Presidente da Abrasel-PE, Tony Souza, analisa os impactos da pandemia, como o aumento de dívidas das empresas, diz que plataformas digitais, como o Google e o TripAdvisor, são o novo “boca a boca” para divulgar as casas e falou sobre as ações para combater a violência contra as mulheres.
A pandemia mudou muitos hábitos dos brasileiros, incluindo os pernambucanos, que passaram a utilizar com mais frequência o delivery ou os pedidos “para viagem”. O consumidor também vivencia a rotina do trabalho remoto ou híbrido (o que reduziu o almoço fora de casa e o happy hour) e o uso de pagamentos digitais, como cartões e, principalmente, o pix. Todas essas mudanças provocaram profundas transformações no setor de bares e restaurantes. Porém, o que causou o impacto mais negativo foram os lockdowns e a elevação das taxas de juros e da inflação provocaram o endividamento de 70% dos estabelecimentos.
“Não que esse percentual esteja inadimplente. Eles estão endividados e estão pagando mas, para conseguir pagar, operam, muitas vezes, no vermelho”, explica Tony Sousa, presidente da Abrasel-PE (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – Seccional Pernambuco). Uma situação que levou cerca de 30% das casas a encerrarem as atividades. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Tony Sousa avalia as consequências da pandemia para o setor e comenta a lei que estabelece um protocolo para enfrentar a violência contra a mulher nesses estabelecimentos e também fala do encontro nacional da associação que acontece hoje, dia 29.
Pesquisa da Abrasel Nacional revelou que o setor tem enfrentado dificuldade de retomar o desempenho de antes da pandemia. Esse quadro também é verificado em Pernambuco?
Sim. O setor em todo o País está com dificuldade de alcançar o desempenho com lucratividade. Vamos entender: os restaurantes têm uma capacidade de reestruturação fenomenal mas, apesar de recuperarem o faturamento de antes da pandemia, não conseguiram ter lucratividade que ficou comprometida por duas verticais. A primeira é a inflação. Muitos produtos subiram mais de 100%, alguns como camarão, salmão, picanha tiveram um aumento absurdo.
O segundo pilar é o nível de endividamento dos restaurantes. Em 2020 os estabelecimentos estiveram em lockdown e precisaram ir aos bancos, muitos recorreram a créditos tradicionais, outros a créditos subsidiados pelo governo. Porém, a Selic estava abaixo de 4%, hoje, está em 14%. Então, houve um aumento de quase 40% nas parcelas e as casas não estão conseguindo gerar lucro para atualizar a sua operação. Lamentavelmente, no ano passado, várias empresas operaram no vermelho, isso minimizou um pouco no segundo semestre porque teve a black friday, foi ano de eleição e Copa do Mundo, depois as festas de final de ano que, por gravidade, melhoram o movimento.
Mas, em janeiro, voltamos à realidade de um mês normal e ainda por cima trata-se de um mês de férias. O endividamento atinge em torno de 70% do setor. Não que esse percentual esteja inadimplente, eles estão endividados e estão pagando mas, para conseguir pagar, operam, muitas vezes, no vermelho. O endividamento representa uma média de 10% do faturamento, para um segmento que apresenta um resultado líquido na ordem de 12% ou 13%. Basicamente o lucro que se faz é para pagar boa parte desse endividamento. Muitos estabelecimentos precisaram refinanciar suas dívidas.
Muitos fizeram um financiamento em 2020 e em 2021 estávamos novamente em lockdown que foi a segunda onda da pandemia. Os estabelecimentos tiveram que contrair novas dívidas para pagar a anterior e conseguir ter um novo prazo de carência, que se encerrou em 2022, quando ainda não estávamos livres da pandemia, tanto que a gente não teve o Carnaval. As casas começaram a ter que honrar seus compromissos porque venceu a carência sem que estivéssemos com o movimento recuperado. Para muitos isso virou uma bola de neve que os levou à insolvência. Em torno de 30% dos estabelecimentos encerraram suas atividades.
