“Osman Lins dava sangue, suor e lágrimas por uma boa frase” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Osman Lins dava sangue, suor e lágrimas por uma boa frase”

Angela Lins, filha do escritor pernambucano, conhecido por sua prosa inovadora, fala das comemorações do centenário dele e também da sua obra, considerada como uma das formadoras da ficção contemporânea brasileira. Ela também conta como era a relação do pai com a família e as suas incursões no audiovisual.

Embora Lisbela e o Prisioneiro seja a obra mais conhecida de Osman Lins pelo grande público – muito em razão do sucesso da versão para o cinema –, o escritor pernambucano tem uma vasta produção literária que conquistou admiração e prestígio por sua escrita arrojada e sofisticada. Ganhador de vários prêmios e traduzido em diversos idiomas, Osman Lins desenvolveu uma prosa inovadora que, para muitos críticos, contribuiu para conceber a ficção contemporânea no Brasil, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Como toda arte que ousa, suas criações, muitas vezes foram incompreendidas, como o romance Avalovara. Mas o experimentalismo poético do livro levou o argentino Julio Cortázar a dizer que se o tivesse escrito passaria 20 anos sem produzir outra obra.

Esse filho de Vitória de Santo Antão, que faleceu em 1978 em decorrência de um câncer, faria 100 anos no último dia 5 de julho. Seu centenário tem sido comemorado em várias cidades e instituições e pode ser uma oportunidade para tornar Osman Lins – que ainda é pouco lido em seu Estado natal – mais conhecido do público-leitor.

Cláudia Santos conversou com a filha do escritor Angela Lins sobre as comemorações, a relação que ele mantinha com a família e os desafios para conquistar uma sede no Recife para o Instituto Osman Lins. Também analisou a produção literária do pai e as criações para o teatro e a TV, como os roteiros para os episódios do programa Caso Especial, da Rede Globo, nos anos 1970.

Como estão as comemorações do centenário de Osman Lins?

A professora e pesquisadora Elizabeth Hazin, que é uma estudiosa da obra dele, elaborou um programa bem minucioso e interessante para um edital, mas recebi uma notícia muito chata de que a proposta não foi aprovada, embora tenham sido aprovadas outras duas que não abordavam a literatura. Então, uma coisa que eu não entendo é como uma pessoa pode preterir uma boa literatura? E não falo isso porque ele é meu pai, mas porque Osman Lins era uma pessoa que fazia questão de escrever muito bem, dava sangue, suor e lágrimas por uma boa frase e sempre gostava de incentivar a leitura.

Além desse projeto, cujo edital não foi aprovado, há outras iniciativas dentro das comemorações dos 100 anos de Osman Lins?

O professor Robson Teles, da Unicap, fez um programa de leitura para os meninos de escola pública do ensino fundamental, utilizando os livros de papai e de outros autores nacionais. Eu achei isso uma maravilha, perfeito. Papai ficaria feliz com essa iniciativa. Ainda dentro da celebração do centenário, o professor Robson promoveu um evento na Unicap. Também teve uma homenagem na Academia Pernambucana de Letras e outra na Academia de Letras de Paulista. Agora, no segundo semestre, terá uma programação em São Paulo e outra em Santa Catarina.

Em Vitória de Santo Antão, onde ele nasceu, a prefeitura realizou um evento muito bom, muito emocionante, que eu gostei muito. O prefeito de Vitória, Paulo Roberto Arruda, que é o dono da Faculdade Osman Costa Lins, esteve em Dresden, na Alemanha, e recebeu um tratamento diferenciado quando descobriram que ele era da mesma terra de papai. Ele ficou tão grato que colocou o nome de papai na faculdade. E, em Vitória de Santo Antão, vai ter um instituto dedicado a ele.

E como está o Instituto Cultural Osman Lins no Recife?

O instituto não tem sede, só tem uma caixa postal no bairro de Casa Forte, que é um espaço coletivo. A gente aluga esse espaço e faz eventos lá, mas não é um local dedicado exclusivamente a Osman Lins. Há muitos documentos de papai, muita coisa do arquivo dele no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) lá da USP (Universidade de São Paulo) e na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. São mais de 5 mil itens. No Recife existe um acervo, mas está aqui no meu apartamento, não no instituto.

Quais são as demandas do instituto?

Precisamos de uma sede, mas não temos dinheiro. Com uma sede própria, poderíamos fazer oficinas, um teatro, alguma coisa que movimente a cidade, que reúna as pessoas, que cultive as letras. Mas, para conseguir uma sede é complicado. A gente poderia arranjar em regime de comodato. Mas eu já ouvi muitas promessas e, é como diz aquele ditado, “promessa só santo é quem atende”. Se eu fosse viver das promessas, estaria no melhor dos mundos. Já falei com alguns políticos. É chato dizer isso, não é?

