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Nosso tempo (Por Joca Souza Leão)

Claudia Santos

Agora eu sei por que velho gosta de reler o que já leu há muito tempo. Não é lá muito justo, mas é assim: velho vive sem pressa e jovem vive apressado. Ou seja, quem tem a vida toda pela frente tem pressa, não há tempo a perder; quem já tá mais pra lá do que pra cá faz uma coisa de cada vez, sem pressa.

Ganhei de Margarida Dantas um livrinho de Cícero, Saber Envelhecer, qu’eu já tinha lido com uns 40 anos. Reli. Como o livro não mudou (ao longo dos seus mais de dois mil anos), mudei eu. Meus olhos não são mais os mesmos. Nada em mim é mais o mesmo. E minha bagagem não é fardo; ao contrário, ajuda-me a caminhar. “(Há um) provérbio muito antigo e famoso que recomenda ser velho cedo se quisermos sê-lo por muito tempo. De minha parte, prefiro ser velho por menos tempo do que sê-lo prematuramente” – recomendou Cícero. Valeu a releitura.

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Enfim, tenho mais relido do que lido. Devagar. Sem pressa. Sem pular biografias, prefácios, comentários, crítica. De novidade, mesmo, só as traduções. Até outro dia, por assim dizer, quase tudo que a gente lia era traduzido de segunda mão, não da língua original, mas do francês (muitas vezes, para o português de Portugal). Li Dostoiévski de segunda (ou terceira) mão. Tradução do espanhol pela portuguesa Natália Nunes. Agora, tô relendo Crime e Castigo, tradução do paraibano Paulo Bezerra, direto do russo. E tá lá, na boca de Raskolnikov: “(...) dias e noites deitado num canto pensando... na morte da bezerra.” Empaquei aí, enjicado com a expressão em russo. Achei que Bezerra, nordestino, teria abusado do regionalismo. Mas, qual o quê? A expressão vem de longe. No tempo e na geografia. “Não tendo mais bezerros para oferecer em sacrifício a Deus, Absalão sacrificou a bezerrinha do seu filho caçula, que, inconformado, passou o resto da vida ao lado do altar que se prestara ao sacrifício, pensando na morte da bezerra”. (Andei doando meus livros para bibliotecas populares e escolas públicas, mas, ainda bem, preservei o velho exemplar de Locuções tradicionais no Brasil, de Câmara Cascudo).

Mas diga-me, caro leitor, leitora, o que há de novo para ler neste país? Nosso retrocesso não é apenas político e social. É civilizatório. E, do jeito que a coisa vai, talvez queiram rediscutir a abolição da escravatura. Aí, melhor reler Joaquim Nabuco.
Melhor reler Drummond:

Esse é tempo de partido,
Tempo de homens partidos.
(...)
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e
escreve-se na pedra.

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