“Os sinistros de trânsito custam R$50 bilhões por ano para a sociedade brasileira”

Reduzir a velocidade nas vias é a bandeira da União de Ciclistas do Brasil (UCB). A organização tem destacado o número de vítimas por ano no País e os prejuízos econômicos e sociais que a violencia no trânsito expõem a todos, especialmente pedestres, ciclistas e motociclistas. Ana Carboni, diretora financeira da UCB e coordenadora do projeto Vias Seguras falou com a Algomais sobre as propostas da organização e acerca do trâmite atual para modificação do Código de Trânsito Brasileiro.

Qual a proposta da União de Ciclistas do Brasil para a redução da velocidade no trânsito no País?

Em 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas definiu o período entre 2011 e 2020 como a primeira Década de Ação pela Segurança no Trânsito, um acordo entre líderes de diversos países com o compromisso de reduzir pela metade as mortes em deslocamentos. A meta não foi atingida e a Assembleia Geral das Nações Unidas definiu o período entre 2021 e 2030 como a segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito. Durante a primeira Década, mais de 382 mil brasileiros perderam suas vidas no trânsito. Os sinistros de trânsito no Brasil geraram 33.813 mortes em 2021, um aumento de 1.097 óbitos em comparação com os dados de 2020, sendo os usuários mais vulneráveis (pedestres, ciclistas e motociclistas) as maiores vítimas. 

No dia 24 de maio, foi protocolado, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2789/23, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei nº 9.503 para adequar as velocidades permitidas em vias urbanas de todas as cidades do Brasil. A iniciativa foi idealizada e articulada pela UCB – União dos Ciclistas do Brasil, Ciclocidade e Fundação Thiago Gonzaga. O objetivo é reduzir os números altíssimos de mortes no trânsito no país. 

O que prevê esse projeto de lei?

O PL 2789/23 modifica o Artigo 61 do CTB, que determina as velocidades em vias urbanas e rurais; o Artigo 218, que estabelece a fiscalização de velocidades; e o Artigo 280, que prevê as autuações pelos abusos. A modificação do Art. 61 coloca termos sobre as velocidades nas vias conforme o tipo de utilização, sendo, nas vias urbanas, a) sessenta quilômetros por hora, nas vias de trânsito rápido: b) cinquenta quilômetros por hora, nas vias arteriais; c) quarenta quilômetros por hora, nas vias coletoras; d) trinta quilômetros por hora, nas vias locais.

Referente às vias rurais, o órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário com circunscrição sobre a via poderá regulamentar, por meio de sinalização, velocidades iguais ou inferiores àquelas estabelecidas, levando em consideração o tipo de uso de cada via, em casos em que as características técnicas e as condições de trânsito assim recomendarem. Além disso, o órgão de trânsito deverá monitorar a utilização da via por pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência e mobilidade reduzida e, havendo circulação destes, alterar a classificação da via com base em seu uso e determinar o limite de velocidade de acordo com essa classificação.

As punições, que constam no Art. 280, ficam alteradas da seguinte forma: a infração prevista no artigo 218 do Código poderá ser caracterizada por meio da aferição da velocidade instantânea ou da velocidade média na forma regulamentada pelo Contran. A fiscalização por velocidade média não poderá ser realizada entre trechos nos quais houver sinalizações distintas de velocidades máximas.

Como está o trâmite federal desse debate? A Frente Parlamentar tem tido uma atuação satisfatória?

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal sempre tiveram papel fundamental em medidas que tornaram o trânsito brasileiro mais seguro: tolerância zero à combinação de álcool e direção, obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, de capacetes para motociclistas, além do reforço nos padrões para a construção de veículos motorizados. Sabemos que mortes no trânsito são evitáveis. Por isso, é hora de darmos mais um importante passo em direção a cidades mais humanas, com foco na vida e no bem-estar de todas as pessoas. Neste sentido, Frente Parlamentar Mista em Defesa do Trânsito Seguro junto com a Frente Parlamentar pela Segurança de Crianças e Adolescentes no Trânsito (Senado) terão papel fundamental no debate do PL2789/2023 no Congresso Nacional.

