Se você quiser criar uma playlist para ouvir só música pernambucana não faltarão opções de qualidade. Os ritmos e composições que já embalaram o País pela sanfona de Luiz Gonzaga ou pelo mix de sons do manguebeat seguem em destaque no cenário nacional. Em dias em que o sertanejo universitário toma quase todo o espaço da mídia brasileira, é no Estado que estão surgindo novos nomes da MPB, do forró pé-de-serra e do rock. Os críticos ressaltam a qualidade e diversidade da produção, que já eram características de músicos consagrados como Alceu Valença e Lenine, também estão presente no trabalho da nova geração.
Os novos nomes da música pernambucana já despontaram em grandes prêmios e festivais nacionais. Na lista dos vencedores do Prêmio da Música Brasileira deste ano, lá estava Zé Manoel, que ganhou na categoria álbum especial. Em 2015, foi Johnny Hooker quem levou o troféu de melhor cantor na categoria canção popular. Ayrton Montarroyos ficou em segundo lugar no The Voice, em dezembro de 2015, antes já havia sido indicado ao Grammy Latino. A banda Fulô de Mandacaru foi campeã do SuperStar 2016. Uma série de reconhecimentos que vão atestando a qualidade do trabalho da música local.
Para o jornalista e crítico musical José Teles, a atual safra de talentos é caracterizada pela diversidade. “É tanta gente fazendo música que não podemos dizer que há uma linha pernambucana. Nos últimos 25 anos, depois do manguebeat, nunca houve um tempo de ter poucas produções. Temos muitos estúdios e músicos de qualidade”.
Teles compara a importância para o Recife do movimento encabeçado por Chico Science, no início da década de 90, com o movimento dos Beatles para Liverpool. “De repente surgiram um monte de bandas em Liverpool e até hoje a cidade continua sendo um centro musical importante. O mesmo aconteceu com o manguebeat. Foi criado um mercado interno para a música pernambucana que não existia desde a década de 70, quando a indústria cultural aqui era relevante, com as TVs e rádios muito fortes e com a atividade da gravadora Rozenblit”.
Da nova geração, o crítico destaca como grande expoente o cantor e compositor Zé Manoel, descreve Ayrton Montarroyos como um grande cantor e de personalidade muito forte e aponta Juliano Holanda como maestro da atual cena musical. Entre as vozes femininas pernambucanas ele ressalta Isadora Melo, Ylana Queiroga e Elayne Bione. “Há ainda projetos de qualidade como os de samba, no Morro da Conceição, e o do chamado forró pé-de-serra, que concentra aqui as melhores produções do Nordeste”.
O diretor e roteirista João Falcão é um dos fãs dessa produção cultural. “Fico impressionado com a qualidade, quantidade e diversidade da produção local. É um momento muito especial da música pernambucana. O País está começando agora a descobrir esses trabalhos, que chegam primeiro em São Paulo”. Falcão valoriza ainda a nova geração de compositores do Estado. “Em breve teremos artistas de diversos lugares gravando os compositores pernambucanos”, prevê.
Ele está dirigindo o musical Dorinha, meu amor, estrelado por Isadora Melo, uma das maiores promessas da nova geração de cantoras pernambucanas. Ela lançou recentemente o seu primeiro disco, Vestuário. Neste ano ela fez a abertura do Festival de Inverno de Garanhuns e circulou bastante no Estado com o álbum. Neste semestre, além da realização do espetáculo, estão nos planos da cantora levar seu show para outras regiões do País. “Esse novo momento da música pernambucana é marcado pela força da canção mais pura. É a volta a esse modelo de concepção: um violão e uma mensagem, que há um tempo não era valorizado”, avalia a intérprete.
Essa característica ressaltada por Isadora tem relação com o estilo dos músicos, mas também pelos espaços nos quais se apresentam. O caminho trilhado pela maioria deles é o das casas menores, onde estão mais próximos das pessoas. “Antes havia no Estado uma política pública que privilegiava espaços maiores e grandes públicos. Hoje em dia, seguimos por uma outra diretriz. Se é para tocar em lugares menores a letra e melodia têm papel muito mais importante. É o momento da música-artesanato. Saindo de uma produção industrial para uma produção artesanal mesmo. Há um cuidado, como de uma joalheria. Isso está se modificando porque o público está muito perto do artista e da sua música”, destaca Juliano Holanda.
