"O Quinteto Violado Não Tem Medo D'e Misturar Os Sons Do Nordeste Com A Música Do Mundo" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
"O Quinteto Violado não tem medo d'e misturar os sons do Nordeste com a música do mundo"

Revista Algomais

Integrantes do grupo que inovou a canção nordestina, com arranjos sofisticados e fusão de ritmos, Dudu Alves e Roberto Medeiros contam como ele foi formado, a participação de Gilberto Gil na sua projeção, o sucesso nos palcos internacionais e o inusitado episódio em que tiveram que substituir Wesley Safadão num show no São João de Caruaru. Também comentam sobre o mercado musical em tempos de streamings.

O jornalista e crítico musical José Teles equipara a importância do Quinteto Violado aos expoentes do movimento mangue beat, Chico Science & Nação Zumbi, por ter levado para fora de Pernambuco ritmos como caboclinho, cavalo-marinho e ciranda. Teles também ressalta que o Quinteto renovou a música carnavalesca pernambucana ao gravar frevos com uma instrumentação que incluía flauta e viola.

Inovar e misturar ritmos, sem perder as raízes nordestinas, na verdade, sempre foi uma característica do grupo, a ponto de levar Gilberto Gil a definir o som da banda pernambucana como free nordestino. Em tom de brincadeira, Dudu Alves, tecladista e arranjador do grupo, afirma que o pai, Toinho Alves, fundador do Quinteto, era químico, portanto afeito a fazer misturas, e adaptou a atividade à música.

Nesse ritmo descontraído e bem-humorado, Dudu e Roberto Medeiros, (percussionista) conversaram com Cláudia Santos e Rivaldo Neto sobre a trajetória do grupo que completa 54 anos em outubro, quando farão um show no Recife. Neste sábado (26/04) fazem um outro show da Casa Estação da Luz. Eles relembram episódios, como a primeira vez que Luiz Gonzaga ouviu a versão que fizeram de Asa Branca e que levou o Rei do Baião às lágrimas, e a acalorada receptividade que tiveram da plateia na antiga Iugoslávia e na Coreia. Comentam como têm se adaptado às plataformas, como Spotify, e contam um acontecimento inusitado em que Wesley Safadão não pôde participar do São João em Caruaru e eles tiveram que substitui-lo e cantar para um grande público que desconhecia a música do grupo.

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Como surgiu o Quinteto Violado?

Dudu Alves – Em 1971, Toinho Alves, meu pai, tinha vontade de ter um grupo que tocasse músicas do Nordeste numa junção com a música instrumental. Ele era químico, então gostava de fazer essas misturas (risos).  Ele já tinha um grupo que se apresentava na TV Universitária. Marcelo Melo, que chegou da Europa, onde fazia um curso de agronomia, se juntou ao grupo. Existe a versão bonita de que o Quinteto Violado nasceu nas pedras de Nova Jerusalém, mas não foi nada disso.

Como assim?

Roberto Medeiros – O Quinteto nasceu nos banheiros da TV Universitária (risos), se chamava Bossa Norte e tocava num programa da emissora. O tempo era curto para ensaiar e o banheiro era o local que se tinha para passar o som, além de ter uma acústica legal. Toinho e Marcelo chamaram para integrar o grupo Fernando Filizola, um guitarrista exemplar, que tocava no Silver Jets, a banda de Reginaldo Rossi. Mas aí Toinho disse, “você vai tocar viola” e ele começou a estudar o instrumento e transformou-se num grande violeiro. Havia também Luciano Pimentel, que era baterista, um cara virtuoso, e o Sando, flautista, que era um menino, tinha 13, 14 anos. Ai, o grupo se tornou Quinteto. 

E como surgiu o nome Quinteto Violado?

Dudu – Antes o nome era só Quinteto. Mas após uma apresentação num festival em Nova Jerusalém, havia uns meninos brincando ali naquele momento e disseram, “oh, lá vem os violados!”, porque estávamos com violas e instrumentos de cordas e tal. Foi quando meu pai olhou para Marcelo e disse, “tá aí, batizado: Quinteto Violado”.

Como o grupo ganhou projeção? 

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Roberto – Um dos primeiros trabalhos foi um álbum, gravado no Recife, com toda a discografia de músicas do Nordeste – maracatu, ciranda etc. O grupo pegava o som original e incluía a sua sonoridade, com viola, flauta, violão. Na época Marcos Pereira montou esse projeto, que tornou o Quinteto conhecido. Foram quatro LPs com ritmos Nordestinos. Daí, houve o interesse das grandes gravadoras, e o grupo foi ganhando projeção. 

