"Pernambuco Deveria Pensar Em Exportar Para A Costa Ocidental Africana" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
"Pernambuco deveria pensar em exportar para a Costa Ocidental Africana"

Revista Algomais

Novo presidente do Iperid, Gilberto Freyre Neto, fala dos seus planos à frente da entidade, analisa a conjuntura internacional e destaca as mudanças no comércio mundial com a Nova Rota da Seda. O megaprojeto da China prevê uma conexão entre os oceanos Atlântico e Pacífico na América do Sul, e o especialista defende que empresários locais atentem para as oportunidades criadas com essa transformação logística.

Uma profunda transformação no comércio internacional está em curso com a Nova Rota da Seda, protagonizada pela China e que pode beneficiar o Brasil nas suas relações comerciais com outros países. Num dos percursos dessa rota, o Gigante Asiático planeja criar uma conexão entre os oceanos Pacífico e o Atlântico na América do Sul, numa alternativa logística mais rápida para suas importações e exportações.  Como parte da estratégia foi construído o Porto de Chancay, no Peru, um megaprojeto chinês inaugurado no ano passado. O trajeto seria completado por estruturas ferroviárias e hidroviárias que atravessariam o País até chegar a um porto no litoral brasileiro. Mas ainda não existem definições a respeito, embora os governos de Brasília e Pequim estejam em intensas conversas sobre o assunto.

Para o novo presidente do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia), Gilberto Freyre Neto, a rota bioceânica traz boas perspectivas para Pernambuco. Mesmo que num primeiro momento sejam beneficiados apenas os estados no Brasil que forneçam proteína animal, minério e grãos à China, a tendência é que novas linhas ferroviárias sejam conectadas a esse percurso. Assim, Suape poderia escoar mercadorias chinesas e também produzidas no Estado para países do outro lado do Atlântico, em especial os situados na Costa Ocidental Africana. A região, segundo Freyre Neto, terá um expressivo crescimento populacional nas próximas décadas.

Mapa Brazil Africa wikipedia

Nesta entrevista a Cláudia Santos, o presidente do Iperid detalha as consequências desse superlativo projeto logístico chinês, reforça a importância da Transnordestina para que Pernambuco possa usufruir desse novo cenário do comércio mundial e fala dos planos à frente da entidade.

Quais são seus planos à frente do Iperid? 

Temos dois eventos, que promovemos anualmente, e vamos realizá-los também em 2025. O Iperid Global Trends, uma abordagem que traz as tendências do mundo para Pernambuco. Estamos no tempo quente das tendências globais, vivemos um ciclo de guerras entre Ucrânia e Rússia, Paquistão e Índia, Israel e Palestina, além da participação americana nesses conflitos e a presença da China dentro dessa nova equação de poder global, uma guerra comercial sendo travada entre China e Estados Unidos. São tendências globais com um grau de complexidade talvez nunca visto nessa civilização moderna, são debates muito desafiadores para todos nós.

Temos também a Conferência Guararapes, que é um mergulho em temas estratégicos, com os quais debatemos com instituições como as Forças Armadas, órgãos de planejamento do Estado, governos federais, estaduais e municipais, sociedade civil e universidades. São temas em campos estratégicos como energia, clima, e tudo isso hoje dentro de um escopo que causa guerra, causa conflito, movimentos que precisamos conhecer e entender. São assuntos que fazem parte das estratégias das instituições que se representam dentro desse colegiado das relações internacionais que têm Pernambuco como polo consular, por ser parte desse Saliente Nordestino (a parte da América do Sul mais próxima da África e relativamente próxima da Europa que abrange cidades como as capitais Maceió, Recife, João Pessoa e Natal).