O primeiro disco de Holanda, A Arte de Ser Invisível, lançado em 2013, é apontado como um dos marcos dessa cena musical. O músico tem uma atuação bastante transversal como letrista, arranjador, produtor musical e instrumentista de várias produções pernambucanas, como da Banda Marsa, Almério, Thiago Martins, Jr Black e Isadora Melo.
Os novos nomes estão também atravessando as fronteiras do Estado, principalmente para São Paulo. Esse foi o caminho trilhado por Zé Manoel, há pouco mais de um ano. “Essa trajetória foi muito importante. Abriram-se novas oportunidades a partir de toda movimentação daqui, que concentra muito da cultura de todo o Brasil”, relata o cantor.
Nesse período na capital paulista, ele gravou o álbum Delírio de um romance a céu aberto, que contou com diversos intérpretes de peso nacional, como Fafá de Belém, Ana Carolina e Elba Ramalho. Um ponto alto também desse trabalho foi o show que aconteceu no Teatro Itália, em junho, sob direção do badalado Paulo Borges e vai virar um DVD.
Para Zé Manoel, a efervescência cultural pernambucana é reconhecida por onde ele passa. “É um Estado especial. Sempre que se fala que é pernambucano, dá um brilho nos olhos das pessoas. Pernambuco é muito rico em manifestações populares e com uma pluralidade muito grande. Chegamos neste lugar de reconhecimento pela construção feita desde Luiz Gonzaga até os dias de hoje”.
Com disco recém-lançado, outro expoente pernambucano que está ganhando espaço entre os ouvintes do Sudeste é Ayrton Montarroyos. No primeiro semestre do ano, ele começou uma turnê que teve início no Rio de Janeiro e está em São Paulo. “Estou num momento muito interessante, tendo a sorte de lançar o primeiro disco com as pessoas já sabendo quem eu sou. Nunca tinha feito show no Rio. De repente tinha casa lotada. O mesmo em São Paulo”.
Montarroyos se declara apaixonado pela música pernambucana. “No meu disco, 90% dos compositores são pernambucanos. Avalio que esses artistas têm a possibilidade de atender um público mais amplo. Somos um celeiro de talentos, mas muitos têm um comportamento mais retraído”.
PELA WEB
Aos leitores das redes sociais da Algomais foi postada a pergunta: quais os músicos pernambucanos da nova geração que estão ouvindo? Três nomes foram destaque: Almério, Romero Ferro e Pochyua Andrade. Romero Ferro foi finalista do Prêmio da Música Popular Brasileira na categoria canção popular. Almério já circulou o País com o patrocínio do Natura Musical e divide, neste ano, o palco do Rock in Rio com Johnny Hooker (outra revelação das terras pernambucanas) e o paulista Liniker. “Apesar de ter 14 anos de carreira, estou conquistando meu público, tanto no Recife como em outros Estados. É um trabalho que nunca para, com o intuito de chegar em novas pessoas e novos lugares”, conta o cantor.
O músico Pochyua Andrade voltou recentemente ao Estado após uma década em Santa Catarina. Ele fez o caminho inverso para construir público na sua cidade natal. Para o professor de música da Universidade Regional de Blumenau, Eusébio Kohler, a produção do pernambucano se destacava na cena musical da região. “Pochyua contribuiu para começar a construir uma música autoral aqui. Sempre se destacou pelas suas composições, seu repertório e sua produção melódica e harmônica das canções”. Estão nos planos do músico circular no Estado com algumas produções pouco conhecidas pelos pernambucanos e em breve produzir um novo álbum.
Entre tantos nomes e canções, vai se consolidando uma nova música popular pernambucana. Produções que o País apenas começa a degustar, mas que prometem ocupar um espaço mais privilegiado na cena nacional.
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