Além disso, coincidiu com a época em que Gilberto Gil, voltando do exílio, parou no Recife e, numa roda de música na casa de Hermilo Borba Filho, conheceu o grupo e ficou encantado. Quando chegou no Rio de Janeiro, a imprensa lhe perguntou o que “achou de novo no Brasil?”. Ele respondeu “o Quinteto Violado, lá no Recife”. E quando perguntavam o que o Quinteto tocava, se era baião, Carnaval, xote... Gil respondeu “Eles fazem um free nordestino”. Na época, era o auge do Free Jazz. Ou seja, a gente faz o tema, rola uns improvisos, temos a liberdade de pegar a música de fora, sem perder as raízes do Nordeste. 

Dudu – O Quinteto Violado também teve uma influência do Quarteto Novo (composto por Theo de Barros, no contrabaixo e violão; Heraldo do Monte,viola e guitarra; Airton Moreira, bateria e percussão; e Hermeto Pascoal, na flauta). Era um grupo que tocava jazz mas conseguiu trazer a música popular, com os arranjos que foram montados. Além do jazz, fazemos outras misturas interessantes, como a música clássica. O Quinteto se apresenta muito com orquestras sinfônicas. Também agregamos a música nordestina a outras vertentes. Trouxemos da Galícia uma sanfona galega e a colocamos numa música nossa. 

Roberto – Fomos à Síria, trouxemos tambores que usamos no show e em músicas que montamos. O Quinteto não tem medo de misturar os sons do Nordeste com a música do mundo.

É verdade que Luiz Gonzaga adorou o arranjo que vocês fizeram de Asa Branca?

Roberto – Foi a irmã, Chiquinha Gonzaga, que contou. Ela colocou a faixa Asa Branca do nosso disco na vitrola para ele ouvir. Quando acabou a música, ele estava aos prantos e disse “preciso conhecer esses meninos para agradecer porque, quando gravei essa música pela primeira vez, a gravadora disse que ela não ia acontecer. E a música aconteceu comigo tocando e agora com o Quinteto, que fez um arranjo belíssimo, e nunca essa música vai morrer”. Asa Branca teve milhares de gravações, e o arranjo do Quinteto tem um acorde que todo mundo toca. 

Gonzaga teve muito carinho com o grupo. Na época, o Quinteto fazia um projeto voltado às universidades para mostrar nossa música à meninada. Toinho teve a sacada de convidar Gonzaga para participar desse circuito com a gente. O Quinteto levou Gonzaga, pela primeira vez, para dentro do teatro. Ele disse, “caramba, agora eu sou um artista de verdade”. Toinho também teve outra sacada: na época, Gonzaga estava brigado com Gonzaguinha e Toinho disse, “quem vai abrir esse show vai ser Gonzaguinha”. Ele abriu o show com violão e voz, depois o Quinteto tocava e chamava Gonzaga para tocar Asa Branca e A Volta da Asa Branca e era uma loucura porque aquela meninada não sabia quem era Gonzaga. Nessa época ele chamou o seu sanfoneiro de apoio que era Dominguinhos.

Foi nessa época que o Quinteto realizou trabalhos com Dominguinhos? 

Dudu – Havia uma amizade do Quinteto com Dominguinhos. Ele apresentou uma música a Toinho que decidiu tocá-la. Colocou-se o nome Forró de Dominguinhos. O Quinteto fez uma versão instrumental e gravou em 1973. Dois anos depois, Gilberto Gil ouviu a melodia, gostou e criou uma letra, aí virou Lamento Sertanejo. Mas, até hoje, tocamos na versão que Dominguinhos apresentou ao Quinteto. 

Outra canção que Toinho e Dominguinhos fizeram juntos foi 7 Meninas, muito tocada nos forrós hoje. Foi gravada por Jackson do Pandeiro, Elba Ramalho, Lucy Alves, Mestrinho, Trio Nordestino, Falamansa. Umas das primeiras vezes que Dominguinhos cantou foi nesse disco do Quinteto e com essa música. Toinho insistiu para ele cantar, ele não queria porque achava que tinha a voz muito grossa, mas cantou e nunca mais parou de cantar com aquela voz bonita dele. 

Roberto – Aí Dominguinhos entrou numa vertente de tocar com Bethânia, Gal, Gil. Gonzaga disse que ele era um “sanfoneiro pop”. Dominguinhos viajou muito com o Quinteto. Ele nunca gostou de viajar de avião, e o grupo tinha um ônibus. Acho que foi o pioneiro em ter um ônibus para viajar pelo País porque a passagem de avião era muito cara. Uma vez encontramos com Gil no Rio e ele viu o ônibus e se apaixonou. Disse: “rapaz, vou comprar um desse para mim também”. 

