Olha pro céu, meu amor! – Revista Algomais – a revista de Pernambuco
Reticências

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Manu Siqueira

Olha pro céu, meu amor!

Por Manu Siqueira

As festas de São João, sem dúvida, são um dos momentos mais esperados do ano, principalmente aqui, no Nordeste. Elas carregam uma bagagem cultural muito rica. É um balaio cheio de tradições e memórias afetivas que atravessam gerações. Lembro, com carinho, das festas juninas de quem, assim como eu, foi criança no final dos anos de 1980, quando a simplicidade e a tradição eram as protagonistas da celebração.

Naquela época, as quadrilhas eram o ponto alto da festa. As crianças da vizinhança se reuniam para ensaiar os passos ao som de “alavantú”, “balancê” e “anarriê” para depois brincar, dançar e se divertir livremente nas ruas. Todo mundo participava: vizinhos, irmãos, colegas de escola, primos. Tenho certeza de que essas quadrilhas deixaram registros na memória de cada criança que ali dançava. Os vestidos coloridos não eram comprados em shoppings, geralmente eles eram confeccionados pelas avós ou por costureiras que, nessa época, ficavam lotadas de encomendas. Além dos vestidos, as camisas xadrez e os chapéus de palha formavam o traje oficial do matuto e da matuta, mas o que realmente importava eram a alegria e a diversão que a gente compartilhava.

O cenário das festas era um espetáculo à parte. Lembro das ruas enfeitadas com bandeirinhas coloridas, feitas à mão, com recortes de restos de tecidos, jornais e revistas, e que criavam uma atmosfera mágica e sustentável, antes mesmo da gente saber o significado da palavra sustentabilidade. A grande mesa, recheada de comidas típicas deliciosas, era um convite irrecusável. Havia bolo de milho, pamonha, canjica, pé de moleque, arroz doce e tantas outras delícias que enchiam os olhos e forravam o estômago. Embora nunca tenha gostado de fogos de artifício, é impossível não lembrar os traques de massa e os chuveirinhos, que exalavam um cheiro forte de pólvora, mas garantiam a diversão das crianças. As fogueiras, também, não podiam faltar, embora até hoje eu me pergunte que santo ficaria feliz em receber um monte de fumaça em sua homenagem. Enfim, o mundo mudou, mas as noites chuvosas de junho, até hoje, continuam sendo o centro de muitas histórias, encontros, e muita diversão.

No início dos anos 2000, no Poço da Panela, Zona Norte do Recife, descobri um forró que teimava em resistir. Uma casinha simples, uma palhoça no quintal, chão de terra batida, um trio de sanfoneiros. Resultado: forró até o dia clarear. Pena que nunca mais soube notícias desse forrozinho cheio de aconchego e tradição. Essa simplicidade das festas de antigamente pode até ter se transformado, mas a alegria e o espírito de comunidade parecem continuar vivos.

Hoje em dia, as festas de São João continuam a ser celebradas com entusiasmo, mas com algumas mudanças. A modernidade trouxe novas tecnologias e influências, fazendo com que algumas tradições sejam adaptadas. As quadrilhas ainda existem, mas agora são exibidas para grandes públicos, e não mais nas ruas dos bairros. As festas cresceram e, em muitos lugares, se tornaram grandes eventos com shows e atrações variadas.

Apesar das mudanças, a essência das festas de São João ainda resiste, pelo menos em algumas capitais. Ainda nos reunimos para celebrar com amigos e família, desfrutar das comidas típicas e dançar ao som de um trio de forró. Aliás, o São João, para mim, sem o forró autêntico, genuíno, “de raiz”, simplesmente não é São João. E, falando nisso, deixo aqui a minha indignação por ter que ver, todo ano, sanfoneiros e mestres do forró implorando por espaços nos shows produzidos na capital e no interior de Pernambuco. Não dá para enterrar a riqueza cultural desse jeito. Em contrapartida, fico feliz por ver o movimento de novos cantores trazerem ao seu público, tão jovem quanto eles, pérolas e clássicos do forró eternizados por Luiz Gonzaga, Domiguinhos, Anastácia, Marinês, Jorge de Altinho, Quinteto Violado e tantos outros. É muito bonito e revigorante presenciar as belas canções passando de geração em geração.

Guardo as lembranças das festas juninas da minha infância como quem guarda tesouros no coração. Elas me lembram, o tempo todo, que a felicidade está nas pequenas coisas: nas adivinhações ao redor da fogueira, nos passos desajeitados nas quadrilhas, na partilha de uma mesa farta. Hoje, ao olhar para o céu estrelado das noites de São João, sou transportada de volta àquela época mágica, revivendo memórias que nunca se apagarão.

Para mim, as festas juninas são um elo entre o passado e o presente, um momento de celebração e união que, embora se modernize, nunca perde seu encanto original. Que possamos sempre olhar para o céu, meu amor, e reviver a mesma alegria de antigamente.

Esse é o meu desejo.

Feliz São João!

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