Não utilizamos adequadamente essa projeção de Pernambuco como polo consular. São 42 consulados, se eu não me engano, que se representam aqui. Isso é um número considerável. Essa projeção de Pernambuco oferta para a diplomacia no seu espectro mais amplo – diplomacia econômica, científica, cultural, educacional – um soft power, uma cultura rica, uma identidade forte, uma condição de trocas culturais muito interessante com os países amigos. Isso precisa ser melhor utilizado pelos próprios governos mas, acima de tudo, pela sociedade para impulsionar investimentos estrangeiros como, por exemplo, a atração de empresas do exterior que queiram instalar aqui uma fábrica. Disso decorre a necessidade de se traduzir a cultura brasileira empresarial para esse estrangeiro. 

Saliente nordestino

"Um colegiado das relações internacionais tem Pernambuco como polo consular, por ser parte desse Saliente Nordestino. Não utilizamos adequadamente essa projeção do Estado."

Temos uma diversidade de representações diplomáticas que oferta essas relações que começam sempre no debate sobre cultura. As pessoas primeiro querem se conhecer para, depois, estratificar seus próprios interesses, e isso vai sendo organicamente absorvido por instituições, empresas, pelo turismo, pela sociedade. É dentro desse conceito que o Iperid se impõe. O Iperid é um espaço de catálise para isso acontecer da melhor maneira. Temos condições de ser o elo com o estrangeiro que de nós conhece pouco ou conhece só o estereótipo. 

Além disso, vamos fomentar o debate em outros temas como realização da COP 30, em Belém. Outros assuntos pelos quais transitaremos também são mais soft power, dizem respeito à relação do Brasil com nações que reconheceram a independência do País, há 200 anos, que estão nos ofertando possibilidades de cooperações internacionais em campos da ciência, tecnologia e meio ambiente. 

O que está sendo programado?

Está sendo debatida a realização, no segundo semestre de 2025 e no primeiro semestre de 2026, de uma série de atividades como forma de marcar esses 200 anos de reconhecimento das relações internacionais. Volto a falar da projeção de Pernambuco, do Saliente Nordestino, nessa dinâmica. Devido ao ciclo de independência ocorrido aqui (antes de o Brasil se tornar independente em 1822) temos relações diplomáticas construídas, por exemplo, com os EUA desde 1815, é a representação diplomática americana mais antiga nas Américas. Isso demonstra o apreço de Pernambuco por seus interesses democráticos, representativos e pelas relações com países que tinham, nas suas dinâmicas liberais, modelos a serem seguidos. Esse apreço aconteceu com França, Reino Unido e vem sendo construído com todos os povos que, por identidade, se fazem representar aqui. 

Revolucao Pernambucana – 1817 Jose Peregrino wikipedia
Devido ao ciclo de independência ocorrido aqui, temos relações diplomáticas construídas, por exemplo, com os EUA desde 1815. Isso demonstra o apreço de Pernambuco por seus interesses democráticos e por relações com países que tinham, nas suas dinâmicas liberais, modelos a serem seguidos.

No Iperid, fazemos as traduções adequadas de Pernambuco para o mundo, seja o mundo ocidental, ibérico, anglo-saxão, europeu, sul-americano, latino, Costa Ocidental Africana ou para o mundo asiático, que faz parte do cotidiano pernambucano ainda no Século 16, quando os portugueses fizeram desse Estado o primeiro elo da Rota da Seda nas Américas. Quando os portugueses faziam o caminho das Índias, compravam produtos asiáticos, como especiarias e, no retorno, paravam no Porto do Recife, trocavam os produtos por açúcar e levavam para Portugal.

Hoje, a Nova Rota da Seda é parte importante das estratégias chinesas, que acena com possíveis investimentos no Brasil em logística, principalmente com o intuito de ligar os oceanos Pacífico e o Atlântico, o que é um grande desafio. Imagine que um navio que sai hoje de um porto chinês demora 45 a 60 dias para chegar num porto no Atlântico. Quando esse caminho bioceânico funcionar, essa distância vai diminuir pelo menos em um terço. Através do Pacífico, será possível fazer uma travessia à costa ocidental da América do Sul, em portos, como o de Chancay, no Peru, e haverá uma rota de trem e hidrovias que vai ligar portos do Atlântico a toda essa estrutura. 