O Quinteto foi pioneiro em muita coisa. Toinho conseguiu fazer um contrato com o Banorte, e o grupo viajou pelo Brasil todo inaugurando agências. Entrou em lugares que ninguém imaginava que teria um grupo tocando. E o Quinteto, na época, fez um jingle que tocava para caramba, da poupança Banorte.

Dudu – Também fizemos um trabalho chamado Chinelada, com patrocínio das Sandálias Havaianas.  Rodando muitas cidades, muitas festas de São João com o ônibus envelopado, que tinha Quinteto Violado e Havaianas e o figurino nosso era com as sandálias. Toinho também fez um jingle para as Havaianas. Associar o valor do Quinteto Violado a marcas faz parte da nossa história, está sempre presente e mostra também nosso pioneirismo. O Quinteto sempre esteve muito à frente, sempre se renovando.

E como vocês se renovam neste momento de redes sociais digitais e plataformização, com a música em serviços de streaming como Spotify e Deezer? 

Dudu – A matriz Quinteto Violado está na nossa alma, no DNA, isso vai ser eterno. O Quinteto Violado veio da década de 1970, época do LP, passou pelo DVD, CD, MP3 e vamos nos adequando a essa modernidade. Buscamos estar nas mídias e nas plataformas digitais. É um momento em que há pressão por quantidade de ouvintes por mês, em que se faz um tipo de música que toca um período e daqui a pouco se esquece. O Quinteto tem aquele público que é menor em termos de audiência, mas muito fiel e qualificado, que mantém uma média mensal. 

Sempre tivemos a característica de trazer o novo e não apenas em relação às plataformas digitais mas, também, em projetar novos talentos, como Elba Ramalho, por exemplo, que o Quinteto levou pela primeira vez ao Rio de Janeiro, quando fizemos um show juntos. Lucy Alves é outro exemplo, a primeira vez que ela se apresentou sem sua banda foi com o Quinteto Violado durante o Galo da Madrugada. Joyce Alane, que já tocou muito com a gente, é um talento novíssimo do Recife. 

Roberto – Hoje trabalhamos com um guitarrista virtuosíssimo do interior de Pernambuco, que mora num sítio, chamado Walisson Queiroz. Ele participou de um concurso da Yamaha e foi considerado o melhor guitarrista do Brasil. Temos sorte de encontrar essas pessoas e, assim, nosso público vai se renovando. O Quinteto teve essa força, e hoje escutamos dos músicos novos “vocês são uma escola”. 

Vocês tiveram músicas como temas de novelas. A TV supre a atual falta do rádio na divulgação do trabalho musical? 

Roberto – Sentimos falta da nossa música tocar nas rádios. O que se toca agora são músicas descartáveis, que se escuta hoje e, em 15 dias, não se sabe mais.  As gravadoras não têm a mesma força. Já que não toca no rádio, pelo menos, toca na TV.  Tivemos a sorte de ter nossa música [Palavra Acesa] na primeira versão da novela Renascer, era o tema do personagem de Osmar Prado. No remake, a Globo deixou o mesmo arranjo do Quinteto. Foi maravilhoso, aquela música não estava mais no nosso repertório e, quando começou a tocar, incluímos novamente. Impressionante, quando tocávamos no show o povo se emocionava. 

Não é uma letra fácil, é uma canção antiga, mas é muito forte ainda hoje, ela representa uma realidade que, infelizmente, não mudou. É uma canção que deu uma força para gente. Agora, na reprise da novela Tieta, também há uma música nossa, Cadê Meu Amor? E já montamos um arranjo novo, vamos gravar um clipe para usar no São João.

Como é sobreviver da música em meio a essas reconfigurações do mercado cultural?

Roberto – Fazemos shows. Todos os anos, montamos um espetáculo para viajar e buscamos patrocínio. Alguns desses projetos, como O Quinteto Canta Luiz Gonzaga, fizemos por amor à música. Foi um DVD que gravamos no Forrozão em Aracaju para 200 mil pessoas e, com ele, ganhamos o Prêmio da Música Brasileira e depois fomos indicados ao Grammy Latino. Foi importante porque estávamos representando nossa música junto a artistas como Ricky Martin, Madonna, Santanna, Shakira. 

Dudu - É difícil chegar num patamar desses. Hoje o Quinteto não toca só no Brasil. O Quinteto foi escolhido para representar o País na Coreia do Sul, nas comemorações dos 50 anos de imigração da Coreia no Brasil. Tocamos nas universidades coreanas, temos um projeto paralelo chamado Concerto Aula, que apresenta a música de forma didática. Foi uma loucura, gente pra caramba! A meninada queria saber como tocávamos o baião, o maracatu. O público já nos conhecida. Havia uma banda de rock chamada Coreyah que gravou Asa Branca e Sala de Reboco, com arranjos nossos a partir de instrumentos primitivos da Coreia. Fizemos alguns concertos com eles. 