Agora, falando mais da personalidade dele, como era Osman Lins como pai?

Era um pai maravilhoso porque tinha sensibilidade. Antes de falarmos, ele já percebia o que estávamos pretendendo. No começo ele era muito metódico, quando éramos crianças, fez uma lista determinando horários para a gente acordar, ir à escola, fazer tarefa, tomar banho, almoçar, brincar. Aí a gente fez uma rebelião e ele desistiu (risos). E ele também nos levava, todo fim de semana, para assistir a uma peça de teatro. O Recife já foi muito melhor nesse aspecto.

Então, ele nos levava para o Teatro Santa Isabel, para o Trianon, o Moderno ou o Art Palácio e depois íamos para a sorveteria Gemba. Esse ritual se repetia porque ele passava a semana trabalhando, escrevendo, indo para o Banco do Brasil e o fim de semana era nosso. Além do teatro, ele nos levava para todos os programas diferentes que surgiam. A gente já visitou navios atracados no porto, fazíamos passeios de canoinha pelo rio, da Jaqueira até Dois Irmãos, para ver o pôr do sol.

Ele também era muito compreensivo. Minhas duas irmãs mais velhas iam para a escola e eu ficava chorando porque queria aprender a ler, então ele me colocou para estudar com uma senhora que morava com outra mulher numa rua paralela. Elas eram um casal, em 1950, e havia falatório porque eu iria estudar lá, mas ele me colocou mesmo assim, porque não tinha preconceito. Ele era muito carinhoso, muito sensível.

Vocês chegaram a morar em São Paulo?

Sim. Antes disso, ele teve que ir sozinho para Europa, pois ganhou uma bolsa de estudo da Aliança Francesa e passou seis meses lá. Quando voltou, queria expandir os horizontes culturais e disse: “vamos nos mudar para São Paulo”. Então, ele pediu transferência do banco e fomos todos, ele, mamãe, minhas irmãs e eu. Mas, quando chegou lá, mamãe ficou muito presa ao Recife e ele querendo soltar as amarras. Enfim, o casamento não deu certo, ele quis se separar e voltamos com mamãe para cá.

Foi uma separação que não mexeu muito com as filhas, porque ele sempre estava vindo ao Recife, e a gente indo sempre a São Paulo. A relação com as filhas se fortaleceu, continuou de forma mais atenciosa e mais séria do que se tivéssemos ficado todos juntos, porque a gente tende a dar mais valor ao que não está sempre à mão.

Em uma entrevista, Osman Lins disse que o fato da mãe dele ter morrido, 16 dias depois do parto, o estimulou a ser escritor. Você concorda com essa visão?

Eu concordo. Ele me contou que, quando era bem criança, teve ciência de que sua mãe, que morreu em decorrência do parto, aos 18 anos de idade, tinha vindo ao mundo somente para colocá-lo aqui e ir embora. Então ele disse: “eu tenho que ser alguém e, qualquer que seja minha profissão, eu tenho que dar o melhor de mim para honrar a vida dessa menina que se foi tão cedo”.

Ele pensou, “o que eu posso fazer de melhor? Vou ser escritor, que é o que eu gosto”. Como ele nunca chegou a ver a mãe nem por fotografia, há algumas versões que dizem que ele procurou, nas letras, um rosto que ele nunca viu, mas não foi isso. Ele não procurava um rosto que nunca tinha visto. Ele se tornou escritor porque procurou sempre honrar a memória da mãe, com o que mais gostava de fazer.

Ele teve uma infância afetuosa apesar da morte da mãe?

Sim. Ele foi criado pela avó e pela tia em três casas: na casa da avó Joana Carolina, que ele chamava de mãe Noca que o criou como filho; na casa da tia, a Laura, que não teve filhos e morava com o marido Antônio Figueiredo numa casa vizinha, e na casa do pai, Téo, com a madrasta, que até o fim da vida, foi a melhor amiga dele. O pai dele se casou novamente quando ele tinha entre 10 e 11 anos, a madrasta tinha 9 anos de diferença dele e ficaram superamigos, jogavam futebol, brincavam juntos.

Ele era muito apegado às pessoas da infância. O livro O Visitante, ele oferece à mãe Rosa, que não é a personagem, é a ama de leite dele. Em O Retábulo de Santa Joana Carolina, no livro Nove, novena, ele homenageou a avó, que tinha muito amor por ele. No livro O Fiel e A Pedra, a personagem Teresa é sua tia Laura, e o personagem Bernardo é Antônio Figueiredo, o marido dela.