E o desafio é fazer, por exemplo, com que a Transnordestina se ligue a essa malha que vai ser construída. Temos Suape, um dos portos de melhor projeção no Atlântico, menor distância com a Costa Ocidental Africana, ligado a esse caminho bioceânico. Faz sentido que essas interligações aconteçam para que os trens possam ser dissipados por todo o País. 

Qual seria o trajeto?

A ideia é fazer uma ligação do Porto de Chancay, que vai passar pela Bolívia e vai entrar no Brasil na região fronteiriça dos grãos. Vai atender a logística naquilo que a China mais consome do Brasil: proteína animal, minério e grãos. Então, a ligação com os portos secos que estão na região do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, terão a prioridade de funcionar primeiro. Mas existem os caminhos que são verticalizados nas nossas ferrovias, como a Norte/Sul, por exemplo, e faz sentido que essas interligações aconteçam para que esses trens possam ser dissipados por todo o País. 

Porto de Chancay Foto Marcos Vicentti
Porto de Chancay

Mas obviamente tem que ser um caminho de mão dupla: exportar mas, também, importar. A escala do Brasil, perto da potencialidade da China de fazer exportações de produtos, é pequena mas a estratégia geográfica do País deve ser, por exemplo, ofertar para a Costa Ocidental Africana esse produto que pode vir da China, passar por aqui e chegar a um custo de logística bem menor do que esses 45 dias de barco que, hoje, é extremamente custoso para a própria China.

E esse tipo de discussão já está acontecendo entre os governos?

Sim, mas esse é um tema que não está dentro da sociedade, está em pequenos núcleos estratégicos dentro de governos. É um papel do Iperid extrapolar essas relações e trazer o empresariado, por exemplo, para defender estratégias. Fazer um contraponto sobre esses investimentos logísticos é olhar para os custos dos produtos que exportamos. Por exemplo, há um custo transacional alto para a quantidade de caminhões nas estradas para exportar os grãos, e o preço do produto vai sendo carcomido por essa transação. O custo logístico, de maneira geral, é um grande problema do chamado “custo Brasil”. O que na China é feito em 24 horas, da hora que você compra à hora que o produto sai do País, no Brasil demora uma, duas semanas, até dois meses, dependendo do tipo de mercadoria que é transacionada. Quando se abre o leque de possibilidades, esse custo tende a ser menor. Por isso, é preciso interligar as malhas ferroviária e hidroviária. 

Mas não é o governo que deve fomentar esse debate, é o empresário que precisa se impor e dizer: "isso é importante para mim, quero participar". É preciso visualizar que a Transnordestina será boa para o setor produtivo. Por exemplo, olhando para o mercado interno e externo, se houver um polo de convergência logístico, uma fábrica não precisa estar dentro de um porto como o de Suape. Uma estrutura logística economicamente viável, barata e rápida possibilita a produção no meio caminho, ou seja, a fábrica pode estar no interior, numa das paragens da Transnordestina. Na Europa, grandes empresas automobilísticas, como Mercedes-Benz e BMW, estão praticamente dentro de uma paragem de trem que transporta cargas, como minério de ferro necessário para o processamento de chapas na fabricação de carros. São empresas que têm sua verticalização completa.

Imagina instalar no interior uma indústria dessa complexidade com a malha rodoferroviária à disposição! Se tivéssemos uma estrutura dessas ligada a um porto com a capacidade de transportar carros, equipamentos complexos, material de saúde, para o mercado interno e externo, o custo logístico cairia muito.  Por isso, vale ressaltar que o Estado não pode ser a maior instância de organização e crescimento da nossa economia. O empresariado deve estar no debate, pois, se a economia cresce, o Estado cresce. 

Diante da política unilateral de Donald Trump, existe a tendência de estreitar as relações comerciais da Europa e da Ásia com os BRICS e o Mercosul?

O mundo hoje, no ponto de vista econômico, migra para a Ásia. Vivenciamos o crescimento da Índia, da China do Vietnã, dos países que estão no Estreito de Malaca, Filipinas, são nações que têm relações bem construídas com nosso País. Não são grandes importadores de produtos brasileiros devido à distância mas, se o Brasil e a China constroem uma relação naquilo a que se dispuseram, por exemplo, o Brasil, na parte de alimentos, e a China, com bens de valor agregado, consolida-se uma relação econômica entre dois gigantes. 