Além desses concertos, que outros shows, fora do Brasil, marcaram a trajetória do grupo? 

Roberto – Fizemos um show marcante num teatro na antiga Iugoslávia. O produtor que nos levou disse que deveríamos cumprir todo o repertório, não podia tirar nada, porque as pessoas na plateia acompanhavam com partitura. Quando acabamos o show, a plateia jogou flores. Quando saímos do palco, o produtor nos dizia para voltar porque o público continuava aplaudindo. Voltamos cinco vezes, sem entender nada. Afinal, a gente cantava música regional, em português. Foi tudo! 

Dias depois, encontramos Hermeto Pascoal na Áustria, porque íamos fazer um show com ele. Após esse show, o Hermeto disse “vocês acharam o caminho da Europa” e nos presenteou com uma partitura com duas canções para o Quinteto. Temos essa característica, tocamos em carroçaria de caminhão, em feiras e, na outra semana, estávamos num teatro na Europa, no Olympia de Paris. A música, como Dudu fala, é dó aqui e dó em qualquer lugar. É só fazer da melhor forma.

Vocês se incomodam com artistas, com pouca identidade com o Nordeste, que fazem shows no São João das cidades nordestinas?

Roberto – Esses artistas são muito fortes na internet e até na TV, têm milhares de seguidores. Para aquele tipo de evento é importante o show desse artista porque ele vai trazer uma ruma de gente.  Mas o público, atraído para assistir esse cara, vai acabar participando de shows de outros artistas. Há uns dois anos, fomos convidados para nos apresentar no São João de Caruaru, no mesmo dia de Wesley Safadão. As pessoas perguntavam pra gente: “o que vocês acham de dividir o palco com Wesley Safadão”? Eu respondi, “acho arretado, a gente vai atingir um público que a gente não tem, que é o de Wesley, eu quero tocar para aquele público”. 

Teve uma coisa maluca. Ficamos sabendo, de uma hora pra outra, que Wesley não iria mais participar do show e íamos tocar no horário dele. E o público não estava sabendo disso. Havia uma sala de imprensa gigante e os jornalistas nem olharam pra gente porque só queriam saber de Wesley.  Aí, por coincidência, chegam os técnicos de Wesley, dizendo que a parafernália do show dele – fogos, efeitos especiais – estava tudo pago e perguntou se a gente queria usar. Eu disse, “oxe, vamos usar. Bota aí fogos, CO2, a bixiga lixa” (risos). Rapaz, a gente entrou no palco, gente pra caramba, e a gente ganhou o público dele. O povo cantou, foi ao delírio, foi bonito, foi um showzaço.

Dudu – Nesse show, antes de tocar Asa Branca, a gente utiliza um vídeo no telão, com um depoimento de Luiz Gonzaga em que o locutor pergunta para ele o que é o Quinteto Violado, aí ele responde que é o tutano do corredor do boi, é o Padre Cícero, é Cego Aderaldo, ele sai relatando uma série de coisas. No final ele diz, “o Quinteto Violado é isso aí”. Aí o locutor completa “e Luiz Gonzaga, não é”? E ele diz, “obrigado”. Quando terminamos de cantar a música, dissemos que era um momento muito importante porque aquilo só estava acontecendo no São João por causa de Gonzaga. 

Roberto –  Quando a gente saiu do palco a imprensa acordou e foi conversar com a gente.

Vocês vão estrear algum show? 

Dudu – Em agosto vamos estrear o show Sertão, mostrando um Sertão com essa visão do Quinteto Violado, não o Sertão triste, da seca, do gado magro, mas das coisas bonitas, com flores, poético. O figurino está sendo montado por uma artista de Caruaru, Lucy. Pensamos muito no visual, como são cinco artistas no palco, não há uma movimentação muito grande, então vamos trazer algo que dê movimento, com telões de LED, cada música com um cenário diferente.A ideia é fazer São Paulo, Belém, Brasília, praticamente todos os estados e finalizar no Recife, em outubro deste ano, que é o mês de aniversário de 54 anos do Quinteto Violado. 

Além desse espetáculo, vamos fazer o show Tempo mais intimista, no sábado 26 de abril, na casa a Estação da Luz, em Olinda, às 18h. Convidamos, para esse show, algumas participações como o Xico de Carinho, que é da Galícia, na Espanha, e tocou gaita no disco Nas Terras do Benvirá, do Geraldo Vandré. Também convidamos Felipe Costa, que faz uma sanfona supermoderna, e Ylana que é uma cantora dessa geração.

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