Osman, inclusive, afirmou em uma entrevista que quem o ensinou a ser um romancista foi o tio Antônio. Era a esse tio que ele se referia?

Sim, o tio Toinho. Ele trabalhava vendendo gado pelos engenhos, chegava em casa contando muitas histórias e papai, desde pequenininho, ficava ouvindo. Quando papai foi para o colégio, percebeu que gostava de escrever. Com 11 anos de idade, ele escreveu uma redação assim: “4 horas (ponto). Fulano e Fulano na hora do recreio (…) conversando sobre os exames que estavam próximos. Nisto chega um mendigo que lhes pede uma esmola. Os meninos compadeceram-se do mendigo todo esfarrapado e deram-lhe os seus sanduíches. Louvou-lhes o mestre ao saber da boa ação que praticaram… ” ou seja, ele já nasceu um escritor feito. O título dessa redação é Uma Esmola.

Em O Fiel e a Pedra, que se passa no engenho, fica evidente uma tradição do romance nordestino na obra dele. Ao mesmo tempo, Osman Lins transcende o pitoresco, e inova dando uma dimensão mais épica, mais existencialista. O que o influenciou nesse sentido?

Eu tenho a impressão de que a estada dele em Paris deu um certo estímulo para seu futuro literário. Ele gostava de instigar a inteligência das pessoas, não dava ao leitor aquela narrativa linear da história com começo, meio e fim. Isso ele fez em O Visitante, mas já era um experimento para novos saltos como A Rainha dos Cárceres da Grécia.

O refinamento dele com a escrita vai sendo apurado até chegar no livro Avalovara, uma obra complexa. Apesar de ser de difícil leitura, esse livro tem uma narrativa muito sedutora porque parece um poema.

É. Papai, quando escrevia, lia a frase em voz alta, se aquela frase não tivesse a musicalidade que ele estava pretendendo, ele formulava novamente. Realmente os livros dele são poemas porque são sonoros.

Em uma entrevista, Julio Cortázar afirmou, após a leitura de Avalovara, que se o tivesse escrito passaria uns 20 anos em silêncio. Como essa obra foi recebida na época e como ela repercute até hoje?

Papai ficou meio chateado com a apresentação do livro, que foi de Antônio Cândido. Não pelo que Antônio Cândido escreveu, mas pelo fato de a editora ter lançado o livro com uma apresentação como se fosse uma bula de remédio. O livro teve muito estranhamento de alguns críticos. Inclusive Léo Gilson Ribeiro (crítico literário) disse que papai estava demonstrando muita erudição, mas pra quê isso? Usando termos como a “glande dos iólipos”. Papai escreveu para ele dizendo: “sinto muito, mas iólipo não é erudição, é uma palavra que eu inventei”.

Ao mesmo tempo que ele tinha esses romances com uma prosa mais, digamos, arrojada, também escreveu para a TV, para o programa Caso Especial da Globo, e a peça Lisbela e o Prisioneiro. Como foi essa relação dele com a dramaturgia e com o audiovisual?

Ele estudou dramaturgia. Fez o curso completo com Ariano Suassuna. Lisbela e o Prisioneiro foi um dever de casa, porque Ariano, quando era seu professor, pediu para ele escrever uma peça e ele começou a escrever despretensiosamente. A peça incluiu muita coisa que ele ouviu falar quando era pequeno lá em Vitória de Santo Antão. Ele escreveu Lisbela antes de ir para a França.

Quando ele voltou, estava sendo encenada no Rio de Janeiro, pela companhia Tônia-Celi-Autran, com Tônia Carrero e Paulo Autran. Ele foi assistir e ficou muito emocionado, porque foi ovacionado de pé pela plateia. Em relação ao audiovisual, ele não costumava assistir TV porque não gostava da programação.

Então, queria entregar alguma coisa de qualidade para o grande público e, quando a Globo o procurou para fazer o Caso Especial, ele fez os episódios: A Ilha no Espaço, Quem era Shirley Temple? e Marcha Fúnebre. Só fez esses três, porque quando o último Caso Especial foi ao ar, ele já estava adoentado

Você acha que a obra dele ela ainda permanece desconhecida aqui em Pernambuco e no Brasil?

Lisbela e o Prisioneiro projetou muito o nome de Osman Lins, mas ele dizia que era algo muito menor em sua obra e não gostava de ser lembrado apenas por causa dessa peça. Se bem que eu acho que Lisbela tem algumas coisas geniais, como: “A senhora é doce como uma chuva de caju, que cai de repente num calor mais doido de novembro…” umas coisas assim bem poéticas. Tem muita gente que virou fã dele por causa de Lisbela.

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