Quais os principais benefícios para as cidades da definição por lei da redução das velocidades máximas no trânsito?

De acordo com dados da OMS – Organização Mundial da Saúde de 2018, ferimentos associados ao trânsito representam a oitava causa de morte no mundo e a primeira entre crianças e jovens de 5 a 29 anos. No Brasil, sinistros de trânsito foram a maior causa de mortes de crianças de até 14 anos em 2019 (29% dos óbitos)* Salvar vidas é o principal benefício. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), estima-se que entre 2007 e 2018, o Brasil teve um custo de 1,5 trilhão de reais em decorrência violência do trânsito, e que, atualmente, os sinistros de trânsito custam R$50 bilhões por ano para a sociedade brasileira. 

*Fonte:  Datasus/ONG Criança Segura – 2019 e 2020 /Análise Criança Segura 2021

Hoje imagino que um dos principais riscos e desconfortos para os ciclistas e pedestres nas ruas é justamente a velocidade dos veículos que estão a poucos metros, senão poucos centímetros das pessoas. Uma mudança nessa velocidade pode incentivar mais pessoas optarem pelas bikes?

A OMS recomenda que todos os países adotem o limite de 50 km/h em vias urbanas, pois quanto maior for a velocidade de um veículo motorizado, maior será a probabilidade de uma colisão ou atropelamento. O risco de lesões graves e óbitos também é diretamente proporcional à velocidade em que o condutor estiver dirigindo – este, por sua vez, quanto mais rápido estiver, menos tempo terá para evitar um sinistro. Pedestres, ciclistas, motociclistas e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida estão naturalmente mais expostos às consequências da violência no trânsito, mas a readequação de velocidades beneficia a todos, gerando viagens mais seguras, um menor consumo energético e uma duração de viagem praticamente inalterada.

Quais cases vocês destacaria no Brasil?

A cidade de Curitiba foi uma das que largou na frente no quesito segurança viária e, desde 2015, vem readequando o limite de velocidade em suas vias. Atualmente, a grande maioria de suas ruas faz parte das chamadas “Áreas Calmas”, com limites entre 30 e 40 km/h. No primeiro ano, a capital do Paraná já começou a colher frutos da implantação da iniciativa: dados do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) para o projeto Vida no Trânsito apontaram uma queda de 32,54% nos atendimentos de sinistros em um perímetro delimitado por oito ruas e avenidas. Segundo a pesquisa Caminhos pela readequação de velocidades no Brasil (Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana e União de Ciclistas do Brasil), Curitiba atingiu a marca de 94% das vias com limite máximo de 50 km/h em 2021. 

A capital cearense, Fortaleza, readequará os limites de velocidade em mais de 60 vias até o fim de 2023, o que contribuirá para a segurança viária sem interferir significativamente na fluidez do trânsito. Um estudo da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) em sete vias que já passaram pela mudança apontou um aumento de apenas 6,08 segundos por quilômetro percorrido, índice irrelevante diante da missão de proteger as pessoas em seus deslocamentos.

Em São Paulo, a redução de velocidades começou em 2011 e já passou por várias gestões. Entre 2015 e 2016, o município padronizou o máximo de 50 km/h para todas as avenidas, além de demarcar 13 áreas de velocidade reduzida (até 30 ou 40 km/h). Em 2021, novamente o limite foi reduzido, desta vez de 50 km/h para 40 km/h em outras 24 vias da cidade com alto fluxo de pedestres. As únicas exceções são as marginais dos rios Tietê e Pinheiros, que cruzam a cidade. O caso permanece em disputa. Após uma redução dos limites em 2015, as velocidades foram aumentadas de novo em 2017. Os resultados negativos não demoraram a aparecer, e ambas as vias permanecem como no topo das mais perigosas da cidade.

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