Tudo que estiver no meio é lucrativo. Assim, o Brasil precisa aprender a trabalhar com os pequenos após consolidar a relação com os grandes. O Brasil tradicionalmente só olha para a Europa, não olha nem para os países da Costa Ocidental Africana que, nos próximos 50, 75 anos, serão os motores da África. A Nigéria tem uma população maior que o Brasil tem hoje, são 230 milhões de habitantes, contra 212 milhões do Brasil. 

Pernambuco tem uma localização geográfica muito próxima da África. Quais as vantagens de o Estado manter relações comerciais mais estreitas com esses países?

Na Costa Ocidental Africana, estão Angola, Nigéria, um pouco mais acima, o Magrebe, que são aliados ao Brasil e serão os motores da África nos próximos anos. Egito, Etiópia, Nigéria, África do Sul, Angola são países que tradicionalmente estão se ofertando ao Brasil, muitas vezes, pedindo ajuda para resolver algumas questões, e o País não faz o movimento para atravessar o Atlântico.  

O elo logístico que mencionei, entre o Pacífico e o Atlântico, vai colocar o Brasil numa condição sui generis de poder ofertar seus produtos e os de outros países para a Costa Ocidental Africana. Esse protagonismo precisa ser construído mas, não, pelo Estado e, sim, pelos empresários. Esse é um desafio, pois o próximo século será o século africano, quando a população da África vai dobrar. A Costa Ocidental Africana vai para 500 milhões de habitantes daqui a 100 anos, o Brasil não consegue mais crescer para chegar a 300 milhões.

Em relação a Pernambuco, é preciso entender que comércio exterior é uma vantagem competitiva, o Nordeste brasileiro pode ser o grande porto de conexão entre o Brasil e a Costa Ocidental Africana pela diminuição do tempo de importação e exportação. Ou seja, Pernambuco deveria pensar em exportar para a Costa Ocidental da África. Tenho certeza de que seremos muito bem recebidos. O Brasil foi o primeiro país a ser descolonizado, ainda que não seja uma verdade absoluta, mas nós brigamos pela independência. Somos um grande exemplo para os africanos em termos de desenvolvimento, eles se projetam na gente, por exemplo, os libertos da pós-escravidão que voltaram para a África têm o Brasil como primeira pátria. Ou seja, há uma identidade que precisa ser aproveitada, um soft power natural. Nós não fizemos nenhum esforço para construir uma relação, ela já existe. Por que não aproveitar?  

Mudando um pouco de assunto, quais são as tendências estratégicas na economia mundial para as quais Brasil e Pernambuco precisam ficar atentos?

São áreas como a comunicação transoceânica, cabos de conexão, satélites, para nos ligar com quem queremos falar. Somos parte de uma estratégia dos outros, porque não planejamos estrategicamente essa conexão. Outra questão importante são os data centers, que representam autonomia.   Quando você faz parte de um data center de outro país, ele controla suas informações e informação é poder. Ou seja, a China tem o seu data center, os EUA têm o seu, Europa tem o seu, cadê o do Brasil? Isso envolve negócios, custos, diplomacia, vários fatores, e está relacionado com independência. 

A questão energética também é relevante. Veja, a Europa vive um ciclo complicadíssimo porque depende da energia oriunda da Rússia e vai precisar ter autonomia. Provavelmente voltará ao mundo da energia nuclear em alguma escala e vai demandar outros tipos de matriz energética. O Brasil vai vender parte dessa energia? Temos capacidade para isso? Conseguimos desenvolver hidrogênio verde em larga escala? Os próprios data centers requerem uma quantidade enorme de energia. E qual é a energia que vamos usar para não ter impacto climatológico? Outra questão estratégica são os superprocessadores, que vão colocar a gente no outro patamar de inteligência artificial.

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