*Por Rafael Dantas
Estudante do mestrado em engenharia robótica em Daegu Gyeongbuk, na Coreia do Sul, Jean de Oliveira, 25 anos, vive há um ano e meio na cidade, que registrou 64% do total de infectados pela Covid-19 no País. Ele conheceu o país asiático por meio do programa Ciências sem Fronteiras. Com o interesse por pesquisas e vendo o escasseamento das bolsas de estudos no Brasil, ele decidiu retornar para seguir sua formação acadêmica. Na Coreia, ele acompanhou de perto como o País venceu a batalha contra o Coronavírus e compartilhou com a Algomais as lições dessa guerra.
O novo coronavírus chegou à Coreia do Sul ainda no mês de janeiro, vindo da China. “Eu já comecei a usar máscaras todos os dias. Assim como muitos coreanos fizeram também. Aqui é muito comum usar máscaras quando as pessoas estão gripadas. Então, nunca houve nenhum tipo de constrangimento social quanto a isso, ainda que fosse cedo para as pessoas usarem máscaras”. Jean conta, no entanto, que até a penúltima semana de fevereiro os casos eram muito raros. A situação parecia sob controle, mas tudo virou rapidamente. “No dia 17 de fevereiro a Coreia teve apenas um novo caso, só que de repente esses números cresceram muito rápido. Já no dia 22 houve 229 casos. Foi um salto muito grande, num espaço de tempo muito curto. E quase todos esses novos casos foram em Daegu ou na região ao redor”.
Mesmo com o aumento repentino do número de casos, a universidade onde Jean estuda não parou inicialmente. Até que surgiram os primeiros casos no Campus e a sua orientadora decidiu suspender as atividades do laboratório e indicar a todos o isolamento. Ciente de que a situação iria se agravar na sua cidade, Jean buscou abrigo com amigos em Seul. O plano era de passar apenas uma semana, mas foram preciso três. “Na terceira semana de confinamento, minha orientadora sugeriu que o laboratório voltasse às atividades, com medidas de distanciamento social e uso de máscaras. Desde então, o número de infectados diários só caiu. Em 11 de abril Daegu registrou o primeiro dia sem nenhum novo caso. A parte mais intensa da crise durou dois meses”, conta Jean.
.
.
A Coreia não entrou em lockdown em nenhum momento, segundo Jean. Apesar disso, museus e lugares públicos foram fechados e havia poucas pessoas nas ruas. Mas bares e restaurantes, por exemplo, não pararam. “Na prática, a Coreia não parou. Mas houve uma mudança nos hábitos na população, testes em massa e uma estratégia pública de distribuição de máscaras. O período crítico durou no máximo quatro semanas. Aos poucos foi voltando ao normal conforme o número de casos caia todos os dias. Mas esse tipo de dinâmica, eu acredito, que só seja possível quando se tem uma dimensão real de número de infectados. Aí é possível diminuir o isolamento”.
Enquanto estava em Seul, Jean chegou a ser testado. Ele tinha sintomas de tosse por algumas semanas, embora não achasse que era o Covid-19. Ele acreditava ser mais um reflexo do inverno no País. Jean, então, foi a um hospital para pedir receita para medicações. Ao saber que ele era de Daegu, o médico recomendou o teste. “Eles estavam fazendo os testes em cabanas (uma tenda com funcionários para testar o material das pessoas). Dentro de no máximo 20 minutos o procedimento foi realizado. Eu respondi umas perguntas na primeira sala e numa outra sala foi coletado o material da minha garganta e do nariz. Recomendaram voltar para casa andando ou de táxi para evitar pegar transporte público. Como era perto, voltei andando. O resultado seriam mandado por SMS ao meu celular em no máximo 3 dias. Por lei, eu era obrigado a ficar em quarentena em casa até o resultado sair. Foram três dias de espera até receber o SMS dizendo que meu teste deu negativo”, conta Jean.
.
Ele relata que qualquer pessoa com sintomas poderia ser testado gratuitamente. A população que desejasse ser testada mesmo sem sintomas poderia fazer, mas o procedimento seria pago (aproximadamente US$ 100). “A Coreia continua fazendo os testes, mas numa velocidade menor do que no começo do surto”. O auge da testagem foi logo no começo, quando se descobriu que a natureza do surto foi em uma igreja em Daegu, em que uma paciente testou positivo e visitou o culto que reunia mais de mil pessoas. “Pegaram a lista de pessoas registradas nessa igreja e os familiares dessas pessoas e testaram uma por uma. Também houve outras iniciativas, como diferentes estruturas de testes montadas ao longo do País, a exemplo do Drive Thru e das tendas”.
Mesmo superando a crise, a rotina não voltou 100% à normalidade em Daegu. “A vida parece ter voltado ao normal, mas não há estudantes na rua, as escolas estão online. Todos usam máscaras em lugares públicos. Fazemos compras de supermercado pela web e ainda procuro me resguardar”, relata. Quando precisou ir ao supermercado, Jean afirma que todos estavam ainda protegidos, havia álcool em gel disponível e medidas de proteção que estão sendo adotadas em espaços públicos estavam sendo respeitadas. “A impressão é que Daegu superou a crise, que hoje é irrisória. Número de casos novos hoje é de dois ou três por dia. Pode-se dizer que o surto foi controlado aqui na cidade”.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.pe@gmail.com)