O momento é muito delicado, precisamos de políticas públicas para recuperar um setor que tanto emprega. Temos expectativas que linhas de créditos possam ser abertas, que os prazos sejam ampliados, para que os estabelecimentos possam inserir essa quitação do endividamento no seu fluxo de caixa sem sacrificar o que ele precisa fazer de investimento para atualização do seu negócio e o que ele precisa retirar como dividendo, como lucro, para sua sobrevivência.
Vocês têm levado essas demandas para o Governo Federal que, inclusive, está nesta peleja com o Banco Central por causa da Selic?
Participamos de algumas frentes, como a Frente de Comércio e Serviços com outras associações, mostrando a fragilidade do setor, desde a equipe de transição. Nosso presidente executivo nacional, Paulo Solmucci, vem buscando essa aproximação. Tivemos no Recife, no lançamento do Carnaval, a presença da ministra Daniela [Carneiro, do Turismo], do seu Secretário Executivo Bento Nunes. Disseram que será lançado o Fungetur 2 (Fundo Geral de Turismo) que é um programa que deve vir ampliado com novos indexadores e maiores prazos. Há uma sensibilidade do novo governo quanto a essa realidade, mas tudo leva um tempo para operacionalizar. E, como você colocou, o Banco Central tem hoje sua independência e essa questão de juros precisa ser ajustada para que haja um entendimento para que a redução não leve a um incentivo da inflação, porque a gente ganharia de um lado e perderia de outro. Esperamos que isso consiga ser operacionalizado antes que mais algumas empresas morram por inanição.
Quantas pessoas o setor emprega em Pernambuco?
Cerca de 480 mil pessoas em empregos diretos e formais, além da camada de informalidade e empregos indiretos, como os motoqueiros de aplicativos que fazem as entregas. A geração de emprego e renda é a nossa principal vocação aliada ao fato de sermos uma escola, ao oferecer a oportunidade do primeiro emprego para muita gente.
O home office e o trabalho híbrido afetaram o setor?
Com a pandemia as empresas viram que a produtividade de alguns colaboradores de alguns segmentos aumentou porque a pessoa não perde tempo em trânsito e produz de maneira mais rápida em casa. O home office e o trabalho híbrido são uma realidade. Na área próxima ao nosso restaurante, diversos empresariais que antes não tinham disponibilidade hoje enfrentam ociosidade e muitos têm disponível para locar até 50% das salas. Isso significa que há um universo entre 40% a 50% menor de colaboradores que circulam na nossa vizinhança.
Uma realidade que interfere na hora do almoço, no happy hour, no delivery. Então, acho que o home office e o trabalho híbrido vieram para ficar e os restaurantes precisam criar outros atrativos para que as pessoas venham se encontrar nos seus estabelecimentos. Pode-se, num happy hour, transformar um salão de restaurante em ponto de interação para os colaboradores e essa interação é importante para as empresas.
Como será o Encontro Nacional da Abrasel?
O evento acontece duas vezes por ano. Esperamos ter uma circulação de pessoas de todo o Estado de Pernambuco e também temos caravanas vindo de praticamente todos os Estados, incluindo as cidades do interior. A abertura contará com a presença de autoridades. A Abrasel é uma associação que conta com 15 mil associados no Brasil inteiro e, aqui em Pernambuco, estamos há 35 anos. É um evento referência para os associados e para o segmento. Teremos a grade com 24 palestras que acontecerão em dois salões com temas diversos. Também temos um salão técnico que é um auditório onde serão apresentadas diversas soluções tecnológicas para a área de food service.
Na área de estandes, parceiros da Abrasel vão apresentar seus produtos e serviços, além de termos espaços do Sebrae, da Adepe (Agência de Desenvolvimento de Pernambuco), Prefeitura do Recife (pela Secretaria de Turismo) e a EMPETUR. Nesse evento se reúne o Conselho Nacional da Abrasel que são os presidentes das 27 seccionais e das regionais e vamos discutir o momento do setor, atualizar nossa pauta junto às autoridades, traçar nossas ações. É um momento muito rico.
Leia a entrevista completa na edição 210 da Algomais: assine.algomais.com