente estava em um patamar que eu nem conseguiria classificar. Mas, de todo o jeito, que eu posso lhe dizer com um orgulho danado, é que nosso Garanhuns Jazz Festival é um dos três principais festivais de jazz e blues do Brasil.
A gente consegue aquecer a cidade com ocupação da rede hoteleira, no último ano chegou a 98%, mas vamos dizer que proporciona uma média de 90% a 95%, enquanto a taxa histórica antes do festival era de 15%. E a cidade, antes do festival, virava um deserto, todo mundo ia para as praias, agora o pessoal já está se animando a ficar. E Garanhuns também cresceu, já tem faculdade, em breve vai ter um shopping center, é uma cidade desenvolvida. Eu acredito que ela tem maturidade suficiente hoje em dia para entender a importância de um festival de jazz.
Inclusive, vale ressaltar que a estrutura do festival é muito interessante: na praça Mestre Dominguinhos, colocamos uma tenda gigante para mais de quatro mil pessoas, com uma praça de alimentação, todo mundo sentadinho em cadeiras, com mesas, com garçons servindo, como se fosse o Chevrolet Hall lá em Garanhuns. Só que, dadas as devidas proporções, com ar-condicionado gratuito.
Essa é a estimativa de público para o festival, quatro mil pessoas?
Durante os quatro dias tem gente que entra, sai e fica do lado de fora, ao redor do festival, o que abrange e torno de 40 mil pessoas. Na tenda cabe em torno de quatro mil. O festival tem uma coisa muito legal: zero ocorrência policial, zero briga.