*Por Rivaldo Neto
Hoje ao acordar sentei-me na cama. Tentei lembrar de um sonho muito real. Não sei ao certo se era de todo um sonho. Acho que não. Eram lembranças guardadas na mente. Nesse labirinto cinza e misterioso que temos. Respirei fundo e fiz uma força para lembrar das coisas. Aos poucos o embaço foi dissipando e vi a cidade como era. O centro da cidade na verdade. Me vi ao lado de Dr. Rivaldo, meu avô. Caminhamos pela Rua do Imperador até a chegar próximo a rua primeiro de março. Lá existia um senhor que embalava amendoins com em papéis, daqueles de padaria muito parecidos com o de embrulhar pão. Eram meio rosas e marrons. Que os distinguia, se eram torrados ou cozidos.
– Meu filho? Quer um? – perguntou ele.
Prontamente respondi:
– Quero o cozido.
Sempre preferi cozidos. E lá fomos nós. Vovô de terno preto caminhando ao lado e nós dois devorando amendoins. Passos lentos, mas o olho atento do velho com a cara de riso, numa satisfação de viver aquele momento. Eu ia olhando para o chão, fazendo uns ziguezagues pelas pedras portuguesas e seus desenhos simétricos.
Lá na frente fomos pela rua Nova, íamos caminhando e vovô falou:
– A loja de papai era aqui, Bomachã (nem sei se escreve assim). Ele olhou para um prédio velho e sorriu. Talvez pela lembrança de um filme que passou em sua cabeça. Entramos na rua Camboa do Carmo. E logo percebi onde iríamos, Galo de Ouro.
Entramos e prontamente já encosta o garçom, e nos leva até a mesa.
– Como vai doutor?
– Bem João!
– Vovô, quero uma Fratelli Vitta.
Fratelli era um refrigerante que não existe mais, mas ainda consigo sentir seu gosto refrescante e delicioso.
– Quero um filé malpassado a portuguesa – Falou o velho.
Engraçado, meu avô quase sempre pedia o mesmo prato. Sempre o mesmo filé cheio de verduras cozidas. A alimentação dele era uma coisa muito diferente. Sempre carne com verduras, saladas e muitas, mas muitas frutas. Não conheço ninguém que comia com tanta satisfação frutas de um modo geral. E eu gostava também desse filé. Vez por outra peço em algum restaurante que vejo, mas muito longe de ser no mínimo parecido.
Já voltando, fomos pelo cine Trianon. Passamos na banca do Gasolina, que ficava embaixo da sacada do prédio onde ganhei dois novos “jogadores” para meu time de botão.
Viemos pela Guararapes, li o poema de Carlos Pena Filho, na sacada do Bar Savoy. Já um pouco decadente, mas cheio de histórias. Tomamos um sorvete, e voltamos para o palácio da Justiça. E daí não lembro mais de como foi a tarde. As vezes não lembro o que houve ontem, mas lembro do que aconteceu há tantos anos atrás. Mais mistérios da mente, essa caixa que ativa memórias do nada da mesma forma que também apaga.
A nostalgia de uma caminhada de um tempo de coisas e lugares que não existem mais…
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*Rivaldo Neto é designer, cervejeiro e cronista nas horas vagas (neto@